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quarta-feira, 31 de março de 2021

Morreu na guerra o menino de sua mãe...

 

O menino de sua mãe

 

No plaino abandonado

Que a morna brisa aquece,

De balas trespassado

Duas, de lado a lado,

Jaz morto, e arrefece

 

Raia-lhe a farda o sangue

De braços estendidos,

Alvo, louro, exangue,

Fita com olhar langue

E cego os céus perdidos

 

Tão jovem! Que jovem era!

(agora que idade tem?)

Filho único, a mãe lhe dera

Um nome e o mantivera:

“O menino de sua mãe”.

 

Caiu-lhe da algibeira

A cigarreira breve

Dera-lha a mãe. Está inteira a cigarreira.

Ele é que já não serve.

 

De outra algibeira, alada

Ponta a roçar o solo,

A brancura embainhada

De um lenço … deu-lho a criada

Velha que o trouxe ao colo.

 

Lá longe, em casa, há a prece:

“Que volte cedo, e  bem!”

(Malhas que o Império tece”)

Jaz morto, e apodrece,

O menino de sua mãe

 

                                          Fernando Pessoas

 

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Por que falham as instituições?

Não sei se a mãe que matou as filhas, dezanove meses e quatro anos, atirando-as ao mar, é ou não uma doente psiquiátrica. Não sei se ela queria ou não suicidar-se a seguir, acredito que sim, que é uma doente e que pretendia morrer com as filhas que acabava de matar. Mas não morreu, foi salva.

Não se pode entender de outro modo o que se passou; só admitindo que não tinha consciência do que fazia, podemos lidar com a ideia de que não se trata de um monstro, mas de alguém a quem a má sorte ou o que seja colocou numa situação em que ninguém pôde ajudar, falo das famílias, das instituições de apoio à vítima, dos hospitais, das Comissões de Proteção de Menores, de todos os lados onde bateu à porta e não viram a gravidade da situação.

Obviamente que não sabemos toda a verdade sobre o que se passou. Não sabemos se o pai é ou não agressor, se o pai é ou não também uma vítima do estado mental da senhora. O que sabemos é que a morte das duas meninas não era inevitável, não sofriam de doença terminal, não sofreram um acidente, foram mortas pela mãe, numa escalada de desespero e talvez doença que ninguém avaliou suficientemente. Esperamos que as instituições respondam, mas o que se vê, infelizmente, vezes repetidas,  é a incapacidade de lidar com estes casos, perdidas que estão em relatórios, burocracias e formalismos.





sábado, 5 de setembro de 2015

O regresso a Kobani

O menino sírio, Aylan, de três anos que morreu com a mãe e o irmão, no mar, ao tentarem chegar a uma ilha grega, foi a enterrar em Kobani. Não viveu o suficiente para saber a força das convicções, a força das montanhas, a força da terra, a força da identidade... O pai, sim, sabe o que tudo isto significa. Por isso, regressou para enterrar a mulher e os filhos na sua terra.

Está exausto, pede, em nome do Corão, que o deixem descansar. É tão ensurdecedor o seu sofrimento! Mesmo que diga que a mulher e os filhos são agora mártires, mesmo que evoque uma crença que o pode ajudar, permanece (e permanecerá, por muito tempo) no limite das suas forças.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A bala assassina, destruam as armas

A mãe pássaro está aflita e chora desde a hora que o filho mais novo saiu de casa. Pediu-lhe muitas vezes para não sair sozinho para muito longe, porque não tinha prática de voo, porque não sabia bem como evitar o perigo e fugir das armadilhas. Mas ele, um pouco rebelde e convencido que sabia tudo – sim, que às vezes os jovens pensam que sabem tudo – não ouviu a mãe e partiu.
Hoje, chegou ao bando a notícia da sua morte. Quem terá coragem de dizer à mãe-pássaro que o seu filho morreu?
Morreu com um tiro certeiro que alguém lhe atirou. O chumbo mata e o homem que usou a carabina sabia disso. Não é inocente, comprou e aprendeu a usar essa arma que mata. Já matou e pode continuar a matar. O passarinho morreu por nada e para nada. Não morreu contra um rochedo quando treinava o voo, não morreu numa missão da sua vida de todos os dias como seja a procurar alimentos. Morreu porque o homem que o matou sente prazer em aperfeiçoar a destreza do tiro e contemplar o espectáculo da morte.
Eu sei que este homem não compreende, nem nunca poderá compreender, as lágrimas da mãe-pássaro. Hoje, essa arma matou o pássaro e mesmo que o homem amanhã a venda continuará a matar, sabe-se lá onde, sabe-se lá o quê. O perigo é ela existir.

domingo, 25 de outubro de 2009

A Cidade de Deus, o filme

O nome da favela é já por si desconcertante. E a vida, aí, inimaginável, ultrapassa tudo. É o inferno em toda a extensão e em todos os graus. Há coisas, muitas, até, ao limite. Tudo é noite, submundo, droga, violência, vingança, armas, mortes e mais mortes (na verdade todos estão mortos, quem será o próximo?). Não há dia nesta favela? Não há um parque, uma rua para lá do labirinto, uma escola, uma associação...? Não há famílias? Quem recolhe os mortos? Onde são enterrados? Quem os chora? Faltam muitos contextos, necessariamente.