Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ciganos (3)

Às vezes pergunto-me: será possível que alguém imagine possível um país, uma Europa, "puro", asséptico, homogéneo? Ninguém imagina. Aliás, o discurso político corrente é o de louvar a diversidade, a integração..., mas lá vem a prática mostrar o contrário, mesmo que as expulsões ocorram debaixo de um pano de legalidade: são expulsos por estarem ilegais no país.
A política tem de ser capaz de criar condições para resolver os problemas sociais, tomar medidas legislativas e outras para que os ciganos, sejam romenos, búlgaros ou de outra nacionalidade, tenham um chão, uma casa, um emprego, preservando o essencial da própria cultura. Temo que este tema ainda vá dar muito que falar. Bruxelas já se fez ouvir, Paris retorquiu, e os ciganos continuam a ser expulsos de França, Itália e sabe-se mais de onde no futuro.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A educação para os direitos humanos

A educação para os direitos humanos, ao fundar-se no reconhecimento e na protecção dos valores da pessoa humana, antes de outras crenças ou ideologias, justifica a sua profundidade, abrangência, importância e necessidade.
- Profundidade, porque se estabelece como um sistema de valores universais, em referência aos quais as pessoas e os Estados sabem como podem (e devem) pautar e avaliar as suas acções. Nesta medida, os direitos humanos são regras para o viver em comum, à escala mundial, capazes de transformar o futuro da humanidade.
- Abrangência, porque engloba a educação cívica, a educação para a igualdade, para a diversidade, para a tolerância, para a paz, para o desenvolvimento sustentado, etc. – domínios em que os valores humanos estão necessariamente presentes.
- Importância, porque os cidadãos com consciência dos seus direitos sabem quem os deve garantir e o que devem fazer para que isso aconteça. Esta aprendizagem não pode deixar de ser considerada, pelo menos, tão importante como qualquer outra.
- Necessidade, porque não é fácil, quando assistimos, diariamente, a contínuas discriminações, intolerâncias e injustiças, aceitar a igualdade em “dignidade e direitos”, de todos os seres humanos. Fácil, é a descrença e a fuga para o individualismo.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Vida, frágil equilíbrio

Há muito tempo que não a via. Combinámos um café, numa quinta-feira, às três da tarde. "Não estou bem, disse-me. Vivo sempre enfronhada no interior de mim mesma como se não fosse possível abrir janelas e deixar entrar a luz do quotidiano, embora seja rotina, decadência e repetição. Questiono-me, até ao âmago, sobre questões absolutamente supérfluas e embrenhadas que não servem para nada, nada mesmo, e me trazem, em vez de serenidade, agitação, angústia e, às vezes, até raiva, raiva de um mundo que cada vez mais de se separa do essencial.
Por que não fico parada, ausente, ouvindo uma música, contemplando um quadro, lendo um livro, deixando-me levar pelos sentidos, criando sentimentos, explorando emoções, sem necessidade de qualquer justificação, de qualquer organização racional, entregue ao sentir, ao que invade e toca a minha sensibilidade? Por que vivo sempre procurando formas, enquadramentos, limites, dimensões? Não lido bem com a desproporção, o sem limite, o não controlável, sempre estou criando balizas, tapando frestas, evitando pontos de fuga, rupturas".

Enquanto a oiço, penso: viver é tarefa para equilibristas, para equilibrar o caos e a ordem, o amor e o ódio, os deuses e os demónios, o ter e o perder, o riso e o choro...; viver é fragilidade e permanente contingência.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A vida no campo de refugiados

A noite cai sobre o campo. Será uma noite igual a tantas outras, a uma infinidade de noites, num tempo e num inferno que parecem não acabar nunca. Os perigos espreitam lá fora, mesmo se falamos dos soldados que fazem a ronda, é que muitos usam uma farda e ao mesmo tempo cometem crimes, abusando de jovens crianças, recrutando meninos para tráfico, roubando parcos haveres. A vida, que não é vida, decorre no limite do possível, fora do imaginável. É o inferno, presente em toda a sua extensão. Amanhã, e quantas manhãs ainda, será mais um dia igual a todos os outros, um dia de sobrevivência.

sábado, 11 de setembro de 2010

A violência de sempre

Hoje, à nossa memória, retornam imagens de medo, terror, desconcerto, impossibilidade...
A violência é tão velha como o homem, mesmo a violência organizada. "Esta bala é antiga", diz Jorge Luís Borges, no texto In memoriam de J. F. K., do livro "O Fazedor". É isso, mesmo que mude o material com que ela é construída. É a mesma maldade, a mesma vingança, a mesma prepotência, o mesmo egoísmo. Temos aprendido tão pouco!

(Releio continuamente Borges, ou melhor, leio-o infinitamente. Pudera eu compreender tudo o que dito, e não dito, numa página de Borges)!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fanatismo é fanatismo, venha de onde vier

O pastor evangélico que ameaçava queimar duzentos livros do Islão retrocedeu, depois de ter feito tremer as mais altas instâncias e de ter feito um alarido global. Ficámos a saber a vulnerabilidade em que estamos, pessoas e Estados.
Independentemente de que lado venha, o fanatismo é sempre uma radicalidade que não deixa espaço a outros campos, a outras margens, a outros olhares. Redutor, portanto. Nenhuma realidade é a preto e branco, a complexidade apoderou-se do mais mínimo dos nossos actos. É assim. Viver nas sociedades de hoje é ter de conviver com múltiplas e múltiplas oposições. O caso da religião só ganha a dimensão que ganha pelo que tem de decisivo, de constitutivo, de horizonte, na vida de muitos. Abrange tudo, acrescentando ainda elementos da ordem da paixão que não deixam ver claro.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Debaixo do chão

Os mineiros soterrados no Chile cumprem uma rotina de sobrevivência. O mínimo, para manter a sanidade possível. Quando há medo, desesperação, presente e futuro incertos, toda a liberdade e toda a resistência humanas parecem sucumbir ou diluir-se. Podem vir à tona, sentimentos menos dignos e inevitáveis conflitos. Ter consciência de que é assim, pode ajudar a evitar esses momentos, indesejáveis, obviamente, mas possíveis.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Os ciganos (2)

Era uma vez uma jovem de olhos negros, com uma longa cabeleira preta, que passeava pelo bosque, junto à aldeia onde vivia, quando encontrou o príncipe daquele reino. Olharam-se, e ele ficou enamorado da sua beleza e da forma como corria descalça e livre pelas margens do rio. Desde então, passou a ir muitas vezes à aldeia da jovem, com a intenção de a namorar.
As famílias não achavam bem o casamento, por serem pessoas muito diferentes. Naquela aldeia, não era costume casar com pessoas de fora, davam muita importância à família: se alguém fazia um bom negócio, era como se todos fizessem; se alguém tinha uma grande alegria, todos tinham; se alguém ficava doente, todos corriam a dar-lhe carinho; se alguém cometia um delito, toda a família se sentia envergonhada. Nunca abandonavam as crianças nem os velhos. Em todas as famílias, o homem mais velho – a quem chamavam o patriarca – era muito respeitado, representava a família no Conselho da Aldeia, dava conselhos e procurava que todas as tradições se cumprissem.
O Conselho do Reino e também o Conselho da Aldeia reuniram-se para discutir o namoro de um príncipe com uma aldeã. Depois de ultrapassados os problemas, começou a preparar-se o casamento. Uns dias antes, como era costume do seu povo, a jovem fugiu com o noivo para o palácio. Foi bem recebida, apreciavam a sua música, as suas danças e as suas capacidades para adivinhar o futuro. Mas, mesmo assim, começou a sentir-se infeliz, não se sentia livre. Não questionava a autoridade do marido, mas custava-lhe cumprir todas as regras do palácio, as horas de comida, as horas de saída, os sapatos sempre a apertar-lhe os pés, tudo previamente fixado…
Decidiu, então, que não iria mais casar-se. Pediu perdão à família e ao povo por não ter pensado bem nas consequências do seu casamento com o príncipe. O seu povo aceitou, mas não podia mais ficar naquele reino, a renúncia ao casamento era uma ofensa que não podiam suportar, esse povo nunca quebrava os seus compromissos. Arrumaram as suas coisas e, à hora em que se devia celebrar a boda, iniciaram uma longa viagem, sem fim e sem destino, que ainda hoje dura. Dizem que, lá pelo século XII, um monge os encontrou nos Montes Athos, no norte da Grécia, talvez vindos da Ásia Menor, mas a partir do século XV há relatos da sua presença em vários países da Europa. Também chegaram a Portugal, dizem que são entre 40 a 50 mil.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Mineiros chilenos, lá no fundo da terra

Tenho pensado tanto nestes homens, no que lhes está a acontecer, a eles, às suas famílias, aos chilenos, a todos nós, no fundo, mas sem possibilidade de escrever seja o que for. É tal a precaridade, a contingência, a possibilidade de estarem bem e de desmoronarem no minuto seguinte, que todos estamos em suspenso. Viver uma situação desta natureza, é tocar vários limites. Vem-me à memória Jaspers, existencialista, que teorizou sobre as situações limite. Um dia destes, relerei os seus textos, na tentativa de perceber alguma coisa mais...

sábado, 4 de setembro de 2010

Tristes acontecimentos

Ontem, final do julgamento Casa Pia, assistiu-se ao melhor e ao pior do humano, ao rosto e à máscara, à verdade e à mentira, ao riso e ao choro, à complacência e à raiva... E hoje o dia acordou de novo, leve para uns, pesado para outros e seguramente difícil para todos.
E como seguirá a vida (e a consciência) daqueles que só não estiveram ali sentados por prescrição dos crimes ou outras manobras? Tento tantas vezes entender o direito, mas não atinjo. O desfasamento entre o legal e o moral, assusta-me.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sou israelita e palestiniana, estou sentada à mesa

Desde que visitei Israel, há mais de vinte anos, vi (e senti) o que é o viver quotidiano de ambas as comunidades. Impressionante e perigoso. Assisti a cenas que jamais esquecerei: a ostensiva presença militar, as contínuas identificações, os tiros numa das entradas da cidade velha, julgo que na porta de Damasco, a impossibilidade de cumprir todo o roteiro da viagem previsto (lembro-me que não fomos à gruta dos pastores, mesmo em Belém, uma notória tensão impediu uma visita normal).
Eu vivi isto, com maior intensidade, apenas num dos dias da viagem, mas há gerações sucessivas de israelitas e palestinianos que o vivem, há décadas, todos os dias da sua existência, com muitos direitos violados, muitas humilhações, etc., etc. Assim é impossível continuar, todos o sabem.
Percebe-se, por isso, a importância do retomar das negociações para a paz. A imagem de ontem, o 1º ministro israelita, o presidente da autoridade palestiniana e a secretária norte-americana, mostra que a paz é possível. Não sei por que tenho tanta esperança, se a história mostra o contrário? Mas tenho.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Tumultos em Maputo

Percebem-se as revoltas, os descontentamentos, as manifestações..., como não vamos perceber quando, como alguém disse, nenhum móvel do mundo é mais precioso do que uma tigela de arroz. A mais pura das verdades. A interdependência dos direitos é absoluta, necessária, como se vai falar de liberdade, de cidadania, a pessoas de estômago vazio, vivendo em condições miseráveis nos subúrbios da cidade, sobrevivendo com 50 dólares ou menos, mesmo trabalhando oito ou mais horas. Ninguém percebe os desequilíbrios económicos e sociais em que vivem os países em desenvolvimento, rezo todos os dias para que apareça um guru, um prémio Nobel, que diga: é preciso fazer isto e isto e não isto e o outro que têm feito até aqui. Penso tantas vezes: não será possível, em 2010, viver de outro modo, criar condições de vida digna a metade do mundo?