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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Morreu a jovem indiana


Hoje, último dia do ano, queria muito escrever sobre coisas alegres, mas não é possível.
Morreu a jovem indiana, de Nova Deli, num hospital de Singapura, para onde foi transportada depois de violada, por um grupo de homens (seis ou mais). A barbárie, aí, está, com requintes de malvadez, tomando formas de humilhação e de violência extrema, até à morte, como se viu. O mal tem muitas faces, mais ou menos violentas, mais ou menos irracionais, mais ou menos patológicas, mais ou menos perversas… Mas, neste caso, como em tantos outros, parece ter-se ultrapassado tudo.
A violência sobre as mulheres é nesta sociedade uma triste realidade, e, não raro, são absolutas tragédias. Espero que de uma vez por todas as autoridades acordem para o problema e actuem, como devem. Espero que os média internacionais não deixem o caso (não podem deixar), pois só denunciando, levando a tribunal, julgando…, se pode fazer face ao problema da violência de género, presente em todas as culturas, mas, assumindo, em determinados contextos, proporções inacreditáveis.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Síria, mais um massacre

 Parece impossível, mas foi o que aconteceu, foram bombardeados e mortos, pelas tropas governamentais,  enquanto faziam fila à porta de uma padaria para comprar pão. O conflito da Síria é pior que uma guerra aberta, é maldade em estado puro,  planeada, levada aos limites...
Enquanto isso, a comunidade internacional  pouco faz. Será que não é possível uma solução?

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Sonho ou pesadelo, emigração clandestina

Vou colocar-te uma situação: imagina que estavas fechado numa casa, sem alimentos nem meios de sobrevivência. O que farias? Com certeza, que esperavas algum tempo - uns dias, no máximo - por socorro, mas se não conseguisses farias tudo para sair de lá. Partirias as janelas, arrombarias as portas, o que fosse possível e mais fácil, para saíres dessa situação e sobreviveres. Se te perguntassem: - porque fizeste isso? Dirias: - era a única solução.
É o mesmo que se passa com milhões de africanos. “Fechados” num continente, onde nem todos têm alimentos, onde a miséria, a fome, a violência e às vezes a guerra, matam mesmo. Nestas condições, sair daí é a única solução para sobreviver. Por isso, não é de admirar que deixem a sua casa, as suas aldeias, o seu país, pondo em risco a própria vida. São populações em desespero, não têm nada a perder, arriscam tudo para chegar à Europa. O mais fácil (a tal janela) é atravessar o estreito de Gibraltar, de noite, para fugirem à vigilância das autoridades espanholas, em barcos de borracha, sobrelotados, com muitas dezenas a mais do que seria possível levar. São jovens, mulheres (algumas grávidas) e crianças que chegam em condições sub-humanas. Clandestinamente, como se não existissem, fazem tudo para não ser vistos, espalham-se, separam-se, confundem-se. Mas nem todos chegam, muitos morrem, mas que importa nem sequer ficam nas estatísticas – pensarão alguns. Claro que importa, e muito. Os países ricos do Norte têm o dever de fazer alguma coisa. Partirão daqui para outras cidades europeias, não sei se ainda com algum sonho. Eu espero que sim, às vezes parece terem desistido de alguma parte de si mesmos, a gente vê isso no olhar. Parecem ausentes, perdidos, como se não olhassem as ruas, como se não vissem as pessoas ou não sentissem o movimento. Estão aonde? Pensam em quê?

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Revolução de Jasmim, um amanhecer desfeito


Passam dois anos sobre a Revolução de Jasmim ou a Primavera árabe, começada na Tunísia e que se estendeu, depois, a outros países árabes, até aí, blindados à democracia e à livre expressão do seu povo. Foi assim na Líbia, no Egipto, no Iémen…, mas o que parecia uma aurora de liberdade e de bem-estar transformou-se, pouco a pouco, numa desilusão para muitos dos próprios e para o mundo em geral que acreditaram que outro devir fosse possível.
Por quê? Por que é que depois de eleições, aparentemente livres e justas, ganham maiorias islâmicas? Por que é que o Presidente Morsi, da Irmandade Muçulmana, acaba de convocar um referendo para chamar a si poderes para lá do que lhe permite a constituição do país? Por que é que o governo de Damasco continua, depois de tantas e tantas mortes? Por quê? Por quê? Podíamos continuar a questionar esta realidade, mas de pouco serviria, pois não a entendemos.
Há uma tal complexidade, ligada sobretudo ao fundamentalismo religioso (por mais que se apelidem de moderados), em que estado e religião se confundem, que torna impossível qualquer compreensão racional. Não temos categorias, faltam enquadramentos, teorizações (talvez, sejam impossíveis)...
É certo que é um outro estar. E ainda há quem entenda que não há conflito de civilizações. Há, certamente.



segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Dia Mundial dos Direitos Humanos


10  de Dezembro, passa mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Muito caminho feito e muito ainda  por fazer, é o que podemos dizer. Às vezes, descremos, sobretudo,    quando, em tantas ocasiões, assistimos à inoperância das instituições, às burocracias, aos trâmites legais, às dificuldades, quer se trate de aprovar resoluções nas Nações Unidas, quer se trate de fazer chegar ajuda humanitária de emergência a quem precisa. Nessa altura, é impossível não pensarmos se não haverá outro entendimento para os direitos humanos, menos normativo, mais próximo e desinteressado.
Algo escapa, ao sistema jurídico e institucional que conforma os direitos humanos que impede que vivamos, todos, mais como irmãos do que como concidadãos; algo, da ordem da proximidade ética com o outro que a formalidade das leis não fixa. É sobre este algo que a reflexão tem de incidir, sob pena de  deixarmos  que cada vez seja mais difícil responder a tempo e adequadamente. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Paz: ano zero, sempre


Vejo as imagens do Egito, de Israel, da Síria, do Mali...e de tantos e tantos lugares, e o que me apetece é descrer em tudo. Parece que estamos sempre no início, mesmo depois de séculos e séculos de civilização. 
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que assenta a sua justificação no primado da razão e da liberdade humana, diz logo no 1º artigo que “Todos os homens nascem livres e iguais, dotados de razão e consciência devem viver uns com os outros em espírito de fraternidade”. 
No entanto, estamos a anos luz deste princípio, apesar das declarações e convenções já existentes. Tudo são interesses, destes, daqueles e dos outros; enquanto o interesse comum da humanidade é todos os dias posto em causa.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A Faixa de Gaza


Perguntava-me um jovem: “Que conflito é este”?
É um conflito tão complexo que não se pode explicar em poucas palavras ou tomando o partido de uma das partes: israelitas ou palestinianos. Não é possível dizer que uns são bons e que os outros são maus, que uns têm razão os que os outros não. A realidade nunca é a preto e branco, são muitos os matizes. 
Na essência, o conflito é político: há a formação do Estado de Israel, depois da II Guerra Mundial, quando o sionismo (o regresso dos judeus à Terra Santa) ganha proporções. Encurralam-se os árabes, os palestinos, que sempre tinham vivido nessas terras, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Estes territórios embora, hoje, sejam autónomos e com autoridade própria, não constituem ainda um estado (é isso que os palestinos reivindicam, a criação do Estado da Palestina). O conflito dura há décadas, já se sucederam várias guerras e a tensão está sempre iminente, como se viu nesta última semana.
Mas, o conflito é também religioso, e num enfoque fundamentalista, com a religião a justificar tudo o resto. Difícil de compreender, judeus e árabes condenados a viver juntos, mas separados, mesmo quando quase se tocam, como acontece nas ruas estreitas da cidade santa, em Jerusalém ou em outras cidades. As divisões são palpáveis, sabe-se bem quando estamos no bairro judeu ou quando estamos no bairro árabe; são costumes, vidas e entendimentos distintos.
A questão cultural é, portanto, outro ponto de divisão, a que se junta a questão económica e social. Tudo parece dividi-los, por mais negociações e caminhos para a paz que se retomem ou iniciem (vem de muito longe e com muitos protagonistas de ambos ao lados, os Estados Unidos do lado de Israel e países árabes do lado de Palestina). Desta vez, parece ganhar relevo o papel mediador do presidente Morsi, do Egito, desanuviando o ambiente com a retirada do Irão da linha da frente. Parece já um bom sinal para que se sentem à mesa, não os próprios, como devia ser, mas os negociadores, de modo a procurarem uma solução que, a meu ver, só será definitiva com o estabelecimento do Estado da Palestina (mesmo que a sua viabilidade económica e social seja muito precária ou quase impossível). 

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Malala, um símbolo


É uma adolescente paquistanesa que, desde há algum tempo, tem enfrentado os talibãs, por fecharem escolas  e impedirem as meninas de as frequentarem. Foi baleada por um terrorista, a mando de quem a quer silenciar. Maldade ideológica, politica, religiosa, social…
Lutou contra morte num hospital do seu país e foi hoje transferida para um hospital do Reino Unido, já fora de perigo, para que a sua recuperação se faça o melhor possível.
É um símbolo para o mundo e sobretudo uma voz para os direitos das mulheres. Não irem à escola, não aprenderem a ler, significa, naquela sociedade patriarcal, ficarem dependentes e submetidas aos maridos para tudo. Não poder ler uma receita médica, o rótulo de um medicamento, os preços no mercado, os números do autocarro... significa, uma anulação e uma limitação nos direitos individuais inconcebível.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A Grécia está sangrando

Diz o primeiro ministro grego à chanceler alemã: o povo não pode mais. É o sangue dos que desistem, dos  que reviram caixotes do lixo, dos que pedem esmola, dos que enfrentam a polícia, dos que vão presos, dos que palmilham estradas, dos que continuam mesmo não acreditando... É o sangue de quase todos e para quê? A descrença parece total. A imagem da senhora Merkel chega a ser patética.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Os meninos de São Judas, o filme


O filme fala dos meninos do reformatório de São Judas, na Irlanda, em 1939. Revela uma realidade que, apesar da brutalidade de algumas práticas, como o abuso sexual e a tortura física, se prolongou, por muitas décadas, em instituições similares – e é por isso que aquela violência parece quase não nos surpreender.
Mas há sempre um limite. Tínhamos assistido à tortura dos dois jovens, debruçados sobre um banco comprido de madeira, rente ao chão, com o resto dos companheiros a assistirem – tal como se torturavam, há séculos atrás, os escravos, presos ao tronco, em espectáculo público, para que todos vissem o que lhes podia também acontecer se ousassem desobedecer – mas não estávamos preparados para a cena do assassínio de Liam, a quem o padre John mata à chicotada e  pontapé.
O padre mata por motivos impossíveis de compreender. Quer saber por que apareceu no reformatório um professor laico, William Franklin. "Será comunista"?
O professor trata os jovens como pessoas, pelo nome próprio, promete responder às suas perguntas e levá-los a pensar para lá de si próprios e dos muros do colégio. Na noite de Natal, oferece a todos uma prenda, um livro, que contém algo de especial para cada um – poesia, literatura, teatro, vida, sentimentos, comprometimento… Os miúdos decoram frases, versos, fazem coros, récitas, teatros…
Algo de novo aconteceu e o padre John não aguenta. Estes são fantasmas que se prolongam por décadas. De algum modo, todos somos testemunhas, eu própria recordo uma adolescência e um início da idade adulta em que o comunismo era uma palavra maldita, como não seriam as pessoas que tinham essa ideologia e se empenhavam em transmiti-la? Excomungadas, obviamente. Ainda, hoje, não percebo nada. Mas, depois de sabermos o que se passou, nessa Europa de Leste, quando se derruba o muro de Berlim, vemos que nunca há o branco e o preto, mas nada justificava a paranoia e a maldade do padre John.
Franklin luta com todas as suas forças até os abusadores saírem de cena. (Sabe -se, no final do filme, que o padre Mac, o dos abusos sexuais, vai para os Estados Unidos, é-lhe dada uma paróquia e ainda vive; o padre John, o torturador implacável, é mandado para África e morre em 1969).  Decide, então, abandonar o colégio, mas não resiste à despedida, particularmente, à atitude de um dos jovens a recitar-lhe poesias do livro que lhe dera. Franklin quebra. Não pode deixá-los já. Fica por mais cinco anos, alistando-se depois nas tropas aliadas. Morre, na frente de batalha, em 1944.
Para a sua luta é o fim, mas quantos começos não tinha já deixado atrás, junto dos jovens do colégio São Judas! Quantos começos não deixa, ainda, hoje, naqueles que vêem o filme e percebem a força de uma consciência! Nem tudo são entardeceres, mesmo nestes sombrios colégios. Viva o professor Franklin! 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Imagens de Maomé


Repetem-se as manifestações contra as imagens publicadas numa revista francesa com o profeta Maomé, na sequência do que tinha acontecido com filme americano “A inocência dos muçulmanos”. Para nós, parecem despropositas, um exagero, tiques fundamentalistas... No entanto, há sempre matizes.
Obviamente que o argumento mais claro e mais forte é o de que a liberdade de expressão não pode ser posta em causa, não se pode deixar de dizer isto ou aquilo, por causa da reação dos muçulmanos, mas, também não se pode atentar de ânimo leve contra as convicções das pessoas. A religião é um direito humano, cada um pode acreditar no que entender, desde que conviva pacificamente com os demais. É isto que também está em causa. Portanto, sem abdicar dessa liberdade, não se devem criar provocações desnecessárias.  

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Santiago Carrilho

Morreu um velho comunista espanhol, Santiago Carrilho, com quase um século de vida, 97 anos. Carrilho foi um  revolucionário, um combatente anti-franquista, um exilado político por mais de 40 anos, mas é recordado sobretudo pelo seu papel na transição democrática, pela sua capacidade de dialogar, de acordar, de fazer consensos...   Posição que lhe valeu-lhe a expulsão do partido e outros dissabores,  ainda assim, mantém as ideias, o sentido de justiça, a crença de que outro modo  de organizar as sociedades é possível.

sábado, 15 de setembro de 2012

Eduardo Lourenço, um sábio

Eduardo Lourenço é um sábio. Sábio, mesmo.  Não porque leu muito, que leu; não porque escreveu muito, que de facto escreveu; mas porque pensa muito e  toca o essencial com um desprendimento que desconcerta. Outro dia, não sei já em que programa televisivo, dizia a uma jovem que em vez de ler muitos autores, se concentrasse num autor, como se lhe dissesse que a dispersão não ajuda ao pensar, ao pensar próprio, única coisa que ao limite interessa .

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Encontro em Goreia



Goreia, ilha frente a Dakar, funcionou como entreposto de escravos, durante mais de três séculos. Daí, entre quinze a vinte milhões de escravos devem ter embarcado em barcos negreiros, com destino à América, ao Brasil ou às ilhas do Caribe. Destes, mais de 6 milhões morreram na travessia, tal as condições miseráveis em que eram transportados, nos porões, como gado.
Partiam, deixando, tudo, atrás. Até o próprio nome, eram já números quando embarcavam e números quando chegavam aos cafezais, aos campos de algodão ou às plantações de açúcar. Aí, passavam a usar nomes americanos, se iam para a América, portugueses, se iam para o Brasil, ou espanhóis, se iam para o Caribe.
Ao serem roubados do nome africano, muitos descendentes destes escravos negros não sabem de onde vieram, nem como procurar as suas raízes, mesmo que o queiram fazer.
No entanto, há uma identidade africana, profunda, que permanece, mesmo que silenciosa. Uma noção de pertença que sobrevive a muito, a quase tudo, a séculos de exploração e de afastamento.
“Estou aqui pela primeira vez, mas é como se estivesse cá estado desde sempre, sou de África”, diz a jovem americana, integrante de um grupo de música afro jazz que junta músicos de diferentes origens – americanos, africanos, europeus… - para, juntos, reinventarem, uma alma, um espírito, que não exclua raças nem culturas.
“Onde estarão as minhas raízes? Talvez, estejam nalgum destes países da costa ocidental africana. Talvez, a minha tetra avó ou, antes dela, outro antepassado meu, tenha chorado nesse cais ao vir-se despedir do filho, do marido ou de outro familiar próximo”. Abeira-se dela uma jovem que lhe fala como se a conhecesse desde sempre: “ Olá, também sou cantora, também canto jazz” (não se sabe se sim, se não, pode ser uma estratégia de aproximação), mas que afinal resulta.
- Ah, sim!
- Sou a Amina, não esqueças, Amina. Sou daqui, de Dakar. E tu?
- Sou de Nova Orleães, Estados Unidos.
- Vou cantar uma canção para ti. Queres ouvir?
A americana faz gestos de incredibilidade, não esperava aquela atitude.
- É bonita – diz, sorrindo!
- Canta também uma música para mim – pede-lhe a africana de Dakar.
- Não, nunca canto fora dos espetáculos, só no duche.
- Canta, também cantei para ti.
Tenta lembrar-se de alguma canção e canta uns versos.
- Bonita, vais cantá-la no teatro?
- Não, esta não a canto, hoje, à noite. Cantei-a só para ti.
- Acabamos de nos conhecer e quem sabe se não nos voltamos a ver algum dia. O mundo é um “panuelo”, muito pequeno, podemos encontrar-nos. Talvez vá para a América, cante num clube de jazz e até no teu grupo…  
- Quem sabe, quem sabe...
A africana de Nova Orleães não quer acreditar no que acaba de lhe acontecer. Quando lhe perguntam o que se passou, não consegue dizer nada. Não tem palavras, algo se passou no seu encontro com Amina que não pode expressar. Não sabe expressar; um não dito, a está marcando por dentro.

(a propósito de um documentário a que assisti)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

"O que será dos meus filhos", o filme

Emociono-me com frequência – sobretudo, com aspectos que têm a ver com a identidade profunda das pessoas, com sentimentos que não conseguimos explicar – mas não sou de chorar.  Nesse filme, contrariamente ao habitual, recordo ter chorado do princípio ao fim.
É um drama humano, no limite do suportável: uma mãe doente, cancerosa, muito religiosa (de resto, a paróquia é um apoio), que sabe que vai morrer muito proximamente e que procura um futuro para os filhos, que vê possível, entregando-os a famílias com possibilidades. Entrega um, dois, três, quatro…, mas há uma criança (ou talvez mais) deficiente que não é adoptada e acaba numa instituição.
Deixa com a filha mais velha as direcções de todos os irmãos, na esperança de que não se percam uns dos outros.  
Já na fase terminal, resiste a tomar uma certa medicação que lhe alivia as dores mas a torna inconsciente, alheada, incapaz de continuar a lutar pelos filhos.
Não recordo a figura nem o papel do marido, estaria ausente do filme, seria a senhora viúva?
Não sei, vi-o há muitos anos, e se o recordo hoje, é porque acabo de me cruzar com uma heroína semelhante à do filme, também em fase terminal, e que literalmente me reproduziu a frase: “o que será dos meus filhos”. Fico sem articular palavra, parece-me ouvir um coro de mães: “o que será dos meus filhos”. Haverá lá dor maior!

sábado, 21 de julho de 2012

Perda de direitos sociais

Há por todo o lado manifestações, depois de mais de trinta anos de avanço no estado de bem estar a Europa , sobretudo os países do sul, dá-se conta de que nada estava verdadeiramente adquirido, sustentado. Aí está a crise, os cortes, a austeridade, a desesperança, que é o pior de tudo, porque não se vê um fim à vista.  Ao contrário, a instabilidade é tanta que tudo parece um baralho de cartas prestes a desmoronar.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O regime de Damasco

É tal a forma como os ditadores vivem blindados que, a não ser que sejam traídos pelos seus, dificilmente caem. Bashar Al - Asad viu, ontem, cairem o ministro da defesa, um vicepresidente e outros altos quadros, num atentado suicida perpretado por alguém próximo.  Agora, já não há saída senão a violência generalizada, até à queda e fuga, senão for apanhado.  São tão míopes, estes senhores!

terça-feira, 10 de julho de 2012

Morsi, o novo presidente egípcio

Como já tinha acontecido na Tunísia, uma organização/partido islâmica ganha o poder  em eleições  que contaram com observadores internacionais. 
Pergunto-me: como pode o povo, que tanto sofreu e lutou para pôr fim a a trinta anos de ditadura militar, votar e optar por um fundamentalista religioso.
É certo que Morsi saiu da organização da Irmandade Muçulmana, que diz ser presidente de todos os egípcios e respeitar a constituição, os acordos internacionais e os direitos humanos. Alguns vêem-no como um moderado. Não sei, desconfio sempre quando a religião se imiscui ou confunde com a política.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A Alegoria da Caverna , recordada aos politicos

Apetece fazer uma versão anotada deste texto de Platão (Livro VI da Republica) e enviá-la a quem manda na educação, para ver se percebem o essencial. Se percebem que o saber é, sobretudo, o que descobrimos, o que pensamos e o que construímos com os outros (o construtivismo contemporâneo é devedor de séculos de escola e de relação educativa) e que, para tal, é preciso condições a diferentes níveis.
Dentro da caverna, os indivíduos, habituados a ver as sombras reflectidas na parede, tomam-nas pela realidade, aliás, para eles, são a realidade; quando saem para a luz e finalmente vêem os objectos reais, julgam que são mentira e que a verdade está nas sombras. Este caminhar da ignorância para o conhecimento corresponde ao projecto educativo de todo o ser humano e de todas as sociedades. Leva tempo, tem custos.
Não vou continuar a história…, até porque as sombras não são as mesmas, mas a saída é a mesma, só o conhecimento, a discussão crítica e a justiça (que eu coloco em vez do Bem) podem iluminar o caminho sobre a educação que temos e queremos ter.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

somos habitantes de relações e de mundos

A relação do ser humano com a vida é sempre de “morada”, de sentir-se em casa, familiarizado, confortável…
É por isso que criamos sentidos, através da ciência, da técnica, da economia, da política, da religião... As pessoas inovam, imaginam, inventam, constroem, reconstroem, projectam, fazem.  Constroem culturas.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Conferência: Rio + 20

Patrocinada pela ONU decorre, de 20 a 22 de Junho a conferência sobre o ambiente e o desenvolvimento sustentável.  Não há hoje nenhuma dúvida de que esta é uma questão séria:  ou conseguimos um desenvolvimento que proteja e potencie os recuros naturais ou a vida (incluída a humana) fica comprometida. Não podemos em nome de indíces de desenvolvimento que todos queremos, obviamente, hipotecar o futuro. Penso que era Lévinas que dizia que somos devedores do futuro, emprestaram-nos a terra com os todos os seus recursos para aqui viver, mas temos uma dívida para com as gerações futuras,  temos de  a manter viva e equilibrada.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Reunião do G-20, Los Cabos, México

Reunem-se os senhores do mundo, os vinte países que mais podem: os  de sempre, os emergentes (China, Índia, México, Brasil) e os que, à beira da banca rota (Espenha, Itália), pedem que isto mude. Mas mudar como? Se houvesse soluções já as tinham utilizado, são tantos os gurus económicos que não acredito  que se houvesse saída não tivessem já indicado a porta. Não há saída, o problema é de modelo económico, é esta volatilização do dinheiro e dos mercados financeiros, que ninguém está a salvo.   

sábado, 16 de junho de 2012

12 de Junho, dia mundial contra o trabalho infantil

“Gostava de vestir o uniforme e de ir à escola”, diz Sheila, uma menina indiana, de doze anos, que trabalha numa fábrica de tapetes para ajudar a  família.
Para quem as contrata e explora o que interessa é terem à disposição dedos pequeninos como os de Sheila que entrelacem fios demasiado finos em desenhos minuciosos. São crianças como ela que repetem, infinitamente, gestos iguais para que tudo saia perfeito e surjam aquelas obras de arte. Mas a que preço!
São crianças como ela que ficam com insuportáveis dores no corpo e marcas para toda a vida, enquanto, nas casas e palácios de gente rica, ninguém pense, ao pisar uma dessas carpetes, quem as teceu e em que condições. Não é isso, o que lhes interessa!
Mas, a nós é isso que interessa, são os direitos das crianças e a sua vida o que aqui está em causa. Lutar contra o trabalho infantil, é uma obrigação e uma responsabilidade de todos.
Querida Sheila, espero que possas deixar o trabalho na fábrica, vistas de novo o uniforme e regresses à escola. Imagino-te, correndo pelo pátio, de livros na mão, dizendo bom dia à vida. Mereces isso, tu e todas as crianças do mundo que são obrigadas a trabalhar antes do tempo. E são muitas!

domingo, 10 de junho de 2012

Síria, o ditador que não sai

A situação  tornou-se insustentável. Mortes e mais mortes, uma quase guerra civil, e a comunidade internacional com panos quentes a  tratar o regime. Se a ONU não conseguir resolver  nada, se não houver avanços, é tempo de repensar o papel de instituições  como esta em que tanto confiamos e que afinal servem para muito pouco.  É uma desilusão...

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Direitos da Criança

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1981) existe para lembrar aos governos que as crianças e jovens até aos dezoito anos são um grupo vulnerável a requerer cuidados e programas especiais, por parte das família e da sociedade em geral. 
Em Portugal, onde julgamos existirem todos os direitos é cada vez maior o número de crianças em situação de pobreza e exclusão, vinte e tal por cento, porque são cada vez mais os pais que, por qualquer motivo,  nomeadamente a crise económica e social que enfrentamos,  não podem dar aos seus filhos o que é necessário para o seu desenvolvimento.


quinta-feira, 31 de maio de 2012

Houla, mais uma matança

Nos últimos dias, as tropas do regime sírio atacaram civis, entraram nas casas, e mataram dezenas de homens, mulheres e crianças. Perante a barbárie a comunidade internacional começa a mexer-se, são expulsos embaixadores sírios de alguns países (Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, Japão…), o presidente francês chega a falar de intervenção desde que com mandato das Nações Unidas – como deve ser, evidentemente.

Entretanto, o enviado especial para o conflito, Kofi Annan, vai a Damasco, mais uma vez, encontrar-se com o ditador: “o que acordamos não está ser cumprido, o povo não quer este futuro blá...blá…blá…). Já se viu, muitas vezes e em muito dos lados, que os ditadores nunca desistem, nunca saem pelo seu pé, só se depostos e, em muitos casos, depois de deixarem atrás um rasto de sangue e de destruição que há-de durar gerações. Com este senhor não ia ser diferente, depois de tantos meses de conflito, de tantas idas e vindas do enviado especial da ONU, infelizmente, só uma intervenção pode pôr fim ao regime e acabar com esta onda de mortes.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A fome espreita, no Sahel

A instabilidade política no Mali  levou a um número crescente de refugiados que pedem abrigo nos países vizinhos - Mauritânia, Burquina Faso, Níger, Chade…, aumentando a precariedade alimentar da região, sempre à beira da ruptura.
A fome é uma indignidade do mundo actual, de toda a gente. Uma enorme tragédia, tal como a guerra de que muitas vezes é consequência directa, a juntar aos desastres naturais e ao avanço das desertos.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Executado, pena de morte

Um enorme corredor, escuro, tétrico, três pessoas, um homem e duas mulheres,  de mais de sessenta anos, caminham em direcção à maca onde está o executado, embrulhado em lençóis mas com a cara descoberta. São, porventura, familiares próximos. Tocam-lhe com as mãos, como se fizessem mimos, despedem-se dele com palavras de ternura, de compaixão. Uma das senhoras (talvez a mãe) diz-lhe: “Sê um bom rapaz, porta-te bem”. O absurdo deste desejo podia ser patético, mas aqui não é. Ao contrário, a imagem é fortíssima.
Irá a enterrar daí a algum tempo. Mais uma vez não estará só, pelo menos os que aqui vieram estarão lá.

(sobre um executado, um jovem ainda, algures no Texas, mas que podia ser em muitos outros lugares do mundo)

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Explosões em Damasco, capital da Síria

Damasco, uma cidade bíblica, carregada de simbolismo, é hoje palco de uma quase guerra civil, com uma desolação e uma ameaça crescentes invadindo as ruas. Ontem, duas bombas explodiram, mais de 55 pessoas mortas e mais de trezentas e setenta feridas. É a barbárie no seu auge, planeada, pensada, executada sobre inocentes.
A violência de um regime – uma ditadura – que finge eleições, promete cumprir acordos, mas tudo não passa de manobras de diversão para ganhar tempo e continuar eternizar-se no poder. Muda-se tanta coisa, intervêm-se em tanto lado, mas aqui a ONU assiste, sim, que o que fez até hoje pouco mais é que observar. Nenhuma Resolução, nenhuma acção capaz de parar com os confrontos, bem sei que a Rússia e outros o impedem. E, entretanto, o povo continua acurralado e a morrer.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A extrema direita, na Europa

Assistimos, quase incrédulos, no dia das eleições gregas, ao partido da extrema direita, que acabava de eleger 20 deputados, a exigir, numa conferencia de imprensa, que os jornalistas se levantassem à entrada do líder.  Julgávamos isto do passado, mas não é, e de aqui ao lado, da velha e instruída Europa. É preciso reflectir sobre as razões deste fenómeno que não exclusivo da Grécia,  veja-se o que aconteceu com estes partidos na França, na Holanda, na Áustria e mesmo na Alemanha. Parece evidente que as democracias não sabem lidar com o problema, pois em nome da liberdade individual, entende-se que o povo tem direito a exprimir-se como quer, e tem , mas as sociedades não podem viver com quem não respeita os pilares das democracias, a dignidade humana, o respeito pelo outro e a pluralidade de valores.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

A escrava livre, o filme

É um filme antigo, um clássico do cinema, que retrata o final da escravatura nos Estados Unidos, nos finais do século XIX. Quem são os escravos? De algum modo, todos são escravos: uns por desumana imposição, outros porque não se conseguem libertar do seu passado cruel de mercadores e traficantes de seres humanos, outros por incapacidade de aceitar o que lhes calha em sorte ou azar.
O antigo mercador de escravos vive um particular tormento, degladia-se consigo mesmo,  dentro de uma consciência perturbada, incapaz  de uma saída.
Rau-rau, o jovem negro, que ele cria como se fosse filho, estuda, anda bem vestido e é bem tratado, mas é consumido por um quase ódio, pois, esta bondade do senhor é para ele  insuportável. Sente-se escravo, identifica-se com a luta mas como poderá revoltar-se contra o senhor?
A jovem mulata, a protagonista, filha de um senhor branco com uma negra, nunca se sentiu negra, julgava-se branca, livre, viveu sem qualquer problema de identidade, estudou nos melhores colégios e frequentou a melhor sociedade, até ao dia em que o pai morre e é vendida com todos os outros. O mesmo destino: o mercado de escravos, em Nova Orleães, vendidos pelo melhor preço, num humilhante leilão.
É aí que aparece o tal antigo mercador de escravos, agora um rico proprietário de fazendas e palacetes em várias regiões. Oferece uma quantia exorbitante que desafia qualquer outra proposta. Leva-a para casa, manda-a instalar no quarto de hóspedes e pede para que seja tratada como uma senhora. Ela reage, quer viver como os escravos, ser como eles, se é de facto escrava. Mas não está ali para isso, e sabe-o.
No primeiro dia que sai para comprar vestidos, chapéus e outros luxos vindos de Paris, tenta a fuga. É apanhada, à entrada do barco. Está vigiada por Rau-rau, o fiel criado. Volta para casa e a vida segue. Um dia acaba por ceder ao senhor, beijam-se. Enquanto, a bonita escrava, a governanta da casa, sofre por dentro e por fora em silêncio. “Gosta muito dele” - diz-lhe a jovem.
Mas há um dia em que o coração a trai, também ela começa a gostar dele. É por isso que, certa vez, não continua a viagem  e no último momento resolve sair também do barco, e é por isso que reage às investidas do fazendeiro branco, amigo do senhor,  quando este está fora.
Um dia, porque a ama, conta-lhe tudo, o seu passado de traficante, como enriqueceu, o que fez, como tratou os escravos…, conta também a história de Rau, a mae morre com um bébe ao colo, aos poucos dias de chegar ao barco negreiro, recolhe-o e cuida dele até hoje.
Depois disto, deixa a jovem voltar para casa. Mas, não é um regresso a casa, encontra o antigo namorado, mas muitas coisas estavam estilhaçadas e  sem possibilidade de se remediarem.
Volta à fazenda onde deixou o antigo mercador e encontra Rau,agora já soldado da revolução, também ele voltou para ter um duelo com o senhor, mas incapaz de o fazer, deixou-o fugir. “Sei onde está, sei como encontra-lo” – diz-lhe.
E sabia.  Encontram-se e partem num pequeno barco que os espera no rio. Ficamos a pensar que o amor pode tudo, pode até achar que olhos de monstros se tornam em olhos de cordeiros, ou se calhar que os monstros também são cordeiros.
Mas, para o espectador, pelo menos para mim, ele continua sombrio, olho-o e vejo o traficante de escravos que sem piedade comprou, aprisionou e maltratou milhares e milhares de inocentes. Não sou capaz de ver mais nada, é que ser mercador e negociante de escravos, dono e capitão de um barco negreiro, é demais.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Charles Taylor, julgado e condenado pelo TPI

O TPI (Tribunal Penal Internacional) julgou o antigo presidente da Libéria, por crimes contra a humanidade. É mais um aviso para o que pensam estar impunes. Senhores que matam, contrabandeiam, traficam, violam, mutilam, exploram…, como se nada se passasse, como se um poder absoluto lhes iluminasse a mente, pavoneando-se com toda a espécie de luxos e apertando a mão a outros que tais.
Agora, sabe-se que podem ser capturados, presos, julgados e condenados. Taylor não é o primeiro nem será o último a sentar-se no banco dos réus. Ficou provado que armou os rebeldes da Serra Leoa, que pactou ou patrocinou toda a espécie de crimes. Intolerável, portanto.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Colaborador de Israel, um árabe

"Finalmente, uma rapariga bonita de Hebron"! Exclamou o irmão mais novo, olhando uma das irmãs pequenas, de 3 e 4 anos, depois de ter ajudado a mãe a dar-lhes banho, a vesti-las e a penteá-las. E continuou, com alguma ironia: “eu nasci em Hebron e não sou bonito”!
“Sim, tu és bonito, és um rapaz bonito” - diz-lhe a mãe.
A Cisjordânia, Hebron… – embora vivessem naquele subúrbio, no sul de Telavive, não pudessem regressar a casa (o pai tinha traído o seu povo e jamais seria aceite de volta, tal como a mulher e os filhos) –, eram todas as referências que davam ânimo, abriam sorrisos, traziam boas recordações.
O resto era desintegração, impossibilidade de obter a cidadania israelita, os filhos mais velhos perdendo-se (dezasseis, catorze e onze anos), insucesso escolar, fugas, acosso policial, tribunal de menores, reformatório, colégio interno …
Forte era a mãe, apesar, do problema físico! Aguentava. Sempre presente, lutando, indo…, mesmo quando o marido ficou oito meses em prisão domiciliária, por lhe ter batido. Só desmorona quando o filho mais novo é levado para um colégio interno, pensa que é igual ao reformatório onde está o filho do meio. O mais velho explica-lhe que não, que vai para estudar. Chora. Olha o marido e diz: “estamos a perder todos os nossos filhos”.
"Por que estás a chorar" - pergunta-lhe a filha de quatro anos?
"Dói-lhe o estômago" – responde o pai.
Como lhe vai dizer que lhe dói a alma! À mãe dói a alma, e muito! Se calhar, ao pai também, mas vinte anos de colaboração com os serviços secretos israelitas ditaram a sentença da sua vida. O pior é que ditaram também a da sua família.



(a propósito de um documentário na RTP 2)

quarta-feira, 14 de março de 2012

Contingência, demasiada

Acabámos de ouvir que, num grave desastre, na Suiça, morreram 28 belgas, entre eles,  22 crianças, que vinham de umas férias na neve.  Perturba. Aflige, a contingencia  humana. Há uma insutentável precariedade.  Morre-se no  primeiro mundo, como se morre nas montanhas do Afeganistão, como se morre nos bairros da Siria e por todo o lado. É o instante da vida ou da morte, não sei bem. Não percebemos nada, confundem-nos com o poder, o dinheiro, a fama...,  e, depois, a  vida é isto.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Homs, sangrando

O cerco das últimas semanas, por parte das tropas governamentais, a um bairro de Homs, onde os rebeldes sírios se refugiaram, parece  ter tocado todos os limites. Bombas, mortes, fome... Impressiona ver imagens de pessoas a apanhar a neve que cai, em bacias e baldes, para terem água para beber. Entretanto, a comunidade internacional assiste. Houve reuniões, em Tunes, designou-se um enviado especial da ONU,  o antigo secretário geral, conseguiu-se, a custo, visitar a cidade, evacuar os feridos, entre eles jornalistas, e agora espera-se por condições para a ajuda humanitária poder actuar com segurança, para se poder chegar a Damasco e, finalmente, se houver sorte, se poder conversar com o ditador. Triste  sina, a de um povo  que apenas  quer  liberdade e direitos básicos. Triste sina a de organizações como a ONU que, perante ditadores deste género, ficam sem saída, ou quase.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Carmelo, clausura

Num programa sobre a felicidade ou, talvez, melhor, sobre o sentir-se feliz, entra na reportagem uma carmelita jovem que, depois da licenciatura, quando, aparentemente, o seu rumo iria num certo sentido, resolve entrar para o Carmelo. “Aqui, no Carmelo, vivemos muito a consciência da comunidade. Foi Jesus que nos chamou, foi Ele que nos escolheu, é um processo de adaptação à vida de oração e de amizade com Deus. Pelo amor chegamos a qualquer parte do mundo, o amor é eterno, difunde-se" . Bonitas, estas palavras! E continua: "Às vezes, vê-se uma certa inutilidade, aqui escondidas com Deus, numa total gratuidade, uma vida escondida, numa totalidade, sem limites..., queria poder dar-me sem estar à espera de ver os frutos, dar-me sem recompensas, quando nos entregamos sem limites, na intimidade com Jesus, nada fica longe, tudo é perto. Há um enamoramento na oração “a oração enamorada”, como o poema de São João da Cruz, porque Cristo é tudo para mim, em Jesus Cristo, não há longe, não há distância". 
Fico a pensar: quantos quererão fugir, tal como esta jovem freira, da fragmentação e do relativismo que nos invade por todos os lados? Muitos, com toda a certeza, mas poucos "são chamados".  Por que são tão pouco os eleitos? Por que entendemos tão pouco de um discurso como este?

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Identidade(s)

Numa reportagem da televisão de Castilla-Leon, por terras de fronteira, Bragança e Sanabria, questionava-se sobre se há ou não a identidade do “transfronteiriço”, algo que corresponderia a ser habitante da fronteira, a ser de cá e de lá; ou se, como acontece noutros casos, é uma palavra vazia, ou quase. Quando perguntam à jovem portuguesa que trabalha, há anos, numa cidade do lado de lá da fronteira, responde: “não, sentimo-nos portugueses, somos portugueses, mas se me perguntam se quero ir para Portugal, digo que não, aqui vive-se melhor, o ordenado mínimo é quase o dobro”.

Parece, então, não serem as condições materiais que criam sentimento de identidade. Ninguém se sente transfronteiriço, o máximo que o repórter consegue, nisto de “confundir identidades” é: “somos uma coisa e outra, somos espanhóis e somos portugueses, somos como irmãos”, diz uma senhora espanhola responsável por um organismo ligado ao turismo.
Enquanto, um jovem presidente duma associação, ligada ao parque de Montesinho, diz: “há projectos ibéricos, com financiamento europeu, como o Museu da Máscara, mas nós temos as nossas coisas, eles têm a deles, há uma identidade nossa e uma identidade deles”. Impossível explicar melhor, não se diluem identidades culturais profundas, mesmo com usos e costumes próximos.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O homem que plantava árvores

Era francês. Tinha chegado ali, àquele vale, no interior de Madagáscar, depois de muito ter andado pelo mundo. Chegou sem intenção de ficar, mas algo o prendeu à terra, às montanhas, às florestas, à natureza quase intacta que apenas a erosão destruía. Chegado aí, pousou a mochila, montou a tenda e misturou-se com o vale e os seus habitantes. É de lá.
Mas como é daí, se está a milhares e milhares de quilómetros de casa? Como é daí, se nada em redor é para si conhecido?
Talvez, não seja; ou talvez, sim.
Pois, como não é daí, se sente com o povo e a paisagem uma identificação profunda!

Há mistérios, nisto da vida, das pessoas e das relações, que ninguém explica. É daí, e chega. Não há mais necessidade de justificações. Aprendeu a língua, os costumes, a magia e o misticismo, a que não se pode fugir, construiu viveiros de várias espécies de árvores, fez educação ambiental nas escolas e com a ajuda de crianças e jovens reflorestou encostas e iniciou florestas. Criou vida sustentável, vida que se perpetuará enquanto houver quem recorde (e siga) o homem que plantava árvores.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Tiroteio em Homs, cidade Síria

“Espero que o meu Deus os assassine”, gritava um homem sírio, da cidade de Homs, depois de mais um tiroteio, num dos bairros, com dezenas de mortos.
“Que o meu Deus os assassine”, arrepia só de ouvir; arrepia só de pensar no turbilhão de emoções e de sentimentos que invadem este homem. É um paradoxo que o Deus misericordioso, manso e compassivo, que a todos acolhe, salva e dá abrigo, seja também o Deus vingativo, que retalia, assassina e massacra. Custa a crer nesta menoridade face à religião; uma religião que abrange, justifica e direcciona tudo. Sem outro espaço, não admira os resultados. Se ao menos fosse possível deixar de instrumentalizar Deus e a religião! Avança tudo, mas  a violência, a crueldade, é a mesma de sempre. Para que queremos séculos de civilização, se estamos sempre no ano zero!

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Guantánamo, a prisão

Esta é uma prisão de alta segurança, por onde já passaram mais de 700 prisioneiros, vindos do Afeganistão e de outros pontos do globo. Obama prometeu, logo que chegou ao poder, fechá-la, pela falta de condições e pelos desvios e abusos aí cometidos. Mas continua aberta, tem cerca de 150 presos, a maioria sem acusação ou  julgamento. Os detidos de Guantánamo têm direito a conhecer de que são acusados e ter a um julgamento justo.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Regresso a casa

Já o tinha visto várias vezes, a entrar na igreja, aos domingos, a descer o adro, a caminhar pela rua. Hoje, viu-o de perto, de muito perto, estava atrás e mim na fila única da estação dos Ctt. Está irreconhecível, como a vida foi madrasta para este rapaz, ou melhor, para este senhor, não andará longe dos sessenta anos. A vida maltratou-o até ao limite do suportável, perdeu tudo, casa nova que não chegou a terminar, família (tenho esperança de que não tenha perdido os filhos), trabalho, saúde…
Dizem-me: “não foi a vida, foi ele que se maltratou, perdeu-se por causa do vício”. Acredito que sim, acredito que se tenha perdido de todos e até de si mesmo, mas não há dúvida de que parece estar a reencontrar-se, neste regresso a casa, literal e simbolicamente, depois de décadas nessa França longínqua, mas, por aqui, sempre presente.
Para mim é um homem bom, vejo-o assim. Não tive coragem de lhe dizer nada, mas conheço-o, ele conhece-me. Da próxima vez que o vir vou cumprimentá-lo e se calhar ganho coragem e digo-lhe: “Como está? Vejo que está bem, mas se fizesse a barba, ficava mais novo, não acha? Ficava mais parecido com o jovem que conheci há mais de quarenta anos e com quem julgo ter dançado mais de uma vez”!

sábado, 7 de janeiro de 2012

Chavez, comandante e presidente.

Hugo Chavez  é um autocrata, autoritário, quase ditador, obviamente que o que se vive na Venezuela não é uma ditadura simples, há eleições, partidos políticos, mas não há separação de poderes, nele está concentrado demasiado poder, politico, militar, económico..., mas  a almejado socialismo, a igualdade, estão longe, muito longe. A pobreza continua, a violencia não diminui, parece que Caracas é das cidades mais violentas do mundo, e a vida não  melhora para a maioria do povo.
Chavez está doente, mas continua firme,  a governar, a manobrar, a conspirar..., sabe que não chega querer, nem ter ideologias, nem proclamar boas intenções, é preciso mais. Até onde irá?

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Homs, cidade síria

Nesta cidade, há repressão, tiros, violência, mortes, desde há muito. As tropas governamentais atacam sem piedade, quem ousa gritar pelo direito às liberdades básicas. Junto a uma carrinha queimada, num dos bairros desfavorecidos, um homem grita para o repórter: "Queimaram a carrinha de um homem pobre, com dez filhos, agora, já,  não pode governar a sua vida. Destruiram, casas, lojas, não há, sequer, uma padaria, sem pão morremos à fome". O homem grita, o repórter regista, passará nas televisões, pode ser que assim o mundo se dê conta do que se está a passar verdadeiramente na Síria.