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sábado, 27 de dezembro de 2014

Sobrevivência, dez anos depois do Tsunami


Dez anos depois do Tsunami, quando a tragédia volta aos meios de comunicação, ouvimos histórias de sobrevivência, verdadeiramente incríveis. O sentido da sobrevivência, algo da ordem do instinto, ultrapassa a racionalidade e coloca-nos num limite que não imaginamos possível. Talvez, nada leve tão longe a capacidade de superação, de resistência e de sofrimento, como a luta por continuar a respirar, a alimentar-se, a permanecer à superfície…, mesmo que o amanhã seja de perdas, lutos e nódoas negras.
É certo que, passado tempo, já sem a dor inicial, a dominar os dias, ganha-se força para enfrentar o caminho, sair de casa, cumprimentar os vizinhos, ir trabalhar, entrar no supermercado, passear no jardim…, como se nada fosse, como se não existissem marcas. Ainda que, em muitos casos, uma dor silenciosa, de aceitação, longe da rutura e do abismo dos primeiros instantes, continue lá no mais profundo de cada um.


sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Procura

Voltou ao lugar, onde já tinha ido, muitas vezes, sempre, na esperança de a encontrar. Entrou no bar da estrada e olhou fixamente os camionistas debruçados sobre o balcão, fumando e bebendo. Procurava um, em especial:
- O senhor é de…, o senhor é o…, o senhor é de…, o senhor chama-se…
- Não, não sou de… não me chamo…; não sou, não me chamo…
A resposta não difere. A filha pode estar morta, vítima de sida ou de outra qualquer doença, mas isso não a impedirá de voltar de novo, enquanto não souber o que lhe aconteceu
- A sua filha saiu daqui, foi para sul – diz-lhe o dono do bar.
- Para sul, para onde?
- Não sei dizer. Parece que ninguém sabe.
Não sabe bem onde fica o sul, será muito longe, não tem como ir, mas voltará a este e a outros bares da beira de estrada, até saber o que se passou. Não desiste dela. Como poderia fazê-lo? Não pode.


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Bom Natal

Parece que o tempo é especial, e é. Temos uma predisposição diferente, somos  ouvintes, atenciosos, amigos, colaborantes, não indiferentes ... Que este espírito perdure por todo o ano.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Prémio Nobel da Paz

Malala recebeu, juntamente com um médico indiano activista contra o trabalho infantil, o prémio Nobel da Paz. Obviamente que Malala é mais do que uma menina vítima do extremismo talibã e da negação dos direitos das mulheres, nomeadamente o direito à educação. É também um símbolo pelo que representa, pelo que sinaliza, cada vez que intervém nos média. Malala somos todos nós, de algum modo; todos os que lutam diariamente pelos direitos humanos. 

                                                                                                  

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Lá longe, na minha infância

Queria falar, neste Natal, dos que, longe de casa, são imigrantes, refugiados, deslocados..., mas regressei à minha infância. 
Anos sessenta. Era criança e não percebia muitas coisas. Não percebia, porque homens, pela calada da noite, em segredo, partiam, a"salto", para a França, atravessando montes e vales, levados por "passadores". Agora sei, fugiam da miséria em que viviam. Iam à procura de dinheiro para alimentar as suas famílias, mandar os filhos à escola, fazer uma casa. Era assim. Nunca teria ido estudar, se o meu pai não tivesse ido para a França. Homens que deixavam as suas casas, os seus filhos, as suas mulheres e partiam, quantos sacrifícios, para chegar à fronteira francesa e quem sabe a Paris, e aí arranjar um alojamento e um trabalho, precários que fossem. 
Era criança e não percebia muitas coisas. Não percebia por que jovens, de dezoito, dezanove, anos e alguns até menos, também, fugiam a "salto", para França e a Alemanha. Ficavam desertores, não podiam regressar, se voltassem ao seu país seriam presos. Agora sei, fugiam à guerra, à guerra colonial, uma guerra de que talvez pouco ou nada soubessem, senão que lhes podia roubar a vida.



quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O massacre do Paquistão

Por que atacaram e mataram mais de cento e trinta alunos, ontem, numa escola paquistanesa? O terrorismo talibã é abominável, não vejo nada pior por estes tempos. Morrem inocentes, crianças e jovens, em nome de um fundamentalismo sem qualquer regra, sem qualquer sentido. É obscurantismo puro.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Indochina, o filme

Queria escrever sobre a força de alguns sentimentos.Vêm-me à ideia o filme “Indochina”, que vi há muito tempo, e a imagem de um jovem que viveu, até à idade adulta, construindo uma imagem poderosa e ao mesmo tempo romântica e feliz de uma mãe guerreira, activista política, na luta pela independência do Vietname.
Num certo dia, sabendo que a mãe estaria, em França, numa tal recepção, decide ir. Cruzam-se, mas não se falam. Ela não sabe quem é ele, deixou-o pequenino com a avó, na longínqua Indochina.Mas, talvez ninguém tenha estado mais presente na sua vida que o filho ausente, que não viu crescer, ir à escola, jogar, ter sonhos de adolescente, nada. 
São dois estranhos, apesar de existirem laços familiares tão próximos e sentimentos tão diários e tão profundos. Talvez o jovem  tivesse ido aquela recepção na esperança de que um clique os lançasse nos braços um do outro, como se os anos não tivessem passado, o tempo se tivesse suspendido e a vida já vivida se tornasse comum. 
Nem o tempo se suspendeu, nem os olhares se cruzaram, ao ponto de se fundirem. Dois estranhos, passando lado a lado, incapazes de se abraçarem, de se comunicarem. Ele podia tê-lo feito, reconheceu-a, sabia quem ela era. Por que razão não o fez, por que permaneceu mudo e imobilizado, no cimo da escada? Por que não foi capaz de lhe falar? 
Talvez, volte a andar quilómetros e quilómetros para a ver de perto, aplaudir o seu discurso, chorar uma lágrima e, quem sabe, até, poder dizer-lhe: - mãe!
E ela  pare o discurso e indiferente a tudo corra para ele gritando: - filho!
Agora, só existe o presente. Tudo é caminho, tudo é futuro…  Celebremos o encontro, aquele encontro. 

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A corrupção

A corrupção existe quando alguém em funções públicas tira proveito para fins particulares, lesando a comunidade; é a corrupção que leva ao branqueamento, à fuga de capitais ao não pagamento dos impostos devidos. Hoje, parece algo banal, porventura sempre foi, mas o mundo virtual e global em que vivemos dá-lhe outra visibilidade.
Aceito que muitas vezes pode começar por um favor e chegar a patamares de ilegalidade de grande gravidade, mas sei também que pode passar,desde o inicio, por uma estratégia premeditada e bem urdida para que ninguém chegue lá.
Perguntamos-nos: por que acontecem atos corruptos com esta frequência? Ser corrupto é da condição humana ou da natureza humana?
 Penso que é da natureza humana, situada no plano do que genericamente poderíamos designar pelo mal. Portanto, todos podemos ser corruptos, assassinos, violadores, agressores …, está no plano dos actos censuráveis, moral e legalmente, de que ninguém está a salvo, mas de que todos podemos sair ilesos, porque todos sabemos igualmente o que é o bem. É a escolha, é a decisão, que nos distingue de ser uma coisa ou outra.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Rudolf Höss


Já fora do campo, mas bem próximo, rodeada de árvores, fica a casa onde vivia o comandante do campo, Rudolf Höss. Era aí que, no maior conforto familiar, descansava, recebia visitas, brincava com os filhos…, depois de mandar espancar, prender, fuzilar, enforcar, enterrar, gasear, queimar…, tudo o que possamos imaginar e sempre como se nada fosse. Quantas faces têm os assassinos! Como é que um rapaz simples, filho de camponeses, se transforma na pessoa prepotente, cruel, mesquinha, assassina, alucinada…?

Impressiona profundamente, nesta máquina de guerra, por um lado, a estratégia, tudo obedecia a um plano, toda a máquina ao serviço do extermínio dos judeus e outras minorias, como ciganos e homossexuais.
Impressiona também a, quase, não consciência, ninguém se questiona sobre o que faz. A partir de certa altura, todos parecem agir como autómatos, numa linha de comando que chega a Hitler, como se cada um não fosse mais do que peça de uma engrenagem, como se ninguém ouvisse ou visse nada. Tudo parece invisível.
Invisibilidade que chega a todo o lado, então, as povoações vizinhas, as vilas e aldeias, que rodeavam os campos não sabiam o que se passava em Auschwitz-Birkenau? Custa a acreditar. 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Birkenau- Auschwitz II

Aqui, praticamente, tudo foi destruído pelos nazis, no final da guerra. O campo é atravessado pela linha férrea que trará, como gado, milhões de judeus de toda a Europa, são para aqui deportados os judeus das ilhas anglo-normandas, da França, Holanda, Bulgária…, chegam enganados, pensam que vêm para trabalhar, aos meninos dizem, “voltarás para os teus pais”, mesmo sabendo, em muitos caos, que os pais acabarão mortos nos próximos dias.

Dos dois lados da linha, foram  construídos, alinhados, 350 barracões de madeira, restam três ou quatro barracões que são visitáveis, um deles mostra como viviam, muitas centenas de pessoas, numa espécie de beliches, de  um  lado e do outro do barracão, com camas empilhadas, umas ao lado das outras e umas sobre as outras, podendo dormir sete ou oito pessoas em cada cama. Está de pé ainda um dos barracões com fossas sanitárias ( havia nos campos regras de higiene absolutamente determinantes, quem não cumprisse era preso ou morto).  

Quando olhamos a imensidão do campo, até às árvores lá do fundo, e o percorremos ao longo da linha férrea, não podemos imaginar, por impossibilidade, o que aqui se passou. Birkenau foi um campo de extermínio, puro e simples, matar, com o menor alarido e o menor custo, o número máximo de pessoas, era o objectivo dos nazis, e assim se chega ao 1, 3 milhões só neste campo. 

No campo, foram construídos também quatro grandes fornos crematórios, os de 2000 pessoas, e respectivas câmaras de gás, muitos dos que aqui chegam morrem gaseados no primeiro dia, os outros (os tais 80%), a que se vai juntando sempre o número de doentes e esfomeados que deixaram de poder trabalhar morrerão conforme a capacidade dos fornos. A desumanidade, em estado puro, está ali, pensada, planeada, levada a cabo por gente que supostamente era civilizada. (Que vidas a destes nazis ao serviço do III Reich) . 

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Auschwitz I


Auschwitz é hoje um museu, um importante documento para toda a humanidade, para que a barbárie, nos seus requintes de maior malvadez, não se repita. No final da guerra, quando os russos chegam e libertam os campos, os nazis destroem o que podem, em Birkenau, quase tudo.
A visita guiada é feita a um ritmo que não permite pensar, nem sequer ver as coisas com a atenção devida. Optei por não tirar fotografias e seguir, com a atenção possível, a guia, através dos fones distribuídos logo à entrada. O discurso é muito padronizado, muito pouco claro, não ajuda nada aquele português/espanhol; há algumas perguntas das pessoas do grupo…, mas, mesmo assim, crescem em mim as interrogações, sobretudo, sobre a dimensão do que aqui se passou.

Dos 45 pavilhões (julgo), em Auschwitz I, tenho a sensação de que apenas dez ou onze fazem parte do circuito das visitas, mas talvez sejam mais; a guia faz ainda referência ao pavilhão 11, a prisão dentro do campo, para quem ousasse fazer perguntas, roubar comida, discutir com alguém…, ao pavilhão de janelas entaipadas, pintadas de preto, onde se faziam experiências, se esterilizavam mulheres eslavas…; entre estes dois pavilhões fica o muro de fuzilamentos, lá está, com um pequeno memorial. Os outros pavilhões ou são de apoio ao museu ou são de países que perderam cidadãos neste campo (Holanda, Hungria, República Checa, Eslováquia …), com exposições próprias, mas que não fazem parte destas visitas normais.

A visita segue, de algum modo, o circuito dos judeus, desde que chegavam, de comboio, à rampa de Birkenau (Auschwitz II, a quatro quilómetros de Auschwitz I), até ao que resta das câmara de gás e de um forno crematório, o único que existe.
Os primeiros pavilhões falam da guerra, da deportação, dos prisioneiros, do extermínio em massa dos judeus europeus. Lá estão, com legendas em polaco e inglês, os documentos escritos, os mapas e as fotografias ampliadas que, tenho a sensação, todos já vimos, em filmes e documentários: sobre a chegada dos deportados (os olhares assustados, o medo, a separação, filhos que eram tirados às mães…); sobre o médico que os observava, ainda na rampa, e decidia arbitrariamente sobre as suas vidas, cerca de oitenta por cento ia diretamente para as câmaras de gás e vinte por cento, os mais capazes de trabalhar, ficavam. Eram registados, cadastrados, fotografados, já com o fato listado de prisioneiros e, a seguir, selecionados para os trabalhos forçados que havia dentro e fora do campo; sobre as imagens da fome, das doenças, das condições sub-humanas em que viviam e trabalhavam; sobre os corpos deformados pelas experiências de Mengele; e muito, muito mais, documentando uma tragédia humana sem limites. Sem limites, mesmo! Até onde teria ido – perguntamos?

Nos pavilhões seguintes, estão expostos objectos encontrados no campo: roupas, não muita; sapatos, muitos sapatos, de todos os tamanhos; óculos; próteses; utensílios de cozinha (panelas, tachos, pratos…); malas, muitas malas, com nomes e direcções, faziam crer aos prisioneiros que seriam guardadas e entregues depois; cabelo, muita quantidade (penso que duas toneladas deixaram os nazis no campo), a vitrina que mostra o cabelo impressiona, ocupa a longitude de um pavilhão (rapavam as pessoas antes de as gasear e aproveitavam o cabelo para forro de casacos das tropas alemãs, de colchões, de almofadas…); as latas de Zyklon B, o tal gás letal, que matava em 20 minutos 800 ou duas mil pessoas conforme a capacidade dos fornos.

Dentro de Auschwitz I, a visita acaba no que resta do forno crematório, o mais pequeno, de oitocentas pessoas; depois de percorrermos um primeiro corredor, acedemos a uma câmara onde se despiam, pensando que iam tomar banho, aqui, há também um memorial (um pequeno vaso de flores vermelhas) e o acesso limitado por um cordão, segue-se a câmara de gás, lá está por onde era lançado, a partir de uma espécie de tubo ou de alçapão, o corredor de acesso aos fornos, as mesmas portas…. É terrífico, talvez o ponto mais impactante, pelo que perturba, pelo que diz desta máquina de morte. A visita é dura. Aguenta-se a custo.



terça-feira, 4 de novembro de 2014

Auschwitz (1)

Cheguei a Auschwitz, no princípio da tarde, a partir de Cracóvia, num dia de outubro, com sol aberto e uma brisa suave que ia desprendendo das árvores folhas amarelas, castanhas, vermelhas…, um quadro que podia ser quase um poema, se não soubéssemos a carga histórica do que nos aguardava.
Estava inquieta. No autocarro que nos leva passam um documentário da BBC com testemunhos de sobreviventes de ambos os lados, soldados da SS, deportados, prisioneiros, crianças, agora com mais de oitenta anos…Estive atenta muito pouco tempo, por impossibilidade de assistir a tamanha crueldade. 
De repente, um quase nevoeiro (que não existia) invadiu a minha vista, ali estava o portão e a humilhante frase: “O trabalho vos fará livres”. 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A crítica das convicções

O fundamentalismo islâmico que está a recrudescer de forma tão violenta e tão inusitada (quem é que estava à espera de uma coisa assim? Talvez os mais avisados sobre estas questões, mas não o comum das pessoas) coloca, obviamente, muitas críticas e muitas perplexidades:
- Por que é que estamos a assistir a isto, depois de tanta racionalidade, de tantos universais reconhecidos (Declaração Universal dos Direitos Humanos, Tratados Internacionais, Protocolos adicionais…)?
Haverá muitas perspectivas de análise, mas, desde logo, é possível dizer que esses grupos extremistas não reconhecem nem os direitos humanos, nem o direito internacional…, radicalizam tudo na religião que não questionam.
- Por que é que islâmicos moderados aderem à ideologia extremista e passam a carrascos dos próprios vizinhos e conhecidos, com quem até há pouco dividiam um quotidiano pacífico?
Na verdade, passar de moderado a extremista é a mesma lógica, se radicalizamos numa ideologia, só isso interessa.
- De onde lhes vem o dinheiro para se armarem até ao ponto a que estamos a assistir?
Não se sabe, haverá meandros subterrâneos, mas uma coisa é certa ou a diplomacia internacional arranja maneira de não confundir interesses com valores e traça linhas vermelhas claras ou o trágico a que assistimos perdurará por muito tempo.
- O que leva jovens que não nasceram nessas culturas, nessas tradições, a converterem-se a elas e a serem tanto ou até mais extremistas que os outros?
A adesão de jovens ocidentais mostra, por um lado, a ausência de convicções próprias, não colocam nada em confronto, aderem de forma não reflectida, não mediada; por outro, mostra que há falhas nos sistemas educativos das sociedades em que vivem e supostamente foram educados, não estão preparados para pensar pela própria cabeça.
Um dos grandes desígnios da educação, em geral, tem de ser o de dar ferramentas para aprendermos a viver com os outros num mundo global. Claro que se pode dizer que nem tudo cabe à escola. Certamente, mas cada um faça o que tem de fazer.


                                                                                          

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A senhora x

Onde iria parar? não é primeira vez nem será a última, como dominar aquela ansiedade, aquele quase desequilíbrio emocional, que cada vez mais a põe num estado incapaz de se relacionar com alguém. Podia fugir de todos, fechar a porta, a televisão, tomar um comprido e dormir, mas, mesmo assim,: como fugir de si própria?


terça-feira, 9 de setembro de 2014

O jovem argentino que vinha do festival da Idanha

- Já é Lisboa?
- Não, é Santarém
- Falta muito para Lisboa?
- Mais ou menos 100km. Nunca veio a Lisboa?
- Não, não conheço.
Assim começou um diálogo muito interessante, até à estação do Oriente, com o jovem sentado a meu lado que vinha do festival da Idanha, que entendi ser de correntes alternativas de vida.
É claro nele um estilo de vida alternativo, mas há uma delicadeza nos gestos e um sorriso e uma gargalhada que criam empatia e proximidade.
Contesta a sociedade contemporânea, as suas instituições e os seus sistemas económicos e políticos; fala-me de liberdade, de paz, de justiça, de amor, da comunhão com a natureza…
Interesso-me. Quantas vezes já ouvi e li sobre utopias? Muitas.
Mas esta é uma utopia que tem um desprendimento e uma distância encantatórias;  não parece existir urgência, é a crença de que a mudança é inevitável, pela tomada de consciência de que não podemos seguir como estamos.
Fala-me da namorada espanhola que ainda não conseguiu fazer a opção e como compreende isso.  
Tento ver se há uma racionalidade ou apenas uma crença inconsequente. Tem um discurso estruturado, convicto, é culto, tem um curso superior, é professor, trabalhou num banco…, ou seja, não é um marginalizado, mesmo que tenha escolhido como tantos outros viver numa margem que acredita possa ser um caminho futuro. Fiquei curiosa, estou tão instalada na minha vidinha que não deixo que me surpreendam com facilidade, e este jovem conseguiu.
Um abraço para ele, lá onde estiver organizando ou participando em mais um festival.

                                                     


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O público e o privado, a propósito de Judite Sousa


Talvez, não tenha razão e a jornalista nada tenha feito para este alarido. Mas, parece-me despropositado o modo como voltou, tanta publicidade, tanto anúncio, tantas chamadas de atenção do canal de televisão onde trabalha, tanto ganho de audiências, tanto comentário…; mas, também, tanta capa de revista…
Este aparente marcar pontos é o quê? Foi ela que instrumentalizou a estação ou foi a estação que a instrumentalizou a ela? Foi ela que usou as revistas ou foram as revistas que a usaram a ela? Ou a palavra instrumentalizar é verdadeiramente despropositada?
Haverá respostas em diferentes sentidos, e muitas formas de ver a questão, mas ao que não podemos fugir é à referência de que há sempre um confronto de princípios e de interesses, entre um dever ser e algo que interessa que seja. Foi assim, é assim, e quase nunca ganham os princípios.
O espaço público é onde a autonomia é condicionada por regras, instituições, relações sociais normalizadas; enquanto, o espaço privado é onde somos verdadeiramente livres de escolher agir conforme o nosso sentido de bem e de felicidade, onde cada um decide como quer viver.
Portanto, se é muito ténue a linha entre público e privado, no caso de figuras mediáticas e socialmente relevantes, neste caso, a linha é clara: o modo como vive o luto pela morte do filho é algo absolutamente privado, a não ser que a própria decida que assim não é.



sábado, 30 de agosto de 2014

A morte chegou

Já aqui escrevi sobre ele. Sobre a sua degradação física, o seu olhar perdido e doente.
Acabaram de o encontrar morto em casa, sozinho, sem ninguém.
Mas, afinal, a sua solidão era igual à de muitos outros que morrem sós, nos lares, nos hospitais ou em suas casas. Tinha filhos, dizem-me que um deles tinha estado cá há pouco tempo.
Mas, a sua tormenta não acaba hoje, mesmo parecendo que acabou. Dadas as circunstâncias, vieram as autoridades e foi levado  para a medicina legal, na Covilhã, para ser autopsiado.
É assim. Quem tomará conta dele, do enterro?.
Certamente, virão os filhos, se não a misericórdia ou outra instituição fará o seu melhor.
Sinto a sua morte e recordo a sua vida de jovem adolescente que foi para França, ainda, muito  novo, para fugir à guerra de África e à miséria em que aqui se vivia. Por lá, viveu dias felizes e maus, é certo que não se pode dizer as pedras no seu caminho tenham sido poucas. 


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A decapitação do jornalista americano

Pensávamos que já tínhamos visto tudo, a maior barbárie, a maior brutalidade, a maior instrumentalização do humano..., mas a violência  humana "apura" os seus instintos de malvadez e de humilhação. O vídeo difundido pelos jihadistas mostra tudo isto e o choque que provocou é bem compreensível. Como se poderá actuar com estes fanáticos?  

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Incompreensão do mundo

Agosto avança. Muitos estão de férias, enquanto outros, em vários lugares do mundo, fogem das balas, dos bombardeamentos, das perseguições politicas, religiosas… A incompreensão pelo que se passa é cada vez maior. Parece que uma qualquer catástrofe humana se abateu sobre nós e apagou todas as referências, já não temos quadros, grelhas, categorias de análise e de resolução fundamentadas; o direito internacional é letra morta e os direitos humanos uma coisa a mais que não é necessário respeitar. Que eu sinta isso, não faz qualquer diferença, mas que políticos, analistas influentes, os grandes do mundo, se reúnam em Berlim, para discutir a crise na Ucrânia, se reúnam no Cairo, para resolver o problema israelo-palestiniano, se reúnam no conselho permanente da ONU e nada pareça verdadeiramente resultar, não é normal.
As Nações Unidas são ultrapassadas e desrespeitadas nas suas resoluções, a União Europeia, a mesma coisa, quase não nos damos conta das declarações que faz.
O que fica? Noticiários cheios de guerra, populações em fuga, campos de refugiados, campos de treino com jovens alucinados mais ou menos perdidos, movimentações políticas irrelevantes que não saem do impasse… Isto não deveria ser possível, depois de tantas declarações, tratados, convenções… Retrocedemos séculos ou talvez estejamos, como sempre, no mesmo sítio: o da miserável violência humana, só muda o machado.


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Milton Nascimento, o meu preferido

Ninguém canta como Milton Nascimento. Elis Regina terá dito: “Se Deus quisesse cantar escolhia a voz do Milton”. É verdade. Há nela algo de sublime, de estranho, de transformador…, se calhar, até de redentor.
Ouvir Milton Nascimento é um compromisso com a dignidade humana, a vida, a igualdade, a justiça, a amizade, o amor…; um compromisso contra a indiferença. Por isso, não se pode ouvir sem escutá-lo, atentamente, mesmo que, às vezes, nos desinquiete por dentro. 
Posso estar muito tempo sem regressar às suas músicas, mas, quando volto, é certo que oiço os vários CD’s que tenho por dias e semanas seguidas. 

quarta-feira, 30 de julho de 2014

A guerra, a barbárie

28 de julho de 2014, há cem anos começava a I Guerra Mundial. Haverá com toda a certeza documentários, perspectivas, análises…
Mas haverá também, no noticiário de hoje, a destruição de Gaza, mais de um milhar de mortos, a desintegração da Líbia, o separatismo na Ucrânia, novo ataque do grupo Boko Haram, agora, nos Camarões e tudo o resto..
O que falhou? Falhou quase tudo. Falhou a intervenção Papal, recorde-se que em junho se reuniram, nos jardins do Vaticano, os lideres israelita, do Hamas e o próprio Papa para, nas diferentes religiões, rezarem pela paz. Falharam as primaveras árabes, as revoluções de jasmim, a crença na decência dos senhores de Moscovo, etc., etc., etc.
É certo que o problema reside na natureza humana. Somos maus, violentos, vingativos, fantoches, ambiciosos, faccionários …; mas isso não nos desculpa, temos a capacidade de uma comunicação racional, temos a capacidade de encontrar consensos, se formos capaz de deixar cair o que nos distingue, não porque não valha, mas porque não é o essencial. Centremo-nos no que interessa verdadeiramente; centremo-nos no valor inquestionável da vida humana, seja quem for e onde for.
 Estou tão cansada da impossibilidade de compreender as coisas, de perceber de como é ténue a linha entre a decência e a desumanidade, entre a liberdade a violência. a humanidade está em ser capaz de não ultrapassar essa linha (como referia Lévinas).



quinta-feira, 24 de julho de 2014

O avião da Malásia abatido

O que dizer? Nos últimos tempos já escrevi tanto sobre isto: o terrorismo é um dos piores males da humanidade, pela violência, pela cobardia, pela desproporção, pela perversidade… Matam-se assim inocentes, como se nada fosse. Vamos ver o que faz a comunidade internacional, espero que se esclareça, até ao limite de todas as possibilidades, o que aconteceu e sejam tiradas todas as consequências. 

quinta-feira, 17 de julho de 2014

A contingência humana

Todos os telejornais têm do mesmo: acidentes, mortes inesperadas… A certeza da morte deveria levar-nos a pensar no fundamental da condição humana: a contingência do viver.
Devíamos aprender desde pequenos  que estamos de passagem, e este pode ser o último dia, hora, minuto, segundo…
Palavreado cristão, etc., etc. Talvez, mas, no caso, é apenas bom senso.  Acumular riqueza, construir bancos, sistemas financeiros, com uma volatilidade tal que nos estonteia e que ninguém percebe ou controla, e não olhar para o essencial, não pode ser caminho para a humanidade.

Regressemos ao essencial, ao simples, ao olhar, em primeiro lugar, para o lado; resgatemos a proximidade com o outro; deixemos de nos estranhar uns aos outros. Terrível indiferença!

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O jovem comunista

Ouvi falar o jovem deputado comunista (João Oliveira) e pus-me a pensar: afinal, não terminaram as utopias; afinal, há quem ponha, acima do individual, o colectivo, todos os outros. “Não estamos aqui por interesses pessoais, não estamos aqui para ir trabalhar como CEO’S de grandes multinacinais, estamos para servir as pessoas”. 

Pareceu-me descortinar, ainda, muita retórica ideológica, mas igualmente um sentido de profundo envolvimento com os problemas da sociedade. “É a realidade que mais perturba os políticos”,  fala de transformar o quotidiano, da urgência do emprego, da justiça, duma vida melhor para todos. Há lá maior utopia e maior necessidade! O necessário não é utópico, é o real e o possível. 

terça-feira, 8 de julho de 2014

As jovens raptadas na Nigéria

Continuam prisioneiras e escravas do grupo que as raptou. Não parece aceitável que o seu cativeiro continue, depois de tanto  tempo, quando há largas semanas disseram que já as tinham localizado. Meandros politicos impedem que as jovens possam regressar a casa e abraçar os seus familiares.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Uma sabedoria prática, para o mundo de hoje

“Não vê a minha situação, não me deixa explicar, diz-me que não pode fazer nada, que a lei não permite” (referia-se à assistente social, com quem tinha acabado de falar, depois ver esgotado o subsídio de desemprego). Ao ouvir aquela senhora que, no seu sentido comum de justiça, acabara de (d) enunciar toda a conflitualidade do campo prático: entre a universalidade da lei e a pessoa concreta, ecoaram, em mim, textos de Ricoeur.
Regresso a esses textos e à consciência da importância de uma perspetiva de saber prático capaz de dar resposta aos conflitos éticos das sociedades de hoje, tanto os determinados pelas contingências económicas, sociais e políticas, como os determinados pelo pluralismo moral que as diferentes formas de bem viver colocam na ordem do dia.
Para Ricoeur, valores e regras são estruturas morais com que os indivíduos e as sociedades se orientam e determinam, pelo que, em vez de oposição, o que faz sentido é encontrar passagens, considerando tanto argumentos como interpretações, assentes na ponderação crítica do homem sábio, aquele que decide com a convicção de estar a fazer a melhor escolha, naquele caso concreto.


quinta-feira, 3 de julho de 2014

O conflito entre israelitas e palestinianos

Talvez, a violência seja tão natural em nós como o bem, mas, o que fizemos a tantos séculos de civilização, a tanta educação, a tantas escolas, a tantos humanismos, a tanta cultura, a tanta ciência…? Não fizemos nada. Parece difícil fazer.
Há sempre uma súbita vingança marcada pela raiva, pelo ódio…; há sempre um bode expiatório para sacrificar. Os três jovens israelitas mortos pelos palestinianos “têm de ser “vingados”, já morreu um palestiniano, continuando a busca por quem se julga estar implicado. Esta lógica de violência é uma escalada aparentemente sem retorno, apesar dos gestos de paz como os que o Papa promoveu há pouco tempo no Vaticano.
Onde está a solução? Parece não existir; e isso é que dá medo.


terça-feira, 24 de junho de 2014

Daniel, o menino da Madeira,

O que podemos dizer daquela mãe? Há uma quase impossibilidade de dizer seja o que for, porque não podemos ou não queremos imaginar que uma mãe tente vender o seu próprio filho a um casal estrangeiro.  Sai fora de tudo, Precisamos de saber quem a ajudou, a sua avaliação psicológica, etc.etc.  Tudo parece mal contado, mas talvez seja necessário atar pontas ainda soltas.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Mariam Yahya Ibrahim, a intolerância religiosa

A mulher sudanesa, com uma criança de menos de dois anos e grávida de oito meses é condenada à morte, por um tribunal de Cartum, supostamente por renegar o islão. Casada com um norte-americano, cristão, converteu-se ao cristianismo, porventura, muito longe de pensar até onde chegaria a intolerância religiosa do seu país, onde a lei da sharia se impõe a tudo.
Embaixadas dos Estados Unidos, Canadá… procuram uma saída para o caso, mas, até agora, apenas, a morte por enforcamento foi adiada por dois anos, por causa dos filhos. Ontem deu à luz a sua filha; certamente, nenhuma lei lhe tira a alegria de ser mãe, mesmo que isso lhe custe o inimaginável. Podemos nós pensar sequer nas condições em que está mulher presa com os dois filhos? Não podemos.
Mas, podemos denunciar a intolerância religiosa, pedir a quem pode fazer pressão, como a Amnistia Internacional e outras organizações de defesa dos direitos humanos, que não desistam, por Mariam e pelos filhos; não desistam pela liberdade de cada um ter a religião que entender, direito humano inalienável.



quarta-feira, 11 de junho de 2014

Onde estão as jovens raptadas, na Nigéria?

Parece que o mundo, que se escandalizou com o vídeo do sujeito que prometia vendê-las como escravas sexuais, por cerca de 10 euros cada uma, se voltou a esquecer das jovens. Por que continuam sem ser libertadas e entregues às suas famílias? O argumento de que sabem onde estão, mas não podem  dizê-lo por estratégia, para não por em perigo a vida das meninas, mas que estão a trabalhar no caso, começa  a não colher. Algo se passa no subterrâneo dos meandros da política e do terrorismo naquele país (a troca das jovens por terroristas, etc, etc.),  que nos escapa.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

O trágico da guerra, do terrorismo, do conflito

O trágico na ação aí está. Está no terrorismo talibã que ontem vimos no ataque a um aeroporto de uma cidade paquistanesa,com mais de duas dezenas de mortos; está no conflito israelo-árabe que o Papa, também ontem, procurou de uma forma não política (ainda assim, política) colocar na ordem do dia e numa perspetiva de urgência; está nos conflitos quotidianos que vivemos sempre que as regras chocam de frente com as convicções. Conhecemos isto desde os gregos. No conflito que opõe Antígona ao tio, na tragédia de Sófocles, a oposição é entre o puro respeito à lei e a convicção íntima de que enterrar os mortos é parte da dignidade humana, e isso é anterior a qualquer legalidade. Como resolver o conflito? Continuar a extremar posições, não leva a nenhuma solução. Isto serve para os conflitos de hoje. Para todos os conflitos.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

A propósito da nova coroação real, em Espanha

Por que é que há reis e rainhas – é a pergunta que faço?
Por que é que se nasce rei, rainha, príncipe, princesa, etc, etc? Nenhuma razão. Nascemos indivíduos livres e iguais – é o primeiro princípio consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 
Ponham os príncipes e os reis a pensar sobre o que são, a ver se se descobrem outra coisa. A monarquia não tem nenhuma justificação racional, pode ter todas as outras: tradição, cultura, estabilidade política, identidade nacional…, o que seja, mas nenhuma que os coloque num patamar à parte. Sou absolutamente republicana.



quinta-feira, 29 de maio de 2014

A mulher apedrejada, no Paquistão

Foi apedrejada até à morte, aliás, foi decididamente apedrejada para morrer e assim limpar a honra da família. Nenhum delito, apenas não aceitou casar com o homem que a família tinha destinado para ela.  É a mais profunda barbárie, dispor de alguém como se fosse uma propriedade, matá-la como se estivessemos na Idade Média. Pode lá haver obscurantismo maior! Maldito traço cultural, maldita ignorância!

domingo, 25 de maio de 2014

O aldrabão, a comédia grega

Fui ver, ao teatro D. Maria II, a peça "O aldrabão", e embora nalguns momentos sentisse algum incómodo nos meus ouvidos, gostei de ver  o desenrolar da acção, ficando com a percepção clara de que somos genuinamente comediantes e trágicos, farsantes e honestos, bons e maus. Na peça, temos uns a enganar, outros a aproveitar, outros a sofrer..., ainda assim é, e será, nada muda na natureza humana.
Salva-se o amor do jovem quem, numa rua de Atenas, faz tudo para comprar a jovem amada explorada naquele prostibulo. (Já agora, a personagem do dono do prostíbulo, interpretada pelo actor Rui Mendes, está muito bem).

terça-feira, 13 de maio de 2014

Tarrafal, o prisioneiro

Há anos que procurava uma paz, uma certeza qualquer, de que o retorno àquele campo não seria um sofrimento a somar às memórias vivas e cruéis do sítio onde passara mais de sete anos da sua juventude, trabalhando, cumprindo ordens, guardando ideias, lendo livros, arquitetando revoluções…, criando uma rotina, a possível, que impunha a si próprio para não endoidecer.
Salvaguardar a saúde mental, que a física essa ressentir-se-ia – mesmo quando, nessa idade, se julga possível passar por tudo sem marcas no corpo - era a primeira das preocupações. Marcas de meses seguidos num total isolamento, numa sela fechada, húmida, onde mal cabia uma pessoa, sem cama, com um balde e uma refeição diária.
Como se consegue sobreviver a isto? Só uma convicção interior fortíssima, só um dever de consciência, uma responsabilidade, uma inabalavel defesa da dignidade humana – em que vergar, ajoelhar, comprometer..., mesmo quando os interrogatórios e a tortura pareciam deixá-lo à beira de uma quase semi consciência, era o impensável. Sabia quiem era e porque estava ali. Sabia o que devia a si e aos outros que como ele lutavam contra o colonialismo português.

sábado, 10 de maio de 2014

As jovens nigerianas raptadas

As jovens raptadas, quase trezentas, de uma escola secundária, só agora, começam, por pressão internacional, a  ser preocupação do país. É a  demência fundamentalista em estado puro, raptam-se inocentes, em nome de Deus, para serem vendidas como escravas sexuais, sabe-se lá para onde a quem, com o argumento, pasme-se, de estudarem numa escola. A educação em vez de um direito é um crime, para estas mentes terroristas.
O que mais perturba é a maldade, é a desumanidade, é o obscurantismo que, por este caminho,  tomará outras regiões do mundo, mesmo quando pensávamos que a modernidade e a tecnologia contemporanea tinham feito um progresso de não retorno. Não é assim, há muitos anos zeros para a humanidade e para civilização. A volta às cavernas é uma indecência humana.


sábado, 3 de maio de 2014

A menina egípcia que vendia marcadores de papiro (8)

Não sei bem, mas eram, seguramente, mais de uma dezena de crianças que vendiam marcadores e outros pequenos objectos, junto a uma fábrica de transformação de papiro, onde os turistas param para observar o processo de produção e fazer compras.
Era uma menina muito bonita! Não tinha mais de seis ou sete anos, no máximo. Muito pequenina, muito esperta, vestidinha à árabe a vender aos turistas marcadores de papiro. Contava, na perfeição, em inglês, francês, espanhol, e repetia, sem parar, os números até doze, número que correspondia ao “molhinho” de marcadores que vendia por um dólar.
Toda a gente, literalmente toda, enquanto eu estive a observar, lhe comprou os marcadores. Ela era o centro de todas as atenções, impossível não a fixar, pela graça, pela desenvoltura, pelo modo como uma criança, tão pequena e tão linda, contava marcadores de papiro.
A mãe vigiava-a, por perto, mas mesmo assim não evitava que os “maiorzinhos” não achassem piada à freguesia que conseguia atrair e lhe dessem encontrões, a obrigassem a sair da frente e a sentassem a um canto. Por um lado, percebo, ela tirava-lhes todo o negócio, conseguia todas as atenções. Mas continuava. Contava, repetidamente, sem parar, não desistia, e isso foi o mais impressionante, não desistiu nunca, a determinada altura chorava convulsivamente, lágrimas rosto abaixo, mas continuava: one two, three, …e mais um molhinho de marcadores, e outro, e outro e mais outro … .
- Minha menina, não podes brilhar tanto! Tens de deixar os outros também vender. Vá lá, tem de ser assim! Não te dão encontrões e socos por não gostarem de ti, apenas porque não suportam não vender nada aos turistas que param junto a fábrica de transformação do papiro. Vai descansar um pouco, cuidar da tua voz, já rouca de tanto apregoar marcadores de papiro, deixa os outros meninos também venderem um bocadinho. Não quero ver-te chorar mais!

                                                                                     Agosto, 2005, arredores do Cairo 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Crianças e jovens que conheci (7) - Reinserção Social

- Os teus pais estão presos?
- Estão, há “bué” de tempo....
Faz silêncio. Olha-me intensamente, não sei se com raiva se com súplica, como se eu tivesse alguma coisa a ver com tudo o que lhe estava a acontecer e pudesse ajudá-lo.
- O que é que tem estarem presos? – Pergunta-me, zangado.
- Eu não disse nada. Esperavas que tivesse feito algum comentário?
- Andavam a vender (droga), andavam, e depois? O que é que tem? Também já vendi, agora não vendo, não vou vender mais. Não vou vender, está a ouvir-me (altera o tom de voz).
- Sim, estou a ouvir-te. Costumas ir à Associação aqui do bairro?
- Não vou, é tudo mentira, mentem-me, mentiram-me, sempre.
- Não acreditas neles? Porquê?
- Prometeram comida, trabalho e “cenas” dessas e continuo a passar fome, tenho que roubar, percebe, tenho de roubar, de roubar, percebe, veja se percebe....
Repete vezes sem conta a mesma coisa, elevando a voz, agora, quase em fúria.
- E tu o que é que lhes prometeste?
- Nada, não prometo nada, não me chateiem…, vem a “bóbia, bate num gajo e dia vamos presos.
- Achas que vais preso?
- Se vou preso? Todos os meus amigos estão presos, até aos dezasseis anos um gajo anda na boa, depois toma, caem em cima e toca a andar. Qualquer dia vou. É de certezinha…
- Podes não ir, isso só depende de ti.
- Não me importo, não me importo mesmo...
- Eu importo-me que tu vás preso e há outras pessoas que também se importam, tenho a certeza. Tens a noção de que há pessoas que se importam contigo ou não, que querem cuidar de ti. Tens de deixar que te ajudem, seres o primeiro a cuidar de ti.
- Como? Não sou capaz. Não sou capaz, o problema maior é a minha cabeça, a minha cabeça, entende?
- Entendo, mas sei que toda a gente é capaz, é primeiro preciso decidires que queres aceitar a ajuda e depois esforçares-te por consegui-lo. É assim que todos fazem ou julgas que não.
- Não me venha com tretas, dona, estou à rasca, estou à rasca...
- Calma,


(um jovem que encontrei num colégio do instituto da reinserção social, nos finais dos anos noventa) 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Crianças e jovens que conheci (6) - A Vera

Naquele ano, a Vera ia ser minha aluna. Tinha prometido a mim própria que iria fazer tudo o que fosse possível por ela. Mas, fazer tudo, talvez não fosse muito. Tentaria, disso tinha a certeza. Comecei a dar-lhe toda a atenção, a pedir-lhe ajuda para pequenas coisas, e a Vera começou a dizer algumas palavras: os livros, o quadro, a pasta…, até que, pouco a pouco, começou a dizer frases completas: - é para ir buscar os livros da professora? É para apagar o quadro? É para procurar dentro da pasta? ... E assim se foi integrando, mas sempre muito dependente de mim, como se eu lhe desse uma segurança que não tinha em mais lado nenhum. Mesmo nos intervalos queria sempre ficar na sala. Muitas vezes, eu saia por causa dela, mas continuava a segurar-me a mão, vejo isso ainda agora quando olho fotografias de dias de festa tiradas nesses tempos de escola.
A Vera estava presa a mim, e eu a ela. Esteve comigo dois anos, por fim falava de tudo, dos irmãos, do pai, da mãe, da casa, do irmão que ia nascer…, parecia outra, já não era a menina assustada e triste, mas dependia demasiado de mim, da minha atenção, mas eu também dependia dela. Estranha relação... A mim magoou-me ter de lhe dizer adeus. Não sei o que se passou a seguir, gosto de pensar que se tornou um menina mais autónoma e mais feliz. Ajudaste-me tanto, Vera! Sabes, continuas a fazer-me falta. 


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Crianças e jovens que eu conheci (5) - O Rui morreu

Leva a irmã pela mão a caminho da escola e fala-me como se me conhecesse muito bem. Disfarço, entro na conversa, intrigadíssima: quem seria aquele jovem que eu não reconheço. Teria sido meu aluno? Era impossível, com certeza que não. Se tivesse sido, reconhecê-lo-ia.
- Tenho saudades desta escola, agora, lá em baixo é tudo diferente.
- Estás em que ano?
- No 6º ano, mas este ano não sei se poderei passar, por causa do meu problema de saúde, há dois meses que não vou à escola. Mas vou ficar bom e recuperar. É assim, tenho que ficar bem, já estou quase bem, mas foi difícil, muito difícil … . 
- Sim, vais ficar bom – digo-lhe, enquanto lhe fixo de novo o rosto. Já sei quem é: é o Rui. Agora, percebo porque não o reconheci, tem um problema de saúde grave, a quimioterapia, a medicação….
Aquele menino, agora com um corpo de adolescente, marcado pela doença, falava-me como um adulto. Como te ia reconhecer, Rui! Mas, és tu, já não tenho dúvidas.
E a conversa continuou até à escola. Nas semanas seguintes, encontro-o várias vezes. O que mais me impressionava era a força de vontade, os projectos, os sonhos, a vida, o futuro: “vou fazer, tenho de fazer, vou ajudar o meu pai, a minha mãe, agora, estou em casa, cuido da minha irmã, lavo a loiça à minha mãe, estou melhor, estou melhor, mas foi difícil, muito difícil, quando estiver bom, vou ficar bom …”.
Um dia deixou de aparecer, dizem-me que foi hospitalizado de novo. Piorou. Não tenho coragem de perguntar mais nada a ninguém. Não demorou muito a chegar a trágica notícia: - O Rui morreu.
Não suportei. Por que morrem os meninos? Por que se morre aos doze anos, quando tudo o que se quer é viver? Por que se morre quando se têm tantos projectos e tantos sonhos?
…………………………………………………(Arredores de Lisboa, 1991)

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Crianças e jovens que conheci (4) - O menino árabe

- Um dólar, um dólar, um euro, um euro …, madame, madame, señora, señora! - Eram meninos de sete, oito, nove anos que traziam pequenos objectos que tinham feito com ramos de palmeira entrelaçados: cestinhas, flores, pássaros, e não sei que mais.
Dão os objectos (na realidade, pretendem vender) a uma senhora, a outra e a outra, até ficarem sem nenhum. Quando eu quero comprar, um dos meninos, muito rapidamente, começa a tecer alguma coisa, mas, como já não havia tempo, entrega-ma, tal qual, e diz-me: - É um pájaro, é um pájaro (é um pássaro, é um pássaro)! 
- Querido menino, como é um pássaro!
- Não vê já a cabeça? Não está terminado, mas é um pássaro. A senhora se quiser vê um pássaro – diz-me num espanhol imperfeito, mas que entendi perfeitamente.

- É um pássaro, sim! Como não é um pássaro? Tens razão, já o vejo. 
A porta do autocarro fecha-se e o menino acena-me contente, por ter conseguido a moeda. Fico emocionada e penso na história do Principezinho, será que alguma vez este menino ouviu falar do principezinho e da ovelha dentro da caixa com buracos: “a ovelha que tu queres, está lá dentro”. 
Igual. O pássaro que eu quero, está aqui, neste projecto de pássaro. É só imaginar: grande, pequeno, de poucas ou muitas cores, depende do que eu desejar. Apetece-me dizer-te: - Não voltes a fazer pássaros completos, faz pássaros para os outros imaginarem, para os outros sonharem. Sim, que imaginar também é ver.
(Agosto, 2002, no palmeiral de Marraquexe)

sábado, 19 de abril de 2014

Crianças e jovens que conheci (3) - a menina adotada

Passou-se, num dia de Janeiro, numa terra africana, numa casa, onde passava uns dias. Não compreendi, não compreendo, como se pode dar uma filha. Para mim, foi e é incompreensível, mesmo quando parece ser inevitável e, naquele caso, não parecia.
Não esquecerei nunca os olhos e o choro da menina. Um choro contínuo e convulsivo, como se pressentisse, como se tivesse consciência de tudo, do passado, do presente e do futuro.
- Não venha para aqui, não venha para aqui, que a minha filha não a pode voltar a ver – pede a mãe adotiva, insistentemente, à mãe biológica – juntas, porventura pela última vez, no dia do baptizado da menina, por coincidência, no dia em que foi definitivamente entregue aos pais adoptivos, um casal italiano.
- Está bem, não vou – diz, em lágrimas, a mãe verdadeira (desculpem se utilizo este adjectivo, naquele momento, foi assim que senti)
 – Sei que se ela me visse deixava de chorar – insistia.


quinta-feira, 17 de abril de 2014

Crianças e jovens que conheci (2)

No dia do passeio escolar, chegaste com um fatinho tão bonito, só te faltava a gravata, parecia que ias para uma festa. E ias mesmo. João, foi tão importante para ti a ida ao Jardim Zoológico, e como te portaste bem! Claro que precisaste que a professora estivesse muito atenta, mas eu também estive atenta aos outros meninos. Viste tudo, participaste, partilhaste o lanche, e que lanche! O teu irmão, de vez em quando, olhava para ti, a vigiar-te, com a preocupação de irmão.
No final, estávamos todos felizes, e tu mais que ninguém. Portaste muito bem, João! Eu tinha tanta vontade que tu fosses como todos os outros meninos! Brincasses, aprendesses, saísses, não pensei se era ou não complicado levar-te ao passeio, queria levar-te e pronto, mostrar-te que podias fazer tudo os que outros faziam, e podias.
O João mudou completamente, nesse ano lectivo. Apesar dos seus problemas de linguagem e das suas dificuldades, começou a aprender, a integrar-se, a ter amigos, a brincar com os outros. No final do ano, sabia ler e escrever. Pela primeira vez, depois de vários anos na escola, tinha aproveitamento.
O que será feito de ti, João? Sabes, para mim continuas a ser muito importante. Recordo como eras traquina, como me punhas a cabeça em água, mas também como me emocionavas cada vez que me olhavas e dizias: - Professora aqui, professora olha, professora ajuda, professora desculpa, professora, professora….
Como não ia ajudar! Como não ia desculpar! Até te encontrar, não achava possível uma ligação tão forte a menino meu aluno.                                                                    ( Em 1984, numa escola do concelho da Azambuja 

Crianças e jovens que conheci (1)

São excertos de textos sobre crianças e jovens, com nomes fictícios, a quem negaram, em algum ponto do seu curto caminho a dignidade que mereciam ou a quem o destino pregou uma partida. 
O que faço é procurar escutar a voz interior destes meninos que, em muitos casos, ou em todos, mesmo, permanece intacta. Negamos-lhes as oportunidades, matamos-lhes os sonhos, mas a pessoa está, permanece. Sai  de entre a multidão, de entre os ruídos e aparece para nos convocar, para nos desinstalar. Não podemos dizer que não a vemos que não a ouvimos. Que respondo? Que respondemos

sábado, 12 de abril de 2014

Uma criança soldado, num sítio qualquer (e há vários)

Ninguém lhe explicou para onde ia. Disseram-lhe que precisavam dele, mas não lhe explicaram porquê nem para quê.
Deixou a sua vida em aberto, suspensa, ou, se calhar, fechada para sempre. Saiu de noite, sem se despedir da mãe, levado à força para um destino desconhecido e incerto de que sentia alguma curiosidade, mas sobretudo arrepios de medo. Foram muitos os que subiram no velho camião conduzido por três homens soldados.
- Tu vais ser um soldado, defender a pátria.
Disso, não percebe nada. Sabe que hoje está vivo e que amanhã poderá ser morto. Pensa que não se despediu da mãe que andava na lavra. Que terá ela pensado? Irá arrumar-lhe as poucas coisas? Esperará por ele? O que lhe dirá quando voltar?
- Vais matar o inimigo, o bandido armado - continuava o oficial.
“E, então, ele não era bandido armado” – pensava o miúdo cada vez mais encostado à grade do camião que se arrastava demoradamente sempre em grandes solavancos, como se a viagem fosse já prenûncio de uma  grande tragédia.



                       

terça-feira, 8 de abril de 2014

Contra o racismo um poema de encantar

Foi há pouco tempo o dia da literatura infantil, uma área na qual dsenvolvi, durante muitos anos, trabalho, sobretudo, na formação de professores. Deixo um poema, muito bonito:

A cor que se tem

Quando for crescida
Hei-de inventar
Um perfume de encantar.

Quem o cheirar há-de ficar
Com a cor da pele
Que mais gostar.

Branco ou amarelo
Se preferir
Preto ou vermelho
É só decidir.

Para alegrar
até vou pensar
Outras cores acrescentar.

Cor de rosa
Verde ou lilás
São cores bonitas
E tanto faz.

E assim,
Há-de chegar
O dia de acreditar
Que o valor de alguém
Não se pode avaliar
Pela cor que se tem

E então,
Tudo estará bem.

                                                  (Maria Cândida Mendonça, in A cor que se tem, Plátano Editora, 1986)

Os beduínos, um povo sem cidadania

Não sei como hei-de dizer: se Beduínos de Israel, da Palestina ou do deserto da Judeia, sem mais. Como não quiseram servir no exército israelita, quando se formou o estado judaico, nunca tiveram a cidadania israelita, mas também não têm o apoio devido da autoridade palestiniana. Abandonados a si próprios, vivem sem direitos, sem direito à terra que sempre foi sua e sem direito ao modo de vida ancestral, a criação de rebanhos de cabras.
Os colonatos israelitas são feitos nas zonas de nascente, deixam sem água os acampamentos beduínos (24 acampamentos, 450 famílias, 4000 pessoas, segundo dados da ONU, referidos na revista Além-Mar de Abril) e sem qualquer subsistência possível. Têm, há 65 anos, o estatuto de refugiados, com direito a uma ajuda da ONU, de três em três meses – farinha, latas de azeite, açúcar, lentilhas…. Sobrevivem, absolutamente encurralados, como se nenhuma outra solução fosse possível e tem de ser.




quarta-feira, 2 de abril de 2014

O aviador, o filme

O que surpreende no filme, até ao ponto de nos perturbar, é como uma pessoa tão inteligente, capaz dos maiores raciocínios lógicos e matemáticos, carrega uma fobia que lhe transtorna a vida, ao ponto de um desequilíbrio mental.
Ter medo de germes, perscrutá-los em todo o lado, não será algo que um ser inteligente pode racionalizar? Pelos vistos não. Sabemos tão pouco de nós próprios, a mente humana está na infância do conhecimento. Para onde caminhamos? E o futuro, como de resta acaba o filme, haverá um futuro mais capaz de lidar com tantas dualidades? Talvez, não. Para este homem, Howard Hughes, que morre em 1976,  o futuro foi a deteriorização progressiva da sua situação clínica.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Nova vaga de imigrantes clandestinos

A vaga de imigrantes que tentam chegar à Europa revelou-se nos últimos dias de grandes proporções, tanto os que atravessando o norte da África tentam a fronteira de Melilla como os que atravessando o mediterrâneo tentam a ilha de Lampedusa. Nada que não seja previsível. À espera têm, muitas vezes, as autoridades que os intercetam e detêm em centros de acolhimento.
Em seguida, espera-os o regresso às terras de origem, a volta ao nada, onde o que podem fazer é voltar a tentar de novo os perigos da imigração. A Europa, a terra de todos os sonhos, é uma casa fechada, com portas onde não é possível bater, os que insistem não apenas ficam nas mãos de máfias clandestinas, muitos caindo nas valas de Ceuta e Melilla e morrendo em barcos superlotados. Pode lá haver coisa pior que túneis sem saída! A emigração está assim.


quarta-feira, 19 de março de 2014

Ainda, os ciganos e a educação

Algumas certezas todos temos: a educação é nas sociedades modernas o melhor meio para assegurar a inserção social das minorias, no seu acesso a direitos e a oportunidades iguais; a situação específica dos ciganos traz-lhes desvantagens tanto no acesso como na frequência escolar, por discriminação, insegurança, preconceito, não reconhecimento da língua, falta de assiduidade, níveis elevados de abandono, insucesso  e pouca valorização familiar da escola..
No entanto, já se fez muito caminho, já se deram passos concretos de apoio e de diferenciação positiva a estas comunidades. 
Uma das últimas coisas que fiz  profissionalmente, na DGIDC, em  2007, foi a participação no projecto "Lançar pontes, falar de nós" que teve como objectivo conhecer boas práticas, partilhar e debater experiências bem sucedidas, de modo a construir respostas integradas sobre a inclusão e o sucesso escolar dos alunos pertencentes à minoria cigana. 


terça-feira, 18 de março de 2014

As praxes e a liberdade individual

O argumento mais forte que tem sido: a pessoa, num acto de liberdade, decide ser praxada, podia ter dito que não queria e não disse; a pessoa num acto de liberdade decide praxar, integrar uma organização, submeter-se a um código, cumprir ordens de um “ditador”, andar com sapatos rotos até ao indescritível, remendados com fita adesiva preta (a cena dos sapatos que uma jovem da Lusófona mostrou na televisão, e a justificação dada para esta e outras coisas: “são parte de mim, da minha história…”, mostra, à evidência, não apenas o absurdo, mas também a perigosidade do que aqui está em causa). Que valores são estes? Em nome de quê?
Também, o reitor dessa universidade usou o argumento da liberdade: “vamos lá proibir! É lá isso possível! A liberdade é um valor intocável, no tempo do fascismo e das ditaduras é que se proibia a expressão da liberdade…”
Então, em nenhum momento, cai o argumento da liberdade individual? Não cai, quando estes jovens estão submetidos à mais pura das hierarquias? Não cai, quando se expõem fragilidades, lavam mentes, exploram sentimentos, humilham pessoas, violam direitos…?
Claro que cai, claro que se violam direitos. Aliás, a praxe é em si mesma a violação de uma liberdade. Ao colocar-se o praxado numa situação de absoluta incapacidade de fazer ou de dizer o quer que seja, a não ser o que o lhe é exigido, quebra-se a reciprocidade eu-tu, há, desde o início, uma liberdade anulada, por isso, a humilhação pode estar a uma curta distância, não apenas nas praxes violentas, mas nas coisas mais inócuas, do ponto de vista dos danos físicos.
Relacionado com isto, discute-se a dificuldade em saber onde está a fronteira entre o aceitável e o não aceitável, pois o que para uns é humilhante e susceptível de ferir a sua dignidade, para outros é uma brincadeira, e portanto ninguém está em condições de determinar o que é ou não uma prática indigna.
Isto é certo. Ninguém pode falar sobre a dignidade de ninguém, por ser um valor intrínseco à própria pessoa, mas cada um sabe onde está o limite que, uma vez ultrapassado, deixa marcas, no mais profundo de si; portanto, ninguém pode pôr em causa a sua dignidade ou deixar que outros a ponham.
Acabamos de assistir a isto: pensaram (podiam) os jovens que morreram no Meco recusar-se a ir à praia nessa noite de temporal no mar? O que os impossibilitava de tomar uma atitude? Por que perderam a autonomia, por que perderam a vontade própria? É por isso que as praxes são uma indignidade e não apenas nas situações limite, como esta; são-no sempre, porque se trata de algo que é da sua própria natureza.  


Ucrânia, mais do que uma crise

Ucrânia, mais do que uma crise

Ainda não consegui escrever nada sobre a Ucrânia e aquela praça da independência, onde muitos morreram às ordens do ditador (mais de cem pessoas), outros ficaram feridos e outros vagueiam perdidos de si mesmos, incrédulos com o que se passou e se avizinha. Praça, onde, ainda assim, há qualquer coisa de profundamente humano: a proximidade com o outro. O médico que chega para tratar quem precisa, a psicóloga que montou um lugar de consulta para ouvir quem já não aguenta o desespero, enfim, um sem número de pessoas solidárias, disponíveis, para tornar menos dura uma realidade de situações extremas.
Mas, depois, vêm falar-nos de política e, logo, parece que a tal humanidade falha num qualquer ponto, agora, o atender o outro, o dar a mão, o abrir a porta, o dividir o abrigo… parecem uma quase impossibilidade; interesses particulares se impõem, há diferentes grupos e diferentes agendas, que vão da extrema-direita, a partidos democráticos, a grupos mais desorganizados. Um caldo político que não augura saídas fáceis, ainda que as instituições continuem aparentemente a funcionar, sem quebras institucionais nem legais (há quem diga que houve quebras); há um governo de transição que fará o que puder para que a eleições, já marcadas para maio, tragam uma nova luz e uma nova esperança.
Enquanto isto, que já era muito, a Rússia, que não reconhece as novas autoridades de Kiev, avança para a Crimeia, com um desplante e uma força, que o mundo pasma. Mas desta vez, parece que todos estavam acordados, Estados Unidos, União Europeia, ONU…, e a Rússia saberá que vai pagar pela violação do direito internacional e pelos desmandos desnecessários e incompreensíveis.
Uma vez mais se prova que nunca estamos a salvo, quando pensávamos que crises desta natureza se resolveriam sentados a uma mesa, o que primeiro se exibe são os tanques militares.


A menina cigana, casada aos onze anos

Uma menina de onze anos, duma comunidade cigana da região de Aveiro, foi dada em casamento a um rapaz da mesma comunidade. O caso não é único, mas, neste, as autoridades intervieram, os pais e os sogros foram levados à justiça.
Muitas vezes, as autoridades assistem sem fazer nada. O ir à escola é uma obrigação, com onze anos, aquela criança deve estar na escola e deve ter tempo para brincar. 
Os pais têm deveres e as crianças têm direitos, independentemente da etnia, cultura, local de nascimento, situação social…
Estas famílias são cidadãos portugueses, têm direitos e apoios sociais – escola, saúde, segurança social… - têm por isso de viver com os outros, socialmente, cumprindo as leis fundamentais do país.


domingo, 26 de janeiro de 2014

As praxes académicas, uma indignidade

Espero que a comunicação social continue a destapar o véu, todos os véus. O que se passa com as praxes é inaceitável e ponto, nem precisaríamos argumentar, dada a desconsideração, o desrespeito, que vai até à humilhação - em que há uma completa anulação do eu, a vítima é colocada numa posição  em que nada pode fazer, senão sujeitar-se - e à morte como pode te acontecido no Meco com os jovens da Lusófona. Ora, isto é inumano, simplesmente.

Um não regresso a casa

Ia sem saber bem o que procurar, talvez a casa, a casa dos pais. Estaria ainda de pé, passados quase quarenta anos, estaria a acácia vermelha florida e os canteiros no pátio...? E as pessoas, reencontrará alguém conhecido?
Pensava nisto, enquanto evitava um remoinho interior, que se transformou num quase mal estar. Sabia bem que nunca se regressa ao mesmo lugar, duas vezes, nunca se regressa ao ambiente que se deixa atrás, e neste caso por muitas razões. Talvez, tudo seja estranho, talvez ninguém o reconheça e talvez não reconheça ninguém. Estrangeiro na sua terra que agora talvez já não possa chamar sua. 
Desce do carro, afasta-se da estrada principal, entra na cidade, dirige-se ao sitio onde viveu anos a fio com os pais, os irmãos, os tios e os primos, reconhece as casas, a sua casa, está habitada, quem a habitará, ainda haverá lá dentro algo que possa reconhecer?
Anda mais uns passos abaixo, na direcção das ultimas casas da rua, quando vê alguém familiar, muito familiar, que caminha na sua direcção, alguém que reconhece imediatamente, permanecem frente a frente, olham-se, abraçam-se:
- “Es o Zé”
Ouve de volta: 
-“És o João”
Emocionam-se. 
-Não chores! Éramos tão amigos...
- Não, somos amigos. A tua casa foi dada a gente de fora, a pessoas que vieram do norte. Não são daqui. Queres vê-la, talvez possas?
- Não sei se quero, vim sem um plano, à espera do que encontrasse, e encontrei-te, já valeu a pena.
Continuam a conversa, que os leva longe, muito longe, a um tempo, ainda não perdido, porque muitos o recordam, mas necessariamente distante, a um tempo de muitos matizes e lados, de muitos enganos e tropeções. 
Não teve coragem de bater à sua porta, de falar com o novo dono, de dizer-lhe sem mágoa: esta casa faz parte de mim, faz parte da minha família...
Regressa a Maputo,  aliviado por não ter desfeito o encanto que a sua memória guarda de um tempo feliz e também  por ter sentido o valor da amizade. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Corrupção e ganância, triste natureza humana

A notícia de ontem de que uma parte dos deputados e governantes chineses são corruptos, acumulando  uma riqueza incomensurável, em paraísos fiscais, é mais do mesmo. Quantas vezes já ouvimos e soubemos disto (em muitos países africanos mas mão só). É a corrupção mais desenvergonhada. É a triste natureza humana!
somos assim. Mas nem todos somos. Não haverá maneira de sair disto? Obviamente que há, com democracia, Estados de direito, respeito absoluto pela igualdade de todos os seres humanos.


África do Sul, ainda a propósito de Mandela

Não sei já onde ouvi ou li que as comunidades de negros, brancos, diferentes grupos etnicos…, num estudo realizado – portanto, não se trata de uma perceção simples, mas de algo fundamentado – vivem sem interagir entre elas. Ou seja, estamos muito longe de uma comunidade de partilha e de vivência intercultural, apesar das instituições, das leis democráticas, da igualdade cívica, etc. Estamos muito longe de uma sociedade arco iris como simboliza a bandeira sul-africana e preconizava Mandela.
Por quê? Talvez, porque há no humano algo de muito mais fundamental e decisivo, para as suas vidas, da ordem do sentir mais profundo, de uma identidade outra, que as leis não fixam mas que não podemos ignorar se queremos verdadeiramente construir interação cultural e comunidade na diversidade.



terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A questão cultural, decisiva no mundo de hoje

Talvez, uma das maiores evidências, no campo da cidadania, seja a multiplicidade de referências que povoa as sociedades contemporâneas. Portanto, é uma questão que a escola tem inevitavelmente de considerar, naquilo que é a formação moral e cívica das crianças e dos jovens. 
Há em muitas escolas mais de uma dezena de nacionalidades e de diferentes grupos culturais, com uma diversidade de línguas, de costumes, de modos de viver…. Obviamente que esta realidade não é de hoje, e talvez fosse maior antes da crise, quando chegavam até nós muitos emigrantes. 
Não restam quaisquer dúvidas de que a questão cultural é uma das mais decisivas, no mundo aberto e global, mesmo que muitos nasçam e morram sem sair do mesmo sitio. O paradigma virtual e a tecnologia, que chegam às zonas mais recônditas da terra, como bem mostram as redes sociais, estão a criar uma humanidade outra, seja isso o que for.
Só existe, só conta, o que está na rede. Acabamos a falar, a contar a nossa vida, a centenas ou a milhares de pessoas, mas não cumprimentamos o vizinho que desce connosco no elevador. Estamos, assim. Mas, estamos todos? Não, obviamente que não. De resto, mesmo os “ligados” sabem que a proximidade relacional não está na rede.
Ainda assim, a abertura social não se faz por decreto, faz-se por vontade dos indivíduos: o outro interessa-me; o seu destino não me é indiferente. Não quero que o outro me abra a porta, sou eu quem tomo a iniciativa de o convidar a entrar; é quebrar a reciprocidade, o esperar sempre algo em troca, que pode criar plataformas de diálogo,