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quarta-feira, 31 de março de 2021

Morreu na guerra o menino de sua mãe...

 

O menino de sua mãe

 

No plaino abandonado

Que a morna brisa aquece,

De balas trespassado

Duas, de lado a lado,

Jaz morto, e arrefece

 

Raia-lhe a farda o sangue

De braços estendidos,

Alvo, louro, exangue,

Fita com olhar langue

E cego os céus perdidos

 

Tão jovem! Que jovem era!

(agora que idade tem?)

Filho único, a mãe lhe dera

Um nome e o mantivera:

“O menino de sua mãe”.

 

Caiu-lhe da algibeira

A cigarreira breve

Dera-lha a mãe. Está inteira a cigarreira.

Ele é que já não serve.

 

De outra algibeira, alada

Ponta a roçar o solo,

A brancura embainhada

De um lenço … deu-lho a criada

Velha que o trouxe ao colo.

 

Lá longe, em casa, há a prece:

“Que volte cedo, e  bem!”

(Malhas que o Império tece”)

Jaz morto, e apodrece,

O menino de sua mãe

 

                                          Fernando Pessoas

 

segunda-feira, 29 de março de 2021

Continua o terror em Cabo Delgado, Moçambique

 Onde está hoje a banalidade do mal? 

Nos mesmos sítios, na crise de valores, no relativismo mais absoluto, no vazio em que vivemos - embora tudo parece em excesso. Na quase impossibilidade de nos colocarmos no lugar do outro, de estender verdadeiramente as mãos. 

Na dificuldade da politica se submeter à ética, aos princípios fundamentais da dignidade humana: liberdade e justiça.

domingo, 28 de março de 2021

Poema de Manuel Alegre sobre a guerra colonial

 As colunas partiam de madrugada

 As colunas partiam de madrugada

Para o norte partiam para a morte

Partiam de Luanda flor pisada

Levavam morte de Luanda para o norte.

 

De Luanda partiam flor pisada

Colunas que levavam.

Luanda para o norte para a morte

De Luanda partiam madrugada.

 

De Luanda madrugada para o norte

As colunas partiam

Levavam de Luanda a flor pisada

Para a morte do norte para a morte.

 

Partiam de Luanda madrugada

Colunas para o norte

Levavam morte de Luanda

Para o norte da morte flor pisada.

 

De Luanda partiam as colunas

Para o norte partiam flor pisada

De Luanda levavam para o norte

A morte de madrugada.

 

Partiam as colunas de Luanda

Levavam para a morte

A madrugada: flor pisada

Ao norte.

 

                                                                             Manuel Alegre

sexta-feira, 26 de março de 2021

O menino negro não entrou na roda - poema de Geraldo Bessa

 O menino negro não entrou na roda

 O menino negro não entrou na roda

Das crianças brancas – as crianças brancas

Que brincavam todas numa roda viva

De canções festivas, gargalhadas francas...

 

O menino negro não entrou na roda.

 E chegou o vento junto das crianças –

E bailou com elas e cantou com elas

As canções e as danças das suaves brisas,

As canções e danças das brutais procelas

 

O menino negro não entrou na roda.

 Pássaros, em bando, voaram chilreando

Sobre as cabecinhas lindas dos meninos

E pousaram todos em redor. Por fim,

Bailaram seus voos, cantando seus hinos...

 

O menino negro não entrou na roda.

 “venha cá, pretinho, venha cá brincar”

- disse um dos meninos com seu ar feliz.

A mamã, zelosa, logo fez reparo;

O menino branco já não quis, não quis...

 

O menino negro não entrou na roda

Das crianças brancas. Desolado, absorto,

Ficou só, parado com olhar cego,

Ficou só, calado com a voz de morto

 

(Geraldo Bessa Victor, Obra poética)

 

 

terça-feira, 23 de março de 2021

Contra o racismo e atitudes racistas...

  Há dois dias, a 21 de março, comemorou-se o Dia Internacional de luta contra a discriminação racial. O racismo parece renascer, todos os dias e em todas as sociedades, apesar de toda a legislação internacional e nacional que existe.

Visível, quando um negro quer alugar uma casa, candidatar-se a um trabalho, publicar uma obra artística..., com uma subtileza, que às vezes magoa e humilha mais que as atitudes explicitas,  é convidado a voltar no dia seguinte, a ir para o fim da fila…

Estamos assim, em 2021…

quarta-feira, 17 de março de 2021

O que é mais importante no viver?

Todas as nossas ações, atitudes e comportamentos têm por base princípios, crenças e valores, a partir dos quais a nossa vida se desenrola.  

Se dizemos: “este pão é delicioso”, “esta pessoa é boa”, “é bela a imensidão do mar”, mais não fazemos que juízos de valor sobre essas realidades, frente às quais experimentamos determinadas sensações ou sentimentos. 

Perceber que valores são estes e qual a sua importância na nossa vida, é perceber o que nos sustenta, motiva,  equilibra, emociona, enfurece, alivia...,

terça-feira, 9 de março de 2021

Não precisamos de donos..

 A liberdade não é uma concessão familiar, religiosa, cultural, social, política...,  é um valor constitutivo do humano.  Quando refletirmos sobre o que fazemos, sem necessidade de teorias, descobrimo-nos seres de iniciativa, com capacidade de imaginar, inventar, começar algo de novo…; tal como, nos descobrimos capazes de interferir no decurso das coisas, modificando, refazendo, projetando… - desde os aspetos mais simples do dia-a-dia, aos planos e projetos de vida, com metas e objetivos a médio e a longo prazo, orientados por um sentido de bem viver, que nos acompanha .

quarta-feira, 3 de março de 2021

Sem compromissos, não há saídas...

 Podíamos ir contra a realidade, mas seria pouco inteligente. Importa olhar à volta e perceber que a diversidade cultural é um dos dados mais decisivos das sociedades atuais e que não chega proclamar a universalidade dos princípios - liberdade, igualdade... - é preciso criar condições efetivas para a sua concretização. Isso passa por  compromissos partilhados, a nível político, económico e social.