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domingo, 30 de janeiro de 2011

Egipto: quando tudo treme...

Olho as ruas do Cairo e estremeço. Vejo os manifestantes, a sua revolta, os tanques militares, a polícia..., e penso na vida destas pessoas,  na miséria, na falta de esperança, no desespero. Percebemos as razões. Sim, que ninguém se enfrenta às balas e aos tanques por nada. Oiço o Mubarak  e desconfio de tudo.  De tudo mesmo. Como pode alguém cumprir, se nunca o fez? Como pode alguém reformar e preocupar-se com o povo, se na sua matriz mais profunda residem outros  interesses, outras vontades, outros compromissos?
Às vezes apetece acabar com todos os "ismos", capitalismo, socialismo, islamismo...  , e pegar num lanterna à procura de homens bons que não se deixem corromper pelo poder e possam  servir o seu povo, honesta  e democraticamente, sem fingimentos, sem   maquilhagem.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Sou o Paulo, sou um artista

Encontrei-o, ao final da manhã, na marginal de Maputo, junto ao cais onde se apanha o barco para Catembe. Segurava, numa das mãos, um conjunto de telas e tentava vender-me uma (ou as que pudesse, claro está). Diz-me: "Olá, senhora, veja as minhas pinturas, sou eu que pinto, sou um artista"!
"Sim, mas agora não tenho tempo, não quero comprar, não quero". E continuo, apressando o passo.
"Fico à sua espera, quero mostrar-lhe o meu trabalho" - diz-me.
 E ficou. Primeiro, era só para que eu visse as telas, mas depois usou todos os argumentos e mais um, insistindo sempre, mas sem ser, em nenhum momento, desrespeitoso ou incomodativo, pelo contrário, havia nos olhos de Paulo uma bondade que me chegava, e depois era encantador a forma como falava da sua vida e da sua sensibilidade de artista. Estava convencida que era um artista, na assinatura lá estavam as iniciais do seu nome. Escolhi uma das telas, e comprei-a. "Vou fazer um quadro e, quando o olhar, pensarei: onde estará o Paulo, o jovem artista moçambicano que, num dia de Novembro de 2010, encontrei na marginal de Maputo? Talvez seja agora um artista famoso, espero que sim" - digo-lhe.
No dia seguinte quebrou-se a magia, enquanto passeava pela baixa encontrei muitos “Paulos”, jovens (todos artistas) que vendem telas iguais, usando exactamente as mesmas estratégias. Achei graça, é óbvio que para mim tanto importava. Aliás, se voltar a encontrar o Paulo, tratá-lo-ei por artista, vou falar-lhe de tintas e pincéis, sentimentos e paisagens, como no dia do nosso primeiro encontro. Ele pode não ser artista, mas carrega uma alma de artista.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Educação: um debate permanente

Há sempre na sociedade portuguesa uma discussão latente ou explícita, como acontece agora com as manifestações das escolas do ensino privado com contrato de associação com o Estado.  Eu sou levada a pensar que   os argumentos da ministra são razoáveis, apesar de defender a liberdade de escolha. Há possibilidade, sempre, de encontrar plataformas de entendimento, de modo a que se garanta  a igualdade de oportunidades para todos. O direito à educação é  inalienável, mas os contratos de associação não, podem discutir-se, refazer-se, substituir-se ...

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Terror e Morte, num aeroporto de Moscovo

O terrorismo aí está, matando de novo.  É um  gravíssimo problema de direitos humanos e de cidadania global; é um gravíssimo problema de política internacional. Os homens e mulheres bomba, suicidas em nome de uma crença, de uma ideologia ou do que seja, têm família, contextos, vidas... mas parece nada contar, parece nada ser importante. Por que se deixam armadilhar?  Por que escolhem morrer e matar? Alguma coisa tem de estar muito errado nessas sociedades fechadas que não entendem a impossibilidade de fugir da complexidade contemporânea e  pretendem reduzir  tudo (o privado, o público e o político)  ao âmbito de uma crença.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

José Barata Moura

Quando ontem vi na televisão o Professor Barata Moura (mandatário nacional de Francisco Lopes), rememorei as aulas de Filosofia do Conhecimento, no auditório 2 da Faculdade de Letras, há muito tempo atrás.  Sempre carregado de livros, aulas muito preparadas,  atento, acessível, muito bom professor. Fazia das intervenções dos alunos (muitas vezes desinteressantes, mal formuladas...) momentos de verdadeiro diálogo  filosófico, reconduzindo-as sempre para qualquer ponto essencial. Muito poucos professores o conseguem ou se preocupam em fazê-lo.   Fico a pensar como é que um homem como o Professor Barata Moura , com todas as ferramentas intelectuais que tem (ou talvez por isso), continua  crente na ideologia comunista. Digo crente, mas sei bem que ele encontra razões.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Veio para estudar, fugir de um destino

É uma menina de catorze anos. Corpo de adolescente, alta, magra, cabelo muito curtinho. O andar um pouco desajeitado, sempre de telemóvel na mão, um pouco agitada e com um olhar triste.
Está no colégio há menos de um ano. Veio, porque a tia achava que ela só brincava – diz-me. Veio para estudar, passou para a 6ª classe, mas com dificuldades enormes de leitura e escrita. Talvez, tenha vindo para não se perder numa qualquer estrada ou esquina da vida. Veio, porque precisava sair de um ambiente que não podia ajudá-la. Isso é certo.
Temendo que seja órfã e não sabendo até que ponto quer ou não falar sobre isso, nada pergunto, espero que fale, o máximo a que me atrevo é perguntar-lhe: “quantos irmãos tens”?
- “Tenho dois irmãos, eu sou a mais velha, eles são mais novos, vivia com a minha avó, os meus irmãos estão com os pais deles. A minha mãe morreu, o meu pai morreu, o meu avô morreu...”
Sinto um calafrio, até onde irá a lista que parece interminável? Fico em silêncio. O que sei eu?  Imediatamente, pensamos que foi a sida que os levou, mas talvez tenham morrido de malária, de desastre rodoviário ou de outra qualquer doença. A causa da morte não é indiferente, por estes lados, há um estigma, um não dito, que acompanha a vida destas crianças, cujos pais morreram de sida, como se, por não se nomear, tal doença desaparecesse. Ela carrega um grande sofrimento, mas não um destino. Por isso, está aqui.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A campanha eleitoral

Parece grande o desinteresse pelas eleições  presidenciais, apesar da crise, da dramatização e  de algum folclore, até. Votar é um direito e um dever de cidadania, ouvimos isto repetidamente.  Não é uma obrigação no sentido legal, cada um saberá o que fazer ou seja a questão é de consciência cívica individual. 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Nas ruas de Tunes

Há  uma emoção que tomou conta das ruas e da gente, há pessoas de lágrimas nos olhos, jovens que abraçam polícias, mulheres e homens que falam, reivindicam,  exprimem ideias, sentimentos...  Quando assim é, que mais há a dizer? Esperar, apenas, que os novos dirigentes não defraudem, mais uma vez, o povo.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tunísia, quando o povo não aguenta mais

A democracia é, em África, sempre, algo periclitante. Apesar de eleições, de instituições ditas democráticas, os "Presidentes" eternizam-se no poder, fazem do interesse público interesse próprio, criam clãs de amigos e familiares, dominam tudo, a política, a economia, os negócios, etc. Era o caso do Presidente tunisino, agora exilado na Arábia Saudita, há 23 anos no poder. Enquanto ele e uma minoria enriqueceu e roubou, o povo sobreviveu, esperou e desesperou. A revolta foi inevitável.

sábado, 15 de janeiro de 2011

A violência, e tudo o mais

Habitam-nos demónios. Não sabemos quem somos. Há um limite, uma insuportável margem, que nos  coloca frente ao pior de nós. Uns conseguem  parar a tempo, outros não. O que aconteceu, naquele  quarto de hotel de Nova Iorque, é incomensurável. Triste e horrendo demais!  Há duas vítimas, eu vejo assim. De algum modo, até, todos somos vítimas.

sábado, 8 de janeiro de 2011

"ELE me chamou", a fé

“ELE me chamou”, diz-me um jovem que está a terminar o 12º ano, com um livro na mão sobre a vida e obra dos Franciscanos. ELE é o seu, o meu, o Deus de todas as pessoas que acreditam. Nenhuma demonstração ou experiência atesta a Sua existência, mas nada mais real para um crente. Acerca da fé, nada há a discutir. Nada há a dizer. Todos somos, antes de tudo o mais, aquilo em que acreditamos. São os valores, as crenças e os costumes que nos habitam que nos fazem pessoas e nos determinam a vida.

Tinha combinado encontrar-se comigo para falar de filosofia, embora já tivesse feito exame e ter a certeza de que ia ter positiva. Colocou-me uma questão de lógica, sobre silogismos hipotético-disjuntivos (a que eu não soube responder, há mais de doze anos que não toco nessa matéria), mas percebi logo que a conversa sobre filosofia era um pretexto, queria conversar sobre outras coisas. Falou de si, da sua vocação, de como tem clara a ideia de ser padre franciscano, falou-me de todo o percurso de formação, passando por várias cidades e até países, do extenso caminho e da profundidade do percurso que pretende iniciar. Agora, irá para o seminário de Chimoio, depois para o noviciado em Portugal, depois Roma,  Zâmbia…
Perguntou-me o que achava. O que ia eu achar, obviamente que não tenho nenhuma resposta, nenhuma opinião.  "A religião é uma coisa muito séria", comentei apenas para não ficar calada. Ele continuou a falar da certeza da sua escolha e eu  pus-me a pensar na determinação deste jovem, na sua convicção. Espero que o seu caminho não tenha muitas pedras. 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A loja solidária

Mais ou menos por todo o lado, aparecem lojas com uma função fundamentalmente solidária, a de ajudar os que precisam neste tempo de crise e de desastre social em que, todos os dias, damos mais um passo para o abismo.  Os que podem contar com os produtos, a um custo simbólico ou gratuitos,  têm oportunidade de aliviar, por algum tempo, o desespero em que vivem, mas só por algum tempo. As respostas sociais não podem ser de remedeio, têm de ter sustentabilidade. Estamos a caminhar, há anos, muitos anos, numa direcção que vai deixar marcas profundas, basta pensar no desemprego, nomeadamente o dos jovens, que ascende a 22 %, tenho entendido, na sua maioria jovens muito qualificados... Haverá pior sinal?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Pena de morte ou quase, mais um engano

Acaba de se saber que um cidadão americano esteve trinta anos preso, numa cadeia doTexas, acusado por roubo e violação, crime que não cometeu. Sempre se disse inocente, mas o seu caso não foi reavaliado, até que uma organização a trabalhar nesta área conseguiu a reabertura do processo e a sua absolvição, depois de testes de ADN. O grave desta história é a condenação de inocentes,  deste homem e de outros. Já parámos para pensar o tremendo que é cumprir uma pena destas (sessenta e cinco anos, parece-me), quão devastador é para ele e sua família (e devia também sê-lo para toda a sociedade) deixar que coisas destas aconteçam? Há outros argumentos, mas  a possibilidade de condenar inocentes, devia chegar para que, de uma vez por todas, se acabasse com a pena de morte nos Estados Unidos e em todos os lugares do mundo onde ainda existe.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A cólera, no Haiti

O Haiti saiu da agenda mediática, mas  a premência da ajuda humanitária e dos planos de reconstrução continuam, sem aparente fim à vista.  Para complicar e aumentar todas as dificuldades, desde meados de Outubro que a cólera grassou em grande escala, mais de mil  mortos, muitos milhares de doentes, hospitais a abarrotar, condições deficientes e  limitadas para enfrentar como deveria ser o problema.  Uma desgraça nunca vem só, no caso do Haiti, não pode ser mais verdade.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

“Esta tarde vou trançar”

A cabeça das meninas parece uma obra de arte, tais os feitios e os modos de trançarem os cabelos. Passam horas a fazer aquelas trancinhas pequeninas, tantas que parecem não acabar nunca. Umas ficam coladinhas à cabeça formando linhas, umas vezes paralelas, outras vezes curvas, ou uma espécie de figuras. Outras vezes, fazem tranças soltas, traçando com a ajuda de um fio ou de um cabelo sintéctico próprio. São muitas as maneiras de trançar, quase como a sua imaginação.
Trançar exige saber,  paciência, disponibilidade e amizade. São as amigas que trançam às amigas, quem não tem amigas disponíveis fica dias com a toalha enrolada à cabeça à espera que alguém queira  trançar os seus cabelos.
Disse a uma menina: - Tantas trancinhas! São mais de cem!
- Não, nem chegam a cinquenta.
- Sou uma exagerada! Levaste toda a tarde?
- Quase toda. Gosta? Não gosto do meu cabelo sem ser trançado.
- Gosto. Estás muito bonita.

domingo, 2 de janeiro de 2011

"Parece a água do Bilene"

“Parece a água do Bilene” – disse por várias vezes, ao longo daquele dia. Antes, na praia do Tofo e depois, no final da tarde, molhando os pés junto a um dos locais de banho na baía de Inhambanhe. Por que veria  ela naquele mar a água do Bilene?
- Bilene é a minha  terra - disse-me.
Ah! Então, estava tudo explicado. Haveria lá águas mais azuis, mais calmas, mais limpas e melhores que as águas do Bilene? Não havia. Não podia haver!
Nunca, ou quase nunca, estamos completamente no sítio onde estamos, sempre nos povoam pensamentos, lembranças, recordações e afectos…, e são esses que nos adoçam ou amargam o dia. Aquela jovem teve um dia doce e feliz, "viajando" pelo Bilene. Molhou os pés, olhou demoradamente as crianças e os jovens que tomavam banho, nadavam ou davam mergulhos. Era visível, nos seus gestos e expressões, a vontade imensa de entrar na água. Não entrou, porque não era altura nem hora, mas "esteve" na sua terra, na sua praia, no mar do Bilene. E isso foi muito.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Ano Novo

"Ano novo, vida nova", é uma frase comum, mas não gasta. A importância do novo, do não dito, do não vivido, do não percepcionado, é decisivo na vida de todos. A novidade convoca a nossa capacidade de nos deixarmos surpreender, maravilhar; a capacidade de escutar, abrir a alma, deixando cair máscaras e teias que nos enredam e nos perturbam demasiado.