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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Maldade humana

Ninguém está a salvo. Somos todos carrascos e vítimas, exploradores e explorados, fundamentalistas e tolerantes... Todos, a não ser que escolhamos não o ser. Por que não o fazemos?

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

As jovens iazidis, prémio Sakharov

As jovens testemunham horrores. Falam de si e de todas as outras meninas raptadas, escravizadas, violadas, traficadas…, pelos homens do Daesh. Ainda assim, o que é mais perturbador é o que não conseguem dizer. Adivinhamos em cada um delas um tormento interior, um mal que parece infinito, que calam e calarão por impossibilidade de encontrar palavras para o poderem descrever. Roubaram-lhes muito, mas não lhes roubaram a alma. Estão de pé, têm sonhos e vidas por viver.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Mais palmas para António Guterres

Já o disse aqui: acredito absolutamente neste homem. Pelo que é, pelo que sempre foi, pelo que se propõe ser: um homem de bem. Capaz de viver sem aplausos, sem luzes, sem ribaltas, mesmo que todas as luzes e todas as atenções se virem para ele. Guterres não vai dececionar, porque temos a certeza de que vai fazer tudo o que for possível para que os objetivos que enunciou: paz e segurança, desenvolvimento sustentado e reforma das instituições da ONU, vão cumprir-se, se tiver condições e são muitos os entraves, os interesses e os jogos.  

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Identidades

Não chega dizer: pertencemos todos à humanidade, temos uma razão e uma liberdade que ninguém pode pôr em causa; não chega dizer: “tu tens direitos, és um ser de direitos”, importa olhar o individuo na sua situação. Somos seres situados, há contextos que se tornam determinantes.
O que define o humano é muito mais a experiência religiosa, a pertença a uma cultura, a um povo, a um grupo. Não reconhecer isto, é cair em impasses ou dar respostas que não são solução para as questões dos refugiados, dos migrantes com que a Europa está confrontada

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A precariedade humana

Bastaria olhar as imagens, hoje, continuamente difundidas, de refugiados, chegando à Europa, por diferentes rotas, para nos darmos conta da violência e da precariedade humanas, para nos darmos conta de como é ténue a linha entre a liberdade e a repressão, entre a solidariedade e o pontapé, entre o acolhimento e a xenofobia..., mesmo em sociedades e países arautos da defesa incondicional dos direitos humanos.
Por isso, a atitude tem de ser de alerta, sabendo que o campo em que se cumpre ou nega a humanidade é muito estrito: é o campo da escolha ética; o campo da responsabilidade individual e coletiva, da autonomia e da justiça, sem interesses particulares, egoísmos ou jogos de poder.




quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Um ideal de vida boa, todos temos ou não?

Julgo que sim e isso é cultural. Na verdade, quando olhamos uma pessoa, por mais estranha e desconhecida que seja, em qualquer lugar da cidade ou do mundo, não vemos, à partida, um potencial agressor, mas, antes, uma pessoa com quem podemos estabelecer comunicação. Pensamos tratar-se de alguém com autonomia, significados de vida boa e valores morais e, por isso, se esboçamos um sorriso, dirigimos uma palavra ou um cumprimento, esperamos receber o mesmo e não que essa pessoa nos vire as costas ou atire pedras. 

terça-feira, 18 de outubro de 2016

O valor das culturas

A perspetiva multicultural assenta a sua argumentação no raciocino: aquilo que os indivíduos são (a sua identidade) é essencialmente cultural. Portanto, pensamos, vemos o mundo, vivemos, a partir de uma cultura. Nenhuma questão se colocaria, se as sociedades não fossem, e cada vez mais, multiculturais. Uma vez que o são, e as especificidades culturais são identitárias, não se pode ignorar o valor das culturas.    

sábado, 15 de outubro de 2016

Bob Dylan, Prémio Nobel da Literatura

Não o conheço bem, mas dizem que foi (é) um autor de causas, que escreveu sobre a paz, os direitos humanos, a justiça, a dignidade humana...; que escreveu letras de canções que são poemas de grande valor literário.
Por tudo isto, que colocou ao serviço, durante décadas, da consciência do mundo, merece o Prémio Nobel da Literatura. 

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Sabedoria, um provérbio

Disse-me, com olhar sério, como se soubesse bem do que falava:
- O diabo é tão cego que se mete na igreja.

(Claro, pode lá haver sítio pior, para o diabo se esconder). Percebi tudo o que me queria dizer. Já abri os olhos.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Haiti, a natureza não dá tréguas

Penso que os demónios se uniram para conspirar contra este povo. Em 2010, foi aquele violento terramoto que levou muitos milhares de pessoas e destruiu praticamente tudo. Agora, o furacão que deixou também um enorme rasto de destruição. Espero que as Nações Unidas cheguem com a ajuda necessária para que aqueles que já começaram a sofrer (e alguns a morrer) de cólera e outras doenças possam salvar as suas vidas.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Palmas para António Guterres

Também eu aclamo Guterres. Fiquei feliz, porque acredito nele, sei que por mais interesses, entraves, linhas tortas, ele tem um caminho e não se vai desviar  dele. Espero que possa fazer reformas, impor ideias, tornar aquela organização capaz de responder atempadamente às crises, às emergências, aos desafios.

sábado, 24 de setembro de 2016

Um poema para a gente anónima que não ficou na história

Poema

Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas?
Nos livros lêem-se os nomes dos reis.
Mas terão os próprios reis carregado com as pedras?
E Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem a reconstruiu continuamente?
Em que casas de Lima, a doirada, moravam os operários?
E na noite em que se acabou a muralha da China,
Para onde voltaram os pedreiros?
Roma, a grande, está cheia de arcos de triunfo,
Por quem foram erguidos?
De quem triunfaram os Césares?
E Bizâncio, a tão cantada, só tinha palácios
para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida, na noite em que foi tragada pelo mar, os senhores, a afogarem-se, gritavam ainda pelos escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias.
Sózinho?
César derrutou os gauleses.
Não teria com ele pelo menos um cozinheiro?
Filipe de Espanha chorou quando a sua armada foi ao fundo.
Então ninguém mais chora?
Frederico II foi vencedor da guerra dos Sete Anos.
Quem mais venceu?
Em cada página uma vitória. Quem fez os banquetes festivos?
Um homem célebre de dez em dez anos.
Quem pagou as despesas?
Tantas histórias,
Tantas perguntas.


(Bertolt Brecht)

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Os meninos de Aleppo

A criança síria, resgatada dos escombros de uma casa em Aleppo, após mais um bombardeamento (já nem sei de quem são as bombas, são tantos a disparar), sentada, quase irreconhecível, paralisada, no banco da ambulância que a levou ao hospital, parece estar a recuperar, enquanto o irmão não resistiu e já morreu.
A tua mudez é ensurdecedora, apela à responsabilidade do mundo. Oiço os teus gritos silenciosos e sinto-me responsável pelo que te está a acontecer, mesmo que pouco possa fazer, mesmo que tenha escrito muitas vezes contra os ditadores, os fundamentalismos, a guerra, a violência…; sinto que o que te aconteceu me diz respeito.
O pior ainda é que quase já ninguém se sente responsável; o pior é que as imagens de crianças denunciando e clamando pela consciência do mundo começam a ser tão banais que temo se tornem irrelevantes. Jantamos, conversamos, desligamos a televisão… e seguimos as nossas vidas como se os meninos de Aleppo e todos os outros meninos, vítimas de tantos abusos, fossem apenas imaginação.



segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O uso do burquini

Sou contra. Poderia aduzir razões (muitas, até) mas de nada serviria, quando se trata de lidar com extremos. Não posso dizer que não seja sensível à justificação cultural, mas a mesma é válida para quem quer andar de monoquini ou sem nada, mesmo. Não poderia haver uma maneira de pensar um meio termo, saber o que uns e outros poderíamos reciprocamente aceitar, em sociedades em que temos de viver juntos? Não haverá maneira de encontrar pontos de cedência, sem que tudo desmorone, sem que qualquer espécie de diálogo se torne possível?

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Tagore, aforismos (2)

Disse o poder ao mundo:
                                                      -És meu!
                                                      E o mundo fê-lo prisioneiro no seu trono.
                                                   
                                                      O amor disse ao mundo:
                                                      - Sou teu!
                                                      E o mundo deixou-lhe livre toda a casa.


(Aí está, nada aprisiona mais do que o poder, mesmo que os poderosos vivam na ilusão do contrário. Só o amor liberta, porque nada exige).

domingo, 14 de agosto de 2016

Tagore: aforismos (1)

                                               
                                               Se de noite chorares pelo sol, 
                                                não verá as estrelas.


Chorar pelo que não podemos ter, só nos impede de desfrutar do que temos.

(Coração da Primavera, p. 103)

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Tagore, poeta indiano

Estou a reler uns textos de Tagore: ás vezes entendo tudo, ás vezes não entendo nada, ás vezes fico  a pensar, a questionar-me, porque me atrapalha esta racionalidade? Porque não me deixo levar por um misticismo que tudo toca?
Não sei, quero sempre razões, explicações, causas e efeitos, quero sempre compreender, mas sinto que alguma coisa se afasta de mim.

sábado, 25 de junho de 2016

Pessoas e sentimentos

Queria tanto escrever de forma simples, sobre  coisas importantes, mas não sou capaz. Vivo enredada  em conceitos, teorias..., que servem para muito pouco, porque nada é mais importante que a vida concreta de pessoas concretas, que riem, choram, amam, desprezam, sentem raiva, compaixão...; pessoas reais, afinal de contas.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Refugiados/deslocados: uma história (2)

- Não preciso de água, o sol magoa-me, preciso de chão, de terra, que a minha raiz seja colocada a uma profundidade boa, para poder crescer direitinha e forte. Sem chão não vou poder resistir ao burburinho do vento, mesmo que seja fraco, não resistirei à chuva, mesmo que seja pouco forte - queixava-se a flor. 
Há tantos perigos que espreitam quando as raízes são fracas e não temos os apoios que precisamos para nos sentirmos confortáveis na terra. Preciso de uma raiz presa à terra e de uma estaca que me ajude a segurar em pé.
 A menina replantou a planta, fez um buraco mais fundo, colocou a raiz completamente dentro da terra, alisou-a, fez uma pequena poça que encheu de água e colocou-lhe, junto ao caule, uma estaca, como uma muleta, para que a flor não caísse e se partisse, com o vento ou algum encontrão.
Ficou à espera que ela reagisse àquela operação, sim, que replantar uma planta é uma coisa difícil e que precisa de cuidados para ser bem sucedida. A flor precisava de força para se agarrar com sucesso à vida e à terra do canteiro. 
Passou tempo. A flor sobreviveu. Caíram-lhe as folhas, o fruto nesse ano não amadureceu, mas ela agarrou-se à terra do canteiro, do seu canteiro, agora sentia que aquela terra também era sua. As raízes estão fortes, sente-se bem, está como se aí tivesse nascido.

Na próxima Primavera, renascerá, terá folhas, flores e frutos. Presa à terra, está presa à vida; ter um chão é sentir que nada de mal lhe pode acontecer e se acontecer terá raízes para se defender. Já não acorda com dores de coluna, de cabeça e de abraços, já não precisa de muletas nem de cuidados especiais, é igual às outras flores, precisa dos mesmos cuidados. 

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Refugiados/deslocados: uma história

 

 T      A flor murchava cada vez mais. Estava doente, há muito tempo, mas a doença tinha-se agravado, nas últimas semanas. O que se passaria com a flor? Fora plantada e regada, tinha sol, cuidados, mas não crescia como as outras flores suas vizinhas que tinham sido semeadas naquele canteiro. Talvez seja por ter sido trazida de outra terra e plantada, nasceu noutro lugar, num bonito vaso e aí era feliz, até ser arrancada com força e trazida para aqui. Ainda não se adaptou ao lugar e sofre de fraqueza até se habituar à terra. Precisa de mais atenção, de mais apoio, de mais água…,para que a sua raiz se agarre à terra, como se fosse sua, como se aí estivesse desde sempre, ai tivesse nascido, e sentisse que aquela terra lhe pertencia, também. 

     Talvez a plantação não tivesse sido feita com o cuidado necessário, talvez a raiz tivesse ficado muito à superfície e não pudesse alimentar-se como deve ser, talvez não seja nada disto e nem ela saiba bem porque se sente assim. Estava doente, sabia-se, porque não crescia como as outras e murchava, até que um dia começou a inclinar-se e a queixar-se de dores no corpo, queixava-se da coluna, dos braços e dos pés,  inclinando-se cada dia mais um pouco até que parte da raiz ficou ao ar e começou a secar. Era o fim, se não a ajudassem a sobreviver.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Palmas para a deputada britânica morta há dois dias

Mataram uma deputada trabalhista, por ódio, simplesmente. Mataram-na  a frio e com a crueldade de que são capazes todos os radicalismos, sejam religiosos, ideológicos, políticos... Matam, porque não aguentam  quem os olha nos olhos e tem a coragem de agir. Ela agia, denunciava, propunha...

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Fundamentalismo islâmico: o inferno era ali (3)

Queria eu ter um ponto mínimo que me permitisse compreender. Não encontrava, e isso era o mais terrível, o mais doloroso. Tudo ruía dentro de mim. Tudo. A minha vida, as minhas crenças, o meu passado, o meu presente e, pior, ainda, o meu futuro. Sairia alguma vez dali? Não sabia. Mas, tal como todos os outros, imaginava essa possibilidade. Precisava, para sobreviver, de acreditar que o pesadelo teria um fim.

- O povo, todo o povo, estará com os Taliban? – interrogava-me, milhares e milhares de vezes. Não estava, mas não havia possibilidades de rebelião, a opressão era tal e assumia tais formas que era impossível, bastava uma fatha e tudo se desmoronava, aumentava a violência, o medo, a desconfiança. Seria possível mudar? Seria possível uma coisa diferente? Voltariam as mulheres a fazer parte da sociedade, a ter direitos, a passear com os filhos? Voltariam a existir jardins, espaços de convívio e de educação públicos, bibliotecas, escolas, torneios de futebol, voltaríamos a ouvir música a sentir a emoção de assistir a um filme?
E os homens? Os homens, muitos deles, são igualmente vítimas.

O uso da Burka é, em primeiro lugar, uma questão religiosa, um preceito religioso, mas é igualmente uma questão social. Mas apesar de tudo o mais violento e inaceitável era a obrigação de usá-la, 

terça-feira, 7 de junho de 2016

Fundamentalismo islâmico: o inferno era aí (2)

Se ficam viúvas ou são mães solteiras, renegadas pelos parentes, ficam completamente desesperadas. O abandono e a fragilidade são completos. Uma tragédia sem limites as devora por dentro, as perturba, as leva ao limite da sua capacidade de sofrimento mental. Psicologicamente afectadas, como podem continuar a pensar, a cuidar-se e a tratar dos filhos? Infinitamente sós vagueiam, pedindo esmola, prostituindo-se, sendo usadas e abusadas por homens que as tratam sem pingo de humanidade e as condenam à valeta.
O pior é que o fazem em nome de uma religião, dum fundamentalismo religioso, que não deixa qualquer espaço para a denúncia, o confronto ou a fuga. Só alguns podem. Muitas vezes me interrogava: 
- Como podemos continuar caladas? Como podemos continuar passivas? Como poderemos contar aos nossos filhos o que nos está a acontecer?
Mas a resposta às minhas perguntas era óbvia. Como podíamos resistir de estômago e mãos vazias? Como podíamos, sem nada, lutar contra homens alucinados, dependentes do cheiro a pólvora, armados e sem outra linguagem que não fosse a da violência. Aqui a vida não tem o mesmo sentido. Não pode ter, senão como explicar isso?


segunda-feira, 6 de junho de 2016

Fundamentalismo islâmico: o inferno era ali (1)

(Quis escrever, mais uma vez, sobre os refugiados do estado islâmico, mas vieram-me à lembrança imagens de outros ou do mesmo inferno. Este fundamentalismo não começou hoje, vem de longe e de perto, vem de sempre).

Abrir a janela, sair à rua, eram coisas impossíveis. A guerra, a contínua e destruidora guerra, levava os homens para a guerrilha, deixando desamparadas muitas mulheres e crianças. Mulheres e crianças muitas vezes vítimas e várias vezes fechadas. Restava-lhes sonhar que um dia seria possível atravessar as altas montanhas, atingir o lado de lá da fronteira e entrar no Paquistão, onde poderiam, pelo menos, ter a esperança de ver diminuída a insegurança e o medo. Como se fosse possível, aí, aliviar o inferno! 
Mil vezes, perguntei a mim própria como era possível ter chegado ali. Viver como se tudo tivesse ruído, a sociedade recuado cem anos, todos os direitos perdidos, toda a dignidade em causa e toda a capacidade de seguir vivendo normalmente aniquilada. Viver em subterrâneos, educar as crianças clandestinamente, correr, a toda a hora, sérios riscos de vida, era o dia a dia de milhões de pessoas. Fecharam as escolas, reduziram a vida e a condição das mulheres a uma situação humilhante.
Há trinta anos, setenta por cento dos professores eram mulheres. Trabalhavam, saíam de casa, havia uma normalidade de vida, embora muito determinada pela cultura e as tradições. Isso tinha deixado de existir.
Nada, agora, era normal. A severidade e a demência dos taliban deitavam por terra qualquer tipo de lógica, qualquer tipo de sentimento, como se os mais elementares traços de humanidade que cada um de nós transporta não pudessem existir. Começamos por nos esquecer de rir, de falar, de amar, de ser solidário, com a nossa sanidade mental,continuamente posta à prova, numa luta diária, para não deixar de ser gente. Manter alguma dignidade e alguma decência exigiam a capacidade de continuar. Resistir era o mais importante.


sábado, 14 de maio de 2016

Refugiados, continua o desespero

Os  refugiados continuam a fugir, a arriscar a vida e a morrer. Pode lá haver pior coisa que este impasse que leva a que se multipliquem as tragédias, se adiem as soluções e se aumente a desesperança. Pode lá haver pior coisa que esta incapacidade da Europa e do resto do mundo de lidarem eficazmente com os refugiados. 


quarta-feira, 11 de maio de 2016

Identidade cultural

“Brasil é meu chão, minhas raízes, meu respirar…” – diz o músico brasileiro, num encontro intercultural, depois de mais de vinte anos a viver em Lisboa. “Todos os dias vou à minha casa, à minha cidade, à minha rua…”, continuou.
Fico a pensar: que sentimento é este que mesmo separado por oceanos, montanhas e países, permanece intacto? Que sentimento é este que leva o senhor a emocionar-se e a emocionar muitos naquela sala?   

 Se calhar todos sabemos do que se trata! 

segunda-feira, 9 de maio de 2016

O meu filho, diz-me o senhor

O filho ocupa toda a vida deste homem, mais de oitenta anos: “não consegui enviar um email para o meu filho, mas à noite telefono-lhe”. É assim, invariavelmente. Todos os dias vai aquela biblioteca utilizar o computador para se comunicar com o filho. Todos os dias e a todas as horas fala do filho. Às vezes conta histórias e situações que deixam perceber que o filho é ainda um menino, mas isso não pode ser, porque me diz que trabalha em Luanda.
Fico confusa, mas nada pergunto. Até que um dia me mostrou uma fotografia, ele, o filho e um casal amigo, em Nova Iorque, o rapaz com dezasseis anos, na altura em que caíram as Torres, 2001. O filho terá então trinta e um anos, mas para o pai, a idade está lá atrás, quando o levava pela mão e lhe perguntavam se era neto, quando viajava pela América, com ele adolescente, quando a ausência não existia, pelo menos desta forma.



sexta-feira, 6 de maio de 2016

Por que falham as instituições?

Não sei se a mãe que matou as filhas, dezanove meses e quatro anos, atirando-as ao mar, é ou não uma doente psiquiátrica. Não sei se ela queria ou não suicidar-se a seguir, acredito que sim, que é uma doente e que pretendia morrer com as filhas que acabava de matar. Mas não morreu, foi salva.

Não se pode entender de outro modo o que se passou; só admitindo que não tinha consciência do que fazia, podemos lidar com a ideia de que não se trata de um monstro, mas de alguém a quem a má sorte ou o que seja colocou numa situação em que ninguém pôde ajudar, falo das famílias, das instituições de apoio à vítima, dos hospitais, das Comissões de Proteção de Menores, de todos os lados onde bateu à porta e não viram a gravidade da situação.

Obviamente que não sabemos toda a verdade sobre o que se passou. Não sabemos se o pai é ou não agressor, se o pai é ou não também uma vítima do estado mental da senhora. O que sabemos é que a morte das duas meninas não era inevitável, não sofriam de doença terminal, não sofreram um acidente, foram mortas pela mãe, numa escalada de desespero e talvez doença que ninguém avaliou suficientemente. Esperamos que as instituições respondam, mas o que se vê, infelizmente, vezes repetidas,  é a incapacidade de lidar com estes casos, perdidas que estão em relatórios, burocracias e formalismos.





quinta-feira, 3 de março de 2016

O outro


Um ser humano só deve olhar outro ser humano de cima para baixo se for para o ajudar a levantar.
                                                        Gandhi

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Os precários coletes salva vidas

A tragédia dos refugiados tem uma dimensão que assusta, não apenas pelos números, mas pela ganância e pela insensibilidade de tantos que fazem toda a espécie de negócio. Por aqueles que, aproveitando-se da fragilidade de quem não tem nada a perder, troca a fome, a doença e a morte debaixo dos intermináveis bombardeamentos, para se lançar ao mar, na mão de traficantes sem escrúpulos, enriquecendo com a miséria humana.
Mas, todos os dias descobrimos um pouco mais, agora é a falta de segurança dos coletes salva vidas, fabricados em fábricas turcas (sempre que há mercado, aparece o negócio); são de tal modo mal feios que passado uma hora no mar se desfazem e as pessoas afundam; levar um salva vidas daqueles, em caso de naufrágio,é quase o mesmo que nada.
É uma jornalista habitante da ilha de Lesbos que faz a denúncia, é uma jornalista que todos os dias, talvez por força do seu trabalho, vai até ao local dos desembarques, a mesma que ainda não se habituou ao que acontece com estes refugiados e continua a narrar o que vê com sentimentos. Enquanto isso, outros dos habitantes como que se anestesiaram para poderem sobreviver, é como se não vissem o que vêem, é como se não assistissem ao que assistem. Já não olham, já não querem ou não podem ver (faz lembrar os campos de concentração nazis, pessoas que habitavam a poucos quilómetros declaravam, “não sabia que se passava isto, nunca vi, não tinha ideia…”Que mecanismo mental é este?” Não sei dizer.).