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sábado, 17 de dezembro de 2011

Pensar, filosofar...

Diz-me a jovem com quem converso: "isso da filosofia, é muito difícil".  Querida jovem,  nem tanto. Se formos curiosos, reflexivos e críticos, todos podemos, de algum modo, ser filósofos, ou melhor, ter uma atitude filosófica. Mas, ainda assim, a filosofia é mais do que uma atitude, é mais do que um caminho, é também uma disciplina, uma área de conhecimento ou de interrogações, que faz sentido, hoje, como fazia antes e fará futuramente, aí estão as grandes questões, sem respostas definitivas, aí estão os temas de sempre e outros que o desenvolvimento humano coloca e colocará. Procurar um sentido, avançar no conhecimento é uma necessidade, se não me falha a memória, a  Metafísica Aristóteles começa "todas as pessoas desejam naturalmente saber",  é o humano em nós. Em ti, em mim, em todos.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Dia Mundial dos Direitos Humanos, o desemprego

Fixo a fila de desempregados, junto a um centro de emprego. Quem são estas pessoas? Que necessidades, lutas e sonhos, estão por detrás de cada um destes rostos? Não sei, mas podemos adivinhar que, nalguns dos casos, há muito que se ultrapassaram todos os limites.
Sempre escrevo sobre pessoas, mas por respeito, por impossibilidade de expor sentimentos, emoções e vidas que não me pertencem, não as nomeio. Não as nomeio, porque falo de mágoas, tristezas, risos e alegrias que são de outros, embora, se pensarmos bem, sejam de todos nós, de todos os seres humanos, de aqui e de lá. Somos mais parecidos do que julgamos, ainda que, muitas vezes, nos embrenhemos apenas no que nos distingue. É uma desculpa para fechar portas.
Hoje, dia mundial dos direitos humanos, celebramos, mas, ao mesmo tempo, não podemos esquecer que há direitos negados, ignorados e restringidos, mesmo em sociedades como a nossa. Olho de novo a fila. Aumentou. Já não são dezenas, são milhares, milhões, na Europa e no mundo. O desemprego é um problema grave de direitos humanos, porque o direito ao trabalho é, ao limite, o direito à auto-estima e à dignidade humana, algo fundamental, portanto.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Tropa de elite, o filme

Todo o filme é perturbador. Tem um dramatismo e uma intensidade tais que, durante o mesmo, quase não conseguimos pensar. Tudo se mistura: traficantes, consumidores, pessoal da Ong - uns altruístas, outros que trabalham aí apenas para poderem ter acesso mais fácil à droga, tornando-se traficantes eles próprios – pessoas que sobem e descem, policias corruptos, polícias sérios, os que não entendem o sistema, os que querem mudá-lo..., um quotidiano policial que, no caso da tropa de elite, encarregue de fazer a segurança do Papa,  em 1997,  é demasiado perigosa.
Como sempre, são os sentimentos a fazer as grandes histórias – o protagonista, o capitão Nascimento, comandante daquela patrulha – não resiste ao pedido da mulher que lhe entra na esquadra e pede: “Quando posso enterrar o meu filho?” “Não matámos o seu filho”. O filho tinha sido morto a mando de Baiano, o comandante dos traficantes, por ter quebrado alguma das regras, sabe-se bem como estes sujeitos são implacáveis. Tem de encontrar aquele jovem, para que a mãe o possa enterrar. Sobe a favela com outros policiais, percorre becos, interroga, tortura mesmo, de forma pouco ortodoxa, outros rapazes na intenção de o encontrar. 
Assistimos à sua desorganização mental, às consultas de psiquiatria, aos comprimidos, à violência continuada, ao subir e descer constante, à família que fica para trás, não se está quando a mulher faz a primeira ecografia, não se está quando nasce o filho. Não se pode estar, simplesmente. Maldita vida, tem que sair da policia, quer sair. Não aguenta mais, mas não pode deixar a patrulha sem comando, inicia um curso, tem de deixar alguém a siubstitui-lo, treina um grupo de homens de onde sairá o chefe da BOPE,  E saiu,  Neto,  um policial incorruptível, que é morto as ordens de Baiano.  Mais uma vez os sentimentos, o capitão Nascimento não sairá sem que Baiano seja capturado e morto; é então quando Matias, amigo de infância de Neto,  toma o comando, por impossibilidade de dizer não. Ficamos com a certeza de que ficou bem entregue, mas atormenta-nos a ideia de que continuarão os tiros, as mortes e tudo o mais, pois, por mais eficiente que seja a repressão, ela nunca dá as respostas desejadas.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Queimadas com ácido, mulheres paquistanesas

No Paquistão rural, onde as “questões de honra” são mais marcadas, mulheres são regadas e queimadas com ácido, pelos maridos, pais, irmãos mais velhos ou prometidos (o casamento por amor é uma miragem) por ousarem dizer não. São mulheres, algumas ainda crianças, que vivem num círculo fechado e em circunstâncias de total submissão. Desfiguradas, feridas, sem discurso, sem direitos, escondem-se para fugir de mais humilhações. Mas, ninguém foge de si próprio, mesmo que encerre todas as portas e feche todas as janelas, até, porque um dia alguém vem bater-lhes à porta. Há sempre redenção, aí, está o trabalho da ONG “Volver a Sonreir” e de outras ONG’S que lutam diariamente para devolver a dignidade a estas mulheres que um dia se viram no fundo do poço.

sábado, 26 de novembro de 2011

Médicos do Mundo

Os Médicos do Mundo fazem trinta anos de trabalho humanitário, mas não vão comemorar a data. Dizem que, hoje, infelizmente, a sua actividade está mais dificultada que há decadas atrás e, nalguns casos, mesmo  ameaçada, como acontece na Somália, no Sudão…, onde as condições de segurança se têm vindo a degradar, com raptos, etc. São cooperantes que, em nome de princípios, não querem escolta, entendem-na como  algo contranatura, naquilo que é o seu desígnio mais fundamental, a ajuda aos que precisam cuidados médicos e a sofrem a maior miséria e dificuldade, estejam em que lado estiverem do conflito. Pagam caro esta posição, agora mesmo há cooperantes em mãos de raptores.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Violência doméstica

hoje assinala-se o dia mundial contra  a violência doméstica. em Portugal morreram, este ano 23 mulheres. Demasiado, uma seria já demasiado. Aumentaram as denuncias os pedidos de ajuda, pensa-se  que a crise social em que estamos mergulhados não ajuda ao problema, antes, o agrava. É uma violação tão  grave dos direitos humanos|
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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Síria, continua a repressão

Continua a repressão sobre o povo e os opositores ao regime, apesar da posição da Liga Árabe e dos compromissos de abertura. Confirma-se a impossibilidade das ditaduras se reformarem, se abrirem. De que têm medo os ditadores? Do povo? Da sua consciência? Da incapacidade de olhar a realidade e de lidar com ela? Os ditadores são cobardes, reprimem até a última, prendem, matam, e, quando já não há alternativa, fogem (até o ditador líbio, que jurou ficar, se preparava para fugir quando foi morto). Sempre fogem, Bashar al-Assad fugirá, também. Quando e a que preço é sempre a questão.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Crise, sempre há dias de sol

Mesmo no Inverno mais rigoroso, há sempre dias de sol. Por maior que seja a crise, por maior que seja o sofrimento e a descrença, a ideia de que há sempre uma saída não pode abandonar-nos. São cada vez mais as famílias insolventes, os desempregados, os que precisam de ajuda. Muitos recorrem à igreja e outras a instituições, onde parece haver sempre alguma coisa para dar. Solidariedade, existe e precisa-se. Acreditamos que nem tudo está perdido; acreditamos que são apenas dias de Inverno.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O massacre de Santa Cruz

Passaram, dia 12 de Novembro, vinte anos sobre o massacre no cemitério de Santa Cruz, Dili, Timor Leste, quando a tropa indonésia ataca as pessoas que assistiam a um funeral. Recordo o ataque, a desordem, uns a fugir para um lado outros para o outro, mas tenho gravado, sobretudo, a imagem de dois jovens, irmãos, junto a um dos muros no interior do cemitério, um é baleado e está a esvair-se em sangue e o outro sustém-o nos braços. O jovem acaba por morrer, aliás, quase assitimos ao último suspiro É trágico, ainda hoje.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sete mil milhões de habitantes, na terra

A superpopulação de alguns lugares do mundo, sobretudo na Ásia, com a China e a Índia à cabeça, coloca preocupações à ONU e a outros organismos. Assusta o paradoxo, se compararmos esse facto com a Europa e o mundo ocidental, com um decréscimo populacional e um envelhecimento crescentes. Uma natalidade a ritmos tão desiguais parece  anunciar  mudanças demográficas e humanas inevitáveis a não muito longo prazo. E como sempre somos espectadores. Parece que ainda não pensámos verdadeiramente nos desafios que esta siutuação colocaao mundo globalizado em que vivemos.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Líbia, a sharia

O que significa a sharia, para o conselho de transição líbio que, ao declarar o pais livre, declarou também a sharia como lei fundamental do país? Significa, pelo menos, que a futura constituição líbia terá como fonte inspiradora a lei islâmica. O problema, dizem os moderados, não é a sharia, mas como se interpreta, há várias escolas, das mais integristas, como o caso do Irão e da Arábia Saudita, de tradição xiita, às mais moderadas, como o Egipto e a Turquia, de tradição sunita. Seja como for, para os valores ocidentais, parece um passo atrás, pelo menos no que respeita aos direitos das mulheres, com toda a certeza. E isso é preocupante.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Síria, a repressão continua

Nas ruas  morre-se por  erguer a voz contra o ditador instalado em Damasco; morre-se pela liberdade e os direitos civis mais elementares; morre-se por querer ser livre. A liberdade, o primeiro de todos os direitos, reprimida a ferro e   fogo pelos que, ignorando tudo e todos, permanecem de olhos vendados ao movimento de libertação dos povos. Imparável, há muito tempo e que, finalmente, chegou ao mundo árabe.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

As imagens de Kadafhi

Temia que acontecesse o que vimos, brutalidade, espectáculo público, desnecessário, a meu ver. Pode, até, ser compreensível de vários pontos de vista, mas não do ponto de vista da lei internacional e da democracia. Os ditadores, todos, deviam ser capturados, presos e julgados.  Devem ser confrontados com os seus actos e as suas cumplicidades. No caso presente, eram muitas e variadas, sabe-se, basta ver a longa lista de dirigentes que se deixaram fotografar a cumprimentar o ditador. Morto, como está convém a quase todos, é a política internacional e os seus interesses no seu melhor.

A Líbia, os direitos humanos

Organizações internacionais, a própria ONU, pediram já um inquérito à morte de Kadhafi. Para a civilização, para a construção de valores universais de justiça penal e de cidadania global, era importante que Kadhafi tivesse sido julgado pelo TPI (Tribunal Penal Internacional). O modo como os novos dirigentes líbios tratarem a questão dos direitos humanos dirá muito do que pretendem fazer e do futuro daquele povo. Temo que a referência, ontem, à sharia, lei muçulmana, traga fundamentalismos desnecessários. Outro abuso já evidente tem a ver com o modo como têm vindo a tratar muitos subsarianos, a quem acusam de mercenários de Kadhafi. .

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Kadhafi, o fim

Eu que abomino ditadores, assassinos, e que já várias vezes aqui escrevi sobre Kadhafi, gostaria que o tivessem capturado e entregue ao TPI (Tribunal Penal Internacioal), para ser julgado e condenado, embora fosse quase certo que uma vez apanhado seria morto, é a psicologia humana a funcionar.   O meu argumento é sempre o mesmo, mostrar a todos os ditadores do mundo que há leis e instituições internacionais que  funcionam e punem quem merece e deve ser punido, que não estão a salvo, que há forma de os responsabilizar.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O movimento dos indignados

Falha tudo, falham os Objectivos do Milénio,  definidos pela ONU, um deles era a erradicação da pobreza até 2015, falham os governos, falha a política, falha  uma ideia de globalização que mais não fez que encher os bolsos dos especuladores do dinheiro. Não se percebe, o mundo parece um baralho de cartas, prestes a desmoronar-se. E o pior é que não há soluções, é já certo que as altas instâncias não sabem o que fazer. O povo percebe isso e começa a mexer-se, os cidadãos manifestam-se, ocupam as ruas, as praças, indignados com o que está a acontecer e com o que virá por aí.

domingo, 16 de outubro de 2011

Fome, são milhões

Catorze milhões de pessoas, nos países do  chamado Corno de África -  Somália, Quénia, Etiópia -  em situação de  subnutrição, por causa da seca e das más condições alimentares.  Os refugiados somalis que fogem de um país em total caos, onde  sobreviver é impossível, são o grupo mais vulnerável, andam centenas de quilómetros, a pé, até encontrarem um campo de refugiados, no Quénia, onde pelo menos terão uma ajuda de emergência, comida, medicamentos e uma tenda  para se abrigarem. Parece pouco, e é, mas para eles é a diferença entre a vida e a morte.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Ficava-lhe tão bem, a blusa

Era uma blusa de algodão muito fininha, de uma malha rendilhada, verde alface, pouco forte, muito bonita, que lhe ficava muito bem. Poucas vezes tinha  sido vestida, estava nova, embora tivesse já muitos anos. Sempre viajava com a dona, em viagens, em férias, mas depois não era vestida, por ficar curta, talvez.
- Tenho uma blusa bonita, quase nova, mas não sei se te serve?
- Serve, de certeza; posso experimentar.
- Vou buscá-la e se te ficar bem, podes ficar com ela. Finalmente, a blusa verde alface ia servir para alguma coisa. Podia sair da mala, percorrer as ruas, ir à escola, ao mercado, e quem sabe, até, às festas. Iria ser usada, ter o destino que merecia, afinal.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Demagogia e o mais

O buraco financeiro na Madeira é enorme, não se esperava tanto, embora, para o comum dos mortais, que visitasse a ilha, fosse perceptível a impossibilidade daquele desenvolvimento ser sustentável. Mas, o que mais incomoda é o tom desafiador do presidente do governo regional, como se o que fez fosse uma coisa de somenos, usando toda a demagogia e todo o populismo: tudo em nome do povo, para o povo - escolas , hospitais, centros de dia, lares da terceira idade..., nenhum esbanjamento, nem um cêntimo mal gasto. Tristes políticos! 

sábado, 17 de setembro de 2011

174, Última Parada

É um filme sobre meninos da rua, no Rio de Janeiro. Tem tudo o que estamos à espera: violência, tráfico, consumos, roubos, favelas..., a sobrevivência mais absoluta. O que mais impressiona é a escalada de uma criança, Ale, no mundo do crime. Impressiona ver como se perdem valores, sentimentos, referências..., como se passa por cima de tudo, como se engana, mente, trafica, mata...e, consequência inevitável, um dia é-se também assassinado. Ale foi capturado e morto a tiro pela polícia, na última paragem do  autocarro 174, quando levava a cabo mais um sequestro.  Assistir à desumanização  deste jovem, quase criança, sem que ninguém tenha podido fazer nada, nem a  (suposta) mãe que, julgando ser o filho que o pai lhe tirara dos braços ainda criança, faz tudo, tudo mesmo, para o recuperar; nem Valquíria, a senhora da associação,  que, embora não desistindo dele, lhe diz, "não posso ajudar quem não quer ser ajudado". Há na vida do jovem uma espécie de precipício,  um buraco negro, sempre cada fez mais fundo, de que nunca se vislumbra vontade de sair, como se uma inevitabilidade lhe perturbasse o ser e lhe marcasse o destino.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A bala assassina, destruam as armas

A mãe pássaro está aflita e chora desde a hora que o filho mais novo saiu de casa. Pediu-lhe muitas vezes para não sair sozinho para muito longe, porque não tinha prática de voo, porque não sabia bem como evitar o perigo e fugir das armadilhas. Mas ele, um pouco rebelde e convencido que sabia tudo – sim, que às vezes os jovens pensam que sabem tudo – não ouviu a mãe e partiu.
Hoje, chegou ao bando a notícia da sua morte. Quem terá coragem de dizer à mãe-pássaro que o seu filho morreu?
Morreu com um tiro certeiro que alguém lhe atirou. O chumbo mata e o homem que usou a carabina sabia disso. Não é inocente, comprou e aprendeu a usar essa arma que mata. Já matou e pode continuar a matar. O passarinho morreu por nada e para nada. Não morreu contra um rochedo quando treinava o voo, não morreu numa missão da sua vida de todos os dias como seja a procurar alimentos. Morreu porque o homem que o matou sente prazer em aperfeiçoar a destreza do tiro e contemplar o espectáculo da morte.
Eu sei que este homem não compreende, nem nunca poderá compreender, as lágrimas da mãe-pássaro. Hoje, essa arma matou o pássaro e mesmo que o homem amanhã a venda continuará a matar, sabe-se lá onde, sabe-se lá o quê. O perigo é ela existir.

sábado, 10 de setembro de 2011

Nas margens, sei que são ciganos romenos

O sinal ficou vermelho; paro no cruzamento. Uma jovem mulher, com um filho  mais à cintura que ao colo, aproxima-se de mim e entrega-me uma folha de papel. Leio: “Sou romena, tenho 5 filhos, preciso de ajuda para comer. O meu marido está muito doente".
Não sei se é verdade, ninguém sabe, estratagemas deste género são às dezenas. Pode ser mentira, claro,  mas não é mentira a sua fragilidade, o seu aspecto, a vida desgraçada que leva.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Idosos

Saiam do hospital, da consulta externa de cardiologia. Tinham ambos oitenta e muitos anos, usavam bengala, cada um apoiando-se nela, ao mesmo tempo que se apoiavam um ao outro com o braço livre. Não era fácil ver quem apoiava quem, tal era a fragilidade dos dois. Esperavam um táxi, naquele dia chuvoso de início de Setembro. Quando o táxi chegou, tiveram de descer cinco ou seis escadas, o que parecia algo impossível; a dificuldade dela em mexer os pés, em começar a andar, impressionava; ele atento, a querer ajudar, sem poder, que afinal era quem mais precisava de ajuda, foi ela que o apoiou, deu-lhe a mão e desceram. Entretanto, o motorista, já fora do carro, ajudou-os a entrar. Partiram, espera-os, à chegada a casa, o mesmo esforço, a mesma dificuldade, a mesma preocupação, preocupação de um pelo outro, disso tenho a certeza. Não sei se estas pessoas são já vítimas dos cortes no transporte de doentes às consultas, talvez sejam, é certo que, se fossem numa ambulância, teriam outro apoio e outro conforto. Sempre foi difícil ser velho, mas temo que seja cada vez pior.










quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Crise social, desemprego e o mais

Quando este governo iniciou funções, tínhamos  (eu pelo menos tinha) a impressão de que haveria uma luz ao fundo do túnel, sem mentiras, falsas ilusões, etc. Mas a situação interna e externa
 é de tal ordem que parece não existirem soluções, pior, há propostas, de economistas e altos dirigentes, aqui e na Europa, mesmo antagónicas. Caminhamos para onde? Está difícil ver claro. 

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Líbia, a guerra

Na guerra,  já o sabemos,  ultrapassam-se quase todos os limites. A maldade, o  terror e as bombas,  andam à solta. O amigo, o vizinho de ontem, pode ser o atirador, o assassino de hoje. Aquela jovem de 16 anos, entrevistada pelo repórter da euromeus, matou  16 homens,  que os soldados de Kadhafi lhe iam trazendo de dois a dois, diz que o fez porque foi obrigada,  porque senão seria morta: "Ou matas ou morres tu", diziam-lhe.  Diz  que baixava os olhos,  sempre que atirava.  Não guarda nehum rosto. Será defesa, estratégia ou necessidade? Talvez seja impossível matar a quem olhamos o rosto, face a face.

domingo, 28 de agosto de 2011

Kadhafi, a queda

A tristemente célebre frase: “Todos os ditadores morrem”, denunciando a impossibilidade de alguma vez saírem de cena de outro modo, tal o domínio e a alucinação que têm pelo poder, não se cumpriu, desta vez, mas sabe-se bem à custa de quantas vidas e de quanta destruição.
Kadhafi parece definitivamente encurralado. Ele, os filhos e o séquito que, durante décadas, 42 anos, mais precisamente, dominou e explorou um território e um povo, como se fossem donos do país e das pessoas, vão ter de prestar contas. Festeja-se nas ruas. A transição será difícil, a democracia será difícil, mas o poderem olhar-se nos olhos uns aos outros como cidadãos livres e iguais, parece ser um adquirido, a comunidade internacional estará evidentemente atenta e cooperante, como lhe compete. Kadhafi é um louco, inebriado pelo que seja, merece ser julgado, tal como os filhos e os colaboradores mais próximos, pelo Tribunal Penal Internacional, o que fez ao povo líbio, a quem devia proteger, é um crime contra toda a humanidade.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O assassino de Oslo

Ontem, o assassino de Oslo voltou à ilha, onde matou sessenta e nove jovens, para uma reconstituição do massacre, durante oito horas. Dizem que não mostrou qualquer arrependimento, apesar de alguma emoção. Haverá alguma redenção para pessoas como este norueguês? Será possível alguma réstia de humanidade, em pessoas como este sujeito? Não sabemos, ou melhor, não sei. Durante muito tempo,  acreditei que há a humanidade para lá do ser humano, que cada ser concreto é habitado por um infinito que nos surpreende e desarma, embora, perante desequilíbrios tão chocantes, como o do caso em questão,  tenhamos que  pensar que uma finitude implacável, cruel e mesquinha,  espreita em cada vez mais pessoas. Por todo o lado, actos tresloucados ocorrem, com justificações muito parecidas.  Há demónios à solta,  ninguém está a salvo.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Desordem e violência em bairros de Londres

Nada parece novo, nem inesperado, já vimos, antes, o mesmo  cenário, em França, por exemplo. Mas o que aqui parece ser novo é a idade dos jovens e a quota parte de diversão que esta violência parece ter. Sem escola e sem clubes de ocupação dos tempos livres, tomam a rua por casa e o alheio por seu. Nada justifica esta violência , este vandalismo,   mesmo se quisermos invocar o desemprego, a crise e a vida sem esperança nestes bairros. Nada justifica o que está a acontecer,  mas temo que o rastilho, uma vez lançado, deixe mossas profundas, porque  o pior  é começar, um sentimento de revolta e vingança apodera-se dos grupos e  vão acontecer desgraças maiores, há já um morto.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Secção Portuguesa da Amnistia internacional: 30 anos

A  Aminstia Internacional - Portugal, faz trinta anos, a propósito desta data,  a RTP2  vai passar, domingo, às 19:30, um documentário sobre o trabalho feito em Portugal, nestes anos.  Muito se lutou pela defesa e protecção dos direitos humanos, numa primeira linha pelos direitos civis e polítios, mas também pelos direitos económicos e sociais, na convicção de que os direitos são interdependentes e não
é possível defender uns enquanto outros são violados.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

...toda a humanidade é rosto, Lévinas

Quem é esse outro que me responsabiliza e me humaniza continuamente? Esse outro que ocupa o lugar a meu lado, em frente ou atrás de mim, no transporte público, na repartição, no teatro, na rua, na casa onde vivo… Esse outro que vejo sentado no muro de um qualquer lugar, que trabalha comigo no mesmo campo, na mesma escola, no mesmo hospital… Esse outro, meu vizinho, meu amigo, meu irmão, meu filho…?
Algumas são pessoas a quem julgo conhecer bem e de quem, aparentemente, poderia falar. Mas, por mais que eu pudesse dizer acerca delas, nunca diria verdadeiramente quem são; o outro é alguém que não se deixa encerrar em nenhum conceito ou representação; o outro é e permanecerá um desconhecido, desde logo, para mim mas também para si próprio.
O outro é rosto. Não o rosto físico, percepcionado, que poderíamos descrever; mas o rosto metafísico, infinito, exterior a toda a ordem, a todo o significado, que se anuncia, na sua epifania. A manifestação do rosto é linguagem, discurso, fala, significado.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Interculturalidade, para um diálogo entre culturas

Vivemos num mundo em que os grandes sistemas ideológicos já não respondem à organização e ao viver social. Tudo gira em torno da economia e dos mercados, num inexorável movimento de globalização que cria inevitáveis dezenraízamentos e sentimentos de exclusão; já não somos verdadeiramente de lado nenhum, ao mesmo tempo, que somos de todos os lugares. Este sentimento de não pertença, faz toda a diferença quando se trata de pensar as questões da convivência intercultural, na procura de uma perspectiva fundamentada que permita práticas sociais e cívicas concretas, para o enquadramento de leis, a definição de políticas e planos de acção, envolvendo pessoas reais – imigrantes, grupos étnicos, religiosos...

domingo, 24 de julho de 2011

Terror na Noruega

O 1º ministro norueguês fez um discurso emotivo: "vamos cuidar uns dos outros, vamos chorar juntos, vamos reagir unidos", como se a desgraça fosse de todos, e, de algo modo, assim é. Ao mesmo tempo, que se mantêm firme nos princípios: "quero dizer a quem fez isto que a democracia vencerá". Percebe-se a incredibilidade, o não acreditar no que está a frente de todos, a vulnerabilidade das sociedades actuais é enorme, num dia, numa hora qualquer, rebenta uma bomba, um louco fanático mata dezenas e dezenas de jovens, quase crianças. O pior foi quando se constactou  que afinal não se tratava do terrorismo islamico, mas de um cidadão norueguês, católico, igualmente com ideias fundamentalistas. O fanatismo, os seus actos e as suas consequências são desgraçadamente iguais.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Reciclar

Vejo-o passar com um caixote cheio de garrafas de vidro, presas com esticadores ao estrado da bicicleta.  Tem quase setenta anos. Vai levá-las, como fazem muitos outros, mais novos e mais velhos, ao contentor  respectivo para posterior reciclagem. É uma imagem que me vem intrigando, como é que a separação do lixo parece ser um sucesso nesta aldeia do interior, com gente tão idosa a aderir? Talvez não o façam  pelas mesmas razões das pessoas da cidade ou dos mais novos, não sei se têm a consciência clara do que é reciclar, mas sei que a ideia de  transformar, do velho fazer novo, de poupar,  é algo que viveram na infância e juventude, quando os tempos eram difíceis e não havia abundância de nada. A simples ideia de servir para outra coisa, é suficiente para aderirem à reciclagem, parece-me a mim. 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O índio sábio

Hoje encontrei um índio. Estava vestido como o do postal, mas não era um homem de postal. Tinha uma história e quis contá-la. Alguns pararam para o ouvir e eu também parei.
Não me impressionou o seu ar diferente, a sua roupa estranha, as suas penas na cabeça, impressionou-me o que disse, porque parecia um homem sábio. Não quis falar dele mas do seu povo, não quis falar das suas coisas mas da terra de onde vinha e dizia que pertencia a todos.
Falou do passado e disse-nos que há muitos, muitos anos, mesmo muitos, todos eram irmãos nós e eles, ninguém queria as suas terras, ninguém incomodava as suas caçadas, ninguém corria atrás das suas vidas. Estavam juntos, viviam lado a lado respeitando a natureza, as árvores, os rios as montanhas e as florestas.
Alguém destruiu o que era deles, sem pedir ordem, sem pedir licença, sem consideração. Alguém invadiu e roubou os seus haveres. Isso é maldade.
Os índios não querem donos, nem patrões, nem homens brancos que apareçam a ensinar tudo e nada queiram aprender em troca, é que os índios têm muito que ensinar-nos.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Órfã, muitas vezes

Estava sentada, bem lá no fundo do pátio, sozinha, como se quisesse entrar no interior de si mesma e perscrutar, até ao limite, o inferno que a consumia, em vez de o afastar, distraindo-se, concentrando-se noutra coisa,. Inferno que a consumia, sim, que ninguém pode viver, por muito tempo, com tamanha mágoa, sem cair num poço sem fundo, num abismo existencial.
Como a mãe lhe fazia falta! Nunca podia ter imaginado o quanto! Se não fosse a avó, não aguentaria. Ter treze anos e ficar sem mãe, quando já não se tem ou não se sabe quem é o pai, é ficar órfã muitas vezes, numa deriva que não sabia até onde poderia ir. A mãe era a luz, o colo, o porto seguro..., agora, tudo ruíra, o seu mundo ruíra, como não julgava possível acontecer.
Era-lhe insuportável estar com as outras pessoas, falar, conversar..., quase se esquecera que lá fora o mundo continuava, tudo continuava, tinha de fazer o luto, sabia-o, pois não poderia viver por muito mais tempo encerrada numa dor e numa solidão que não a conduziriam a lado nenhum. 
- Quem é o meu pai?- pensava e perguntava, continuamente.
- O teu pai morreu - ouviu muitas vezes a mãe dizer-lhe.
- Mas quem é? Podes dizer-me quem é, devo ter outros irmãos, outra família, só metade de mim parece existir, uma nuvem de silêncio se espalha sobre tudo o que tenha a ver com o meu pai, e isso sempre me entristeceu.
- O teu pai já morreu - dizem-lhe também a avó e os tios.
- Mas se morreu, porque não dizem quem foi! Não é por isso que deixa de ser meu pai!
Nunca precisara dele como agora, mas como poderia encontrá-lo sem ajuda?
- Talvez, a minha mãe dissesse a verdade e ele esteja morto ou talvez ande por aí e o destino um dia nos una, aliás, já vive em mim, fantasiado ou real, não sei. E bonito o meu pai, elegante, boa pessoa.... Talvez, seja de Maputo ou de outra cidade e a a minha mãe se tenha  perdido dele mesmo antes de eu nascer, talvez seja de uma vila à beira da estrada. Talvez seja ...

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Criança afegã armadilhada

Há dois dias,  uma criança de oito anos morreu, quando os assassinos - extremistas talibãs - que a armadilharam, a fizeram explodir por controlo à distancia. Estava destinada a fazer explodir uma esquadra de polícia, mas por erro de cálculo não chegou lá. Haverá alguma coisa mais terrível do que armadilhar crianças, usando-as para cometer actos terroristas? Na semana  passada, outra criança tinha sido armadilhada para matar pessoas num mercado da cidade, foi felizmente desarmadilhada a tempo, evitando-se a explosão, mas não o medo que vimos nos seus olhos. Actos como estes mostram bem até onde pode ir a maldade humana.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

(Des)medida

"Dizem os sábios que um dia vos apagareis" - gritou o pirilampo às estrelas.
As estrelas não responderam.
                                                                                                     (Tagore)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Todos lhe querem bem

-  Artur está connosco há catorze anos, para mim é como um pai, vejo-o como um pai. Quando  ficou connosco  estava sozinho no mundo, não tinha ninguém, andava sempre "borrachinho", fumava e bebia, fumava e bebia, quase não falava, ainda agora quase não fala... Começou  a ficar magrinho, cansado, quase sem se poder arrastar, disse para a minha irmã: o Artur tem algum mal ruim. Foi ao médico, mandaram-no fazer exames, e o que se temia confirmou-se: cancro nos pulmões. A doença dele está a dar cabo de mim, não aguento, até o meu marido, quando lhe disse do Artur, chorou, estou casada há dezasseis anos e nunca o tinha visto chorar. Sabe, Artur é especial, deixa-se querer, como hei-de explicar isto..., é bom, todos lhe querem bem, já disse aos meus filhos pequenos: não arreliem o Artur que ele está muito doentinho. Trato-o o melhor que posso, vou fazer tudo o que puder por ele.

E fez, mas Artur não sobreviveu. Morreu dois meses depois.  Será que alguma vez soube o quanto era amado por esta família de feirantes, que ganhava  a vida de feira em feira, explorando  o negócio de uma pista de carros eléctricos? 

(Sobre um documentário passado na RTP2)

domingo, 19 de junho de 2011

Leram árabe para mim

Vivem perto de Lisboa, frequentam escolas públicas e também aprendem a ler árabe, numa espécie de cartilha, para aprenderem o Alcorão, nas madraças junto da mesquita. Andam dois ou três anos a  aprender  o árabe básico, a língua, as palavrinhas, o vocabulário.... As madraças são escolas de catequese, abertas uma ou duas horas por dia, frequentadas por meninos, até aos dez, onze anos,  que memorizam o Alcorão, ritmadamente, com  gestos próprios, inclinando-se sincronizados. Aprendem, ainda, a moral e um pouco da história da religião.  Fico a pensar no sentido e na importância das crenças que todos temos.  Recuo à minha infância, às minhas lições de catequese, aos dias sem perguntas difíceis.

sábado, 18 de junho de 2011

O gémeo subnutrido

Estava ali, embrulhado num pano roxo, nu, à espera de morrer desnutrido, quando o médico da região, que conhecia o caso, e alguém da Cruz Vermelha o vieram libertar da morte. O médico que o tinha atendido no posto local pergunta à mãe:
-Por que não foi à cidade internar o seu filho? Dei-lhe as guias para ser visto no hospital e ser integrado no programa alimentar.
- O meu marido disse que não valia a pena – cala-se, olhos no chão, e prossegue – não tenho dinheiro para o transporte. Como são gémeos, não tenho leite para os dois, um vai ter de morrer.
- Vai ter de morrer?
- É assim, o que sempre acontece, sem possibilidade de serem alimentados devidamente.
- Não, vamos salvá-lo.
Convencida a família, que resiste, porque o marido está fora e precisam da sua autorização, caminham para o hospital, pensando na possibilidade de salvação para aquela criança, tão pequena, quase recém nascida.
É internada e observada por um enfermeiro entendido em situações semelhantes. Ele faz uma expressão de alegria e todos respiram de alívio.
- Tem boas possibilidades de se reabilitar - deu-lhe imediatamente um medicamento - ficará  internada por semanas e entrará no plano de alimentação tal como o irmão gémeo.
Este bébé livrou-se da morte certa, por um acaso, num dia em que  uma equipa estrangeira, em reportagem pelas longínquas aldeias do Níger, se  depara com este cenário, demasiado comum, infelizmente: uma família assistindo à morte lenta de um dos seus filhos, porque a mãe não pode alimentar os dois e não têm dinheiro para adquirir leite de substituição.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Casamentos forçados, não queriam casar

Viviam lá bem no sul da Guiné-Bissau, numa zona onde as tradições familiares são pesadas, mesmo que tenham passado os anos e a vida tenha  trazido novos saberes e novos mundos. Há pontos intactos, rituais e tradiçõs ancestrais que se cumprem como desde sempre, com medo de feitiços, de desgraças,  de ficarem mal faladas...
Estes casamentos forçados, quase sempre com homens muito mais velhos, deixam as jovens em profundo desespero, cercadas por um compromisso familiar, impedidas de tudo, de ser quem são, de se desenvolverem como devem, de ser pessoas inteiras, de irem  à escola, de brincarem, de escolherem. Muitas têm apenas uma saída, fugir das famílias, para muito longe, quase sempre para a capital.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O desmoronar da Grécia

Assistimos às imagens da greve geral, aos confrontos com a polícia, e vemos no ar um misto de desespero, de baixar os braços, como que a adivinhar a queda. Mas de que cai a Grécia? De que caem os gregos? São todos culpados ou há uns mais culpados do que outros? Sempre se construiram e desmoronaram impérios, sempre se  fizeram e desfizeram civilizações,  por poder e ganância, sempre se espalharam as guerras e os  infortúnios... 
Hoje, parece claro que só mudaram as tropas e os canhões,  o infortúnio é o mesmo. Chamam-lhe mercados, economia global,  dívida externa e  sei lá que mais. Pode lá ser!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

A política,senhores!

Talvez, hoje ou amanhã, se saiba quem vai integrar o novo governo  deste país. Vivemos há demasiado tempo em suspenso, sem saber ao certo o que nos vai acontecer. Salvar-se-à Portugal  da renegociação da dívida? Seguirá o caminho da Grécia? Parece que ninguém sabe. Estamos atordoados,  ainda incrédulos. Como podem ter deixado o país neste estado e saírem em festa? Tristes políticos, tristes farsantes!

domingo, 12 de junho de 2011

Ratko Mladic, criminoso de guerra

Foi preso este general sérvio da guerra contra a Bósnia. Andou dezasseis anos a monte, com cumplicidades várias, se não há muito que teria sido capturado. É responsável pelo massacre de Sebrenica, sete a oito mil muçulmanos mortos, enterrados em valas comuns, que só muitos anos mais tarde foram encontrados. Podíamos chamar-lhe um monstro, e é um monstro. Como é que se pode matar alguém por ser desta ou daquela religião, por ter esta ou aquela ideologia! A maldade humana não tem limites.
O TPI (Tribunal Penal Internacional) para a Ex-jugoslávia pode agora julgá-lo e condená-lo, como já fez com outros responsáveis por crimes de guerra. É um exemplo e um aviso para todos os que continuam a matar, para todos os “kadafis” desta vida, que julgam poder fazer o que lhes apetece, como se incarnassem eles próprios qualquer espécie de legitimidade. Serão julgados, o TPI não é uma miragem, e ainda bem.

Crianças de Maputo

Era um grupo de meninos, seis, sete, que tomavam banho, numa espécie de lago, numa das saídas de Maputo. Pareciam felizes, tal a algazarra e tais as brincadeiras que faziam. Observo-os, durante algum tempo. Dizem-me que são meninos de rua que sobrevivem revoltando os caixotes do lixo dos hotéis e das zonas ricas da cidade, e que, a maioria, não regressa a casa, nunca. São meninos fechados na rua, que deambulam perdidos de si mesmos, das famílias, das instituições públicas e das ONG’S, que as há, mas que eles repudiam por impossibilidade de cumprirem qualquer regra, de assumirem qualquer compromisso, de quererem qualquer proximidade. São crianças muito vulneráveis, entregues aos perigos das máfias e outros abusos. 

domingo, 22 de maio de 2011

Líbia, mortes no mar

Fala-se de um naufrágio, entre trezentas a seiscentas pessoas, mortas no Mar Mediterrâneo, quando tentavam alcançar a ilha italiana de Lampedusa. Não há certezas, mas parece certo que o barco saiu de Tripoli. Outro caso é o relato de uma embarcação com quase duas dezenas de pessoas, que terá andado à deriva semanas, tendo regressado de novo ao porto de Tripoli, apenas com dois ou três sobreviventes. Isto já é demasiado trágico, inumano, mas parece que há informações (propaganda ou não, não se sabe) de que terão sido avistados por barcos das Nações Unidas que ignoraram os pedidos de socorro. Não acredito que isto possa ter acontecido, talvez se trate apenas de desinformação, de propaganda, de maldade em estado puro do regime de Kadafi, infelizmente, ainda, não suficientemente encurralado.

Ainda sobre o terrorismo

O terror é um sentimento de medo e de impotência levado ao limite. O cidadão comum não tem qualquer capacidade de poder fazer ou controlar seja o que, nem mesmo os estados podem fazer muito. O inimigo é invisível, actua pela calada, em ataques planeados ao milímetro. O perigo está aí, pode estar na rua onde passamos, no comboio que utilizamos, na cidade que visitamos…, hoje, daqui a dias, a meses, a anos ou nunca. É esta imprevisibilidade que aterroriza, que limita as liberdades individuais e a vida dos cidadãos,

Bin Laden, abatido

O símbolo do extremismo islâmico, e pelos vistos ainda operacional, apesar das limitações, foi morto. Quando todos pensavam que seria capturado numa daquelas grutas inóspitas do Afeganistão, surpresa das surpresas, é vizinho de um campo militar no Paquistão a umas dezenas de quilómetros da capital Islamabad. O desfecho parece-me previsível, era quase certo que, uma vez apanhado, seria abatido e o corpo atirado em alto mar, aqui não há surpresa, tudo estava preparado ao detalhe, há muito tempo. Compreende-se que assim tenha acontecido, dada a figura que era e o que ele representava, embora, em conformidade com as leis internacionais e contra pena de morte, devesse ter sido capturado, preso e julgado.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Verdade, mentira ou o mais

A propósito de certas personagens, figuras e figurinhas...

"O pardal, ao ver o pavão com uma cauda tão pesada, tem pena dele"  (Tagore)

terça-feira, 3 de maio de 2011

Sociedades plurais

Ouvimos muitas vezes dizer: “estamos numa grande crise de valores”, “há uma tal diversidade de valores, que tudo parece valer, e isso assusta”. Bem, mas temos de escolher: ou fugimos assustados, entramos em casa e fechamos portas e janelas; ou abrimos a porta e convidamos a entrar. A alternativa não é criar caminhos separados, é, com toda a certeza, ouvirmo-nos uns e outros, partilhar ideias e  estabelecer consensos.

A questão não é a diversidade de valores; a questão  é a dificuldade em encontrar um conjunto de valores comuns que todos estejam dispostos a aceitar – a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aceite por praticamente todos os países, seria um bom ponto de partida   para podermos construir compromissos .

segunda-feira, 2 de maio de 2011

1º de Maio

No  1º de Maio, há coisas que sempre me emocionam, sobretudo,  ver aquelas pessoas, já de idade, muitas delas, que ali estão por convicção profunda em ideologias já velhas e gastas que nunca chegaram a ser "manhãs que cantam" .  Mas, as crenças, ideologias incluídas, dão  sentido, razões, apontam caminhos, preenchem... e isso não é pouco. Vivam  as ideologias, desde que não alienem as consciências.

sábado, 30 de abril de 2011

Liberdades e direitos

Assistimos muitas vezes a discussões absolutamente estéreis. Discutia-se a importância e a prioridade das liberdades civis e políticas face à justiça e aos direitos sociais, citando Rawls, etc., etc.
A realidade mostra que esta discussão não faz o menor sentido, pois, não chega ter liberdade para poder pensar, comunicar, reunir, votar.... e não ter trabalho, passar fome, não ter dinheiro para comer, ir à escola, etc.? É tão evidente que as liberdades e os direitos económicos e sociais têm um carácter sistémico, que o que há a discutir é a sua interdependência e a sua complementaridade.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Síria, continua o disfarce

Continua o disfarce e a prepotência também. Entretanto, um ministro, ou alguém similar, vem dizer que não precisam de um inquérito internacional ao que aconteceu nas ruas, que eles mesmos vão fazer um inquérito rigoroso para saber quem mandou os tanques para as ruas, atacar com fogo real e matar centenas de manifestantes. Hipocrisia, propaganda, uma forma de ganhar tempo. Quem é que acredita nesse inquérito?

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Tagore

Rabindranath Tagore (1861-1941), poeta indiano, prémio Nobel da literatura em 1913, escreve sobre a cultura e a paz universais,  a partir do concreto, apelando ao infinito que povoa a mais simples das coisas ou das situações.  Deixo um dos seus aforismos:
"Se de noite chorares pelo sol, não verás as estrelas" ( in " Coração da Primavera, p.130).

... se cada um pudesse dar valor e desfrutar do que tem, rentabilizando ao máximo  aquilo de que pode dispor,  talvez  entendesse que há sempre alternativas.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Chernobyl

Vinte  e cinco anos depois da catástrofe nuclear, a explosão do tristemente célebre reactor 4, um manto de  destruição,  penumbra e medo, como se de um temível fantasma se tratasse, invade o campo, a vida e  as almas de gerações sucessivas: como será o futuro? Incerto, com toda a certeza, quando continuam a sofrer-se os efeitos da radioctividade, ironicamente atacando os mais jovens com doenças mortais, como o cancro da tiróide.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Descaramento

"Estou aqui a dar o meu melhor", ouvimos um tal senhor dizer. O pior é que o seu melhor, afinal, foi (é) muito pouco. Deixaram chegar o país a isto e querem-nos fazer crer que nada têm a ver com o assunto, que se podem propor de novo a eleições e ser eleitos para representar o povo. Claro que podem, como não, o voto é livre, mas estou em crer que as pessoas não dormem.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Massacre numa escola do Rio de Janeiro

Já por diversas vezes escrevi sobre esta violência extrema, inesperada, trágica, que ensombra as sociedades contemporâneas. Um jovem entra na sua antiga escola e de arma na mão mata doze crianças. Um massacre planeado ao pormenor, durante nove meses, deixando escritas justificações e  motivos, num emaranhado de loucura, desequilíbrio e ressentimento, como se o seu acto pudesse  servir para algo.  Desgraça, apenas, multiplicada por muitas famílias, a sua inclusive (embora pareça  que o seu corpo não foi reclamado por ninguém).

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Ajuda externa, FMI, e tudo o resto

Parece já claro que os portugueses vão perder direitos adquiridos, constitucionalmente assegurados, tudo em nome de um "reajuste" orçamental, como se oitenta mil milhões (ou mais) fosse coisa pouca, quase nada! Porquê chamar falência, resgate financeiro..., mais vale continuar como sempre, minimizando a situação. O cidadão comum que não tem nada a ver com isto pergunta com que direito diminuem o seu salário, a sua pensão, o seu  subsídio de desemprego... Com nenhum direito, com nenhuma legitimidade, mesmo que não haja outra solução. Espero que os políticos que nos conduziram a isto tenham a decência de,  pelo menos,  dizer a verdade sobre o país, as contas, o emprego... Mas não vão fazê-lo,  tenho a certeza.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Desenvolvimento

(Um comentário ...)

É sábia a história da galinha. Mostra bem o que acontece quando as escolhas são erradas. Um dos aspectos mais importantes do desenvolvimento é o planeamento a curto, médio e longo prazo - definir objectivos, diversificar as actividades e proteger os mercados, não se pode produzir para a seguir não se conseguir vender.
Um desenvolvimento sem graves impactos ambientais, que produza tendo em conta os recursos e as condições naturais e também as necessidades das populações, por exemplo, se a base da alimentação é o milho, porque é que se vai apenas plantar café . Um desenvolvimento progressivo, sem saltos, não serve de nada montar a fábrica mais moderna do mundo, equipá-la com alta tecnologia e depois não haver técnicos especializados para operarem as máquinas ou reparar a mínima avaria. Tudo tem de estar em equilíbrio – conhecimentos, ciência, técnica e formação das pessoas.

sábado, 9 de abril de 2011

Uma história sobre o desenvolvimento

(A propósito do questionável modelo de desenvolvimento, a  história da galinha vermelha, que recolhi dum livro da UNiCEF e reescrevi)

A galinha vermelha vivia numa quinta, onde comia o que encontrava. Um dia, encontrou um grão de trigo e pensou que o melhor era semeá-lo para poder ter muitos grãos para comer. Resolveu, então, pedir ajuda a outros animais:
- Quem me ajuda a plantar este grão de trigo? – perguntou ela.
- Eu não – disse o pato – mas vendo-te alguns grãos de café, para tu plantares em vez do trigo e, assim, poderes ganhar muito dinheiro.
- Eu não – disse o porco – mas compro-te o café, quando tu o colheres.
- Eu não – disse o rato – mas empresto-te o dinheiro para comprares as sementes de café.
Convencida pelos outros animais, a galinha vermelha resolveu plantar café em vez de trigo.
- Quem me ajuda a plantar o café? – pergunta ela.
- Eu não - disse o pato - mas vendo-te o adubo para ele crescer forte e produzir bem.
- Eu não - disse o porco - mas vendo-te os insecticidas, para ele não ter doenças e crescer forte e bem.
- Eu não - disse o rato – mas empresto-te o dinheiro, para comprares o adubo e os insecticidas.
A galinha trabalhou muito. Sem ajudas, plantou, adubou e pulverizou. Tinha gasto muito dinheiro, mas estava feliz porque pensava que iria ganhar uma fortuna com a venda do café que iria colher.
- Quem me ajuda a vender o café? – pergunta ela.
- Eu não - disse o pato - mas tu tens necessidade da minha fábrica para o torrares e para o embalares.
- Eu não – disse o porco – toda a gente está a produzir café e os preços estão muito baixos.
- Eu não - disse o rato - mas neste momento, tens que pagar o que me deves.
Só nesta altura, a galinha vermelha viu que tinha cometido um grave erro ao decidir plantar café em vez do trigo. Tinha ficado cheia de dívidas e sem nada para comer.
- Quem me dá qualquer coisa para comer? – perguntou ela.
- Eu não - disse o pato - porque não tens dinheiro para pagar.
- Eu não - disse o porco – porque todos plantaram café e já não há muita coisa para comer.
- Eu não – disse o rato – mas vou ficar com a tua terra em lugar do dinheiro que me deves e não me consegues pagar. Fico com a tua terra, mas podes viver nela se trabalhares para mim.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

O povo cigano

Hoje, é o dia internacional dos ciganos. A Amnistia Internacional inaugura uma exposição e organiza uma tertúlia para  dar visibilidade a uma minoria que tem há muitos séculos permanecido numa espécie de  margem. Os ciganos portugueses, entre quarenta a cinquenta mil, não se sabe ao certo quantos são, vivem espalhados por todo o pais. Mas talvez seja o Alentejo a região  com maior número de comunidades ciganas, muitas delas em grande desintegração social.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Centenas de mortos, em Abidjan

Parece, finalmente, à beira do fim a crise na Costa do Marfim, mas a que custo, pensamos todos! Desde Novembro que o presidente eleito pelo povo, em eleições reconhecidas pela comunidade internacional, não pode governar. O ex presidente perdeu, mas não aceita o facto, fez tudo (e continua a fazer, tem essa ilusão) para se manter no poder. Mesmo agora, quando todos os seus lacaios já o abandonaram, resiste no bunker da sua residência. Que cegueira é o poder! Como irá acabar tudo isto?  Ainda não sabemos.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Reinserção (ou talvez não)

- Para a “bófia” todos aqui são drogados e ladrões.
- E não são, pois não?
- Claro que não. Há “bué” de gente que trabalha e putos que andam na escola.
- E tu andas?
- Não. Já andei, mas não gostava, não sabia nada, era perder tempo. Quando os “cotas” foram dentro nunca mais voltei à escola.
- Os teus pais estão presos?
- Estão, há “bué” de tempo....
Faz silêncio e olha-me intensamente, não sei se com raiva se com súplica, como se eu tivesse alguma coisa a ver com tudo o que lhe estava a acontecer e pudesse ajudá-lo.
- O que é que tem, estarem presos? – Pergunta-me, zangado.
- Eu não disse nada. Esperavas que eu tivesse feito algum comentário?
- Andavam a vender (droga), andavam, e depois? O que é que tem? Também já vendi, agora não vendo, não vou vender mais.
- Costumas ir à Associação?
- Não vou, é tudo mentira. Mentem-me, mentiram-me sempre.
- Não acreditas neles?
- Prometeram comida, trabalho e “cenas” dessas e nada,  muitas vezes passo fome, tenho que roubar, percebe, tenho de roubar, roubar percebe, veja se percebe....
- E tu o que é que lhes prometeste?
- Nada, não prometo nada, não me chateiem, falam de tretas e vem a “bóbia” e vamos presos.
- Achas que vais preso?
- Se vou preso? Todos os meus amigos estão presos, até aos dezasseis anos um gajo anda na boa, depois toma, caem em cima e toca a andar. Qualquer dia vou.
- Podes não ir, isso só depende de ti.
- Não me importo, não me importo mesmo...
- Eu importo-me que tu vás preso e há outras pessoas que também se importam, tenho a certeza.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Somos todos responsáveis

Pergunto ao jovem que me ajudou a arrumar o carro e com quem converso, enquanto procuro uma moeda: - Por que não me olha? Fala sem me olhar.
- Nunca olho ninguém, senhora. Ninguém me olha e eu também não olho ninguém. É assim, e não me importo nada. Estamos quites.
Lembro-me de Lévinas (filósofo, 1906-95) e contraponho: - Eu gosto de olhar as pessoas, penso que os rostos falam. Não acha que tenho razão?
Fico sem resposta, porque, entretanto, chegou outro carro para arrumar. E chegará outro e outro, e quantos mais melhor, até à quantia exacta de mais uma dose, num ciclo infernal (julgo eu) em que aquela vida se transformou.
Aqui, como em muitos outros casos, chegámos ao limite, à fronteira, da não relação. O “o olhar no rosto”, a proximidade com aquele que me olha e a quem eu olho, há muito que deixou de existir. O passo, até à quase desumanidade, está a uma curta distância.

Eu sei que tens razão (desculpa, começar-te a tratar por tu, é uma forma de te sentir próximo), muitos não te olham, não querem mesmo olhar-te. Desejariam que não existisses ou que não te cruzasses no caminho. Se calhar, a maioria, até. Eu mesma, para quê ser hipócrita, desejaria que não estivesses aqui, mas estás e isso não me é indiferente. Por quê, então, negares o olhar a quem deseja fixá-lo, a quem quer ver para além do que aparentas ser?
Dirás que não tenho nada a ver com isso. Às vezes também penso assim. Apetece-me ir na onda e acreditar que ninguém falhou, só tu falhaste, que não tenho nada a ver com o que te está a acontecer. É um problema teu, da tua família, mas meu não.
Outras vezes, reivindico direitos para ti, respostas sociais, que deviam existir (e funcionar) para que não tivesses chegado onde chegaste. Revolto-me. Para que pago eu impostos, para viver numa sociedade que não cuida de quem precisa, num país que deixa cair nas margens cada vez mais pessoas?
Vêm-me à cabeça as perguntas que tantas vezes faço: – Quantos direitos ficaram por cumprir? Quantos te foram negados? Quantos tu dispensaste, porque não quiseste assumir deveres? Que instituições falharam (e continuam a falhar)? Falhou a família, os amigos, as associações, a polícia, o patrão? Terá havido de tudo, quem te tenha aberto a porta vezes sem conta e também quem a tenha fechado muitas vezes.

sábado, 2 de abril de 2011

Público e privado

Li grande parte do livro de Ingrid Betancourt "Até o silêncio tem um fim", sobre os mais de seis anos na selva colombiana. Há partes e descrições impressionantes,  mas por vezes ficamos a pensar até que pronto é legítimo  ela falar, com  o pormenor e a subjectividade (inevitável) com que o faz, dos companheiros de cativeiro, por exemplo, de Clara Rojas (também li o seu livro e não fiquei com a mesma sensação). Julgo que, por mais que seja importante ter relatos destes, há aspectos sobre os quais, envolvendo tão directamente outras pessoas, o silêncio devia continuar e não serem tornados públicos por terceiros,  Há uma linha que não se pode ultrapassar, percebo a polémica sobre o livro, na Colômbia.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Líbia, os rebeldes

Os rebeldes líbios que aparecem nas televisões são o exemplo acabado da desorganização, da impossibilidade de eficácia, apesar da vontade, da justeza da revolta e de tudo o mais, mesmo com os bombardeamentos da Nato. Temo que, passada esta fase, se o regime não cair, os sobreviventes destes homens, sejam fuzilados um a um e exibidos como troféu. É impossível que a Nato não tenha um plano sequente aos ataques aéreos. Parece que a única saída é o regime cair por dentro, o ministro dos negócios estrangeiros, que deixou Kadafi e pediu asilo político na Grâ-Bretanha, é um bom indício.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A pobreza extrema

Em muitas regiões do mundo, as condições de vida agravam-se, a cada dia que passa. Hoje, mesmo, milhões de pessoas irão dormir com fome, sub-nutridas, vulneráveis a doenças e a epidemias que as deixarão marcadas para o resto das suas vidas ou as levarão a uma morte prematura – a SIDA é o caso mais flagrante, com dimensões devastadoras, mas continuam a matar a malária, a tuberculose, a cólera… Nestas condições a emigração clandestina aparece-lhes como a única saída e arriscam tudo para chegar à Europa, que julgam de portas abertas e mesas cheias. Não raro, deparam-se exactamente com o inverso, muitas barreiras e muitas dificuldades. 

segunda-feira, 28 de março de 2011

Refugiados

À ilha italiana de Lampedusa, no mediterrâneo, chegam  vagas de refugiados tunisinos, egípcios e agora líbios, na procura de um lugar seguro para  passar estes tempos de crise ou reiniciar vidas. É certo que todos os países que assinaram a Convenção relativa ao estatuto dos refugiados, de 1951, têm a obrigação legal de receber e acolher dignamente as pessoas vítimas de perseguição, fugindo de conflitos armados ou de tensões políticas, como é o caso destes africanos.
Portugal também assinou esta convenção, de nodo que  todos os anos recebemos refugiados de várias nacionalidades, embora em número pouco significativo. Para lá do apoio do Estado, que tem um centro de acolhimento perto de Lisboa, na Bobadela, existe o Conselho Português para os Refugiados, constituído em 20/10/91, que dá, aos que pedem asilo, apoio jurídico e social, ajudando-os a conseguir o estatuto de refugiados, a conseguir emprego, a aprender a língua…

sexta-feira, 25 de março de 2011

Mãe negra

(a propósito do recente dia mundial da poesia)

Prelúdio

Pela estrada desce a noite
Mãe-negra desce com ela.
Nem buganvílias vermelhas,
Nem vestidinhos de folhos,
Nem brincadeiras de guisos,
Nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
Em duas faces cansadas.

Mãe-negra tem voz de vento,
Voz de silêncio batendo
Nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite descendo,
De mansinho pela estrada...
Que é feito desses meninos
Que gostava de embalar?....

Que é feito desses meninos
Que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora histórias
Que costumava contar?...

Mãe negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo, como eu sei tudo
Mãe-negra!...

Os teus meninos cresceram,
E esqueceram as histórias
Que costumava contar...

Muitos partiram pr’a longe
Quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
Mãos cruzadas no regaço,
Bem quieta bem calada

É a tua voz deste vento,
Desta saudade descendo,
De mansinho pela estrada...

(Poesia de Alda Lara, in Poemas, 1966, Angola, in Os direitos humanos na Língua Portuguesa, )

Tumultos na Síria

Há no ar como que uma espécie de inevitabilidade: quem será a seguir? Se alguém pudesse explicar, com a profundidade que a situação exige, o que se está a passar no mundo árabe, era uma preciosa ajuda.  O que se passa é mais que política, economia, petróleo...,  é da ordem do essencial, do ser pessoa, que, apesar de décadas e décadas de estado de emergência, de estado de sítio, de  estados policiais e militarizados, de ditaduras e ditadores..., diz basta.

quinta-feira, 24 de março de 2011

E um dia, a democracia bateu à porta

Estavam ali reunidos para discutirem como deveria ser a organização desse país novo, onde tudo poderia funcionar bem ou mal, conforme as decisões que tomassem. O futuro dependia deles e isso era muita responsabilidade, mas também uma grande alegria e uma enorme confiança, todos juntos poderiam construir um país diferente.
Decidiriam que não haveria mais reis nem rainhas, nem príncipes nem princesas a quem o povo iria beijar a mão e pagar tributo, reverenciar como se fossem deuses. Não haveria mais chefes sagrados, indiscutíveis, a quem o poder caia do céu ou era herdado, como se fossem pessoas predestinadas. Como podia isso ser! Um  príncipe herdeiro que participava,  um jovem moderno, viajado, que dominava línguas, saberes, tecnologias e não só (desconfiavasse que tinha outros valores), tomou a palavra para anunciar: "Não sucederei ao meu pai, não serei rei, a minha vontade vale tanto como a de todos os outros".  Agora, sim, tudo seria mais fácil, a democacia podia bater à porta e entrar.

quarta-feira, 23 de março de 2011

A Catatua Verde

Fui, há poucos dias, ao teatro D. Maria II, ver a peça "A Catatua Verde", de um autor austríaco, Arnold Schnitzer, encenada por  Luís Miguel Cintra. O texto é muito  interessante e a representação atinge, quase durante todo o tempo, uma grande intensidade dramática. Tudo se passa, na noite da revolução francesa, quando mais ou menos alheios ao que se passa nas ruas, a vida decorre normal, numa taberna situada numa cave dos arredores de Paris. O dono, um antigo director de teatro, não serve apenas bebida, serve também teatro, há actores que incarnam ladrões,  prostitutas, homossexuais, bêbedos, pedintes..., para gozo de nobres e aristocratas que, deste modo, tomam contacto com uma realidade a anos luz das suas instaladas vidas. Mas claro, quando uns representam e outros tomam a ficção por realidade, são inevitáveis os equívocos, a certa altura, até os actores confundem os papéis; quando o duque é assassinado, ainda, não é por causa dos revolucionários e da revolução, é por causa da intriga, da traição e dos ciúmes, uma  combinação fatal, desde o princípio dos tempos. Mas deixe-se acreditar, aos  que assistem, que aquela morte é um acto revolucionário, ouve-se no final "viva a liberdade". Ficamos  a pensar no sentido de tudo isto, nos sentimentos humanos, nas glórias e também tragédias das revoluções.

terça-feira, 22 de março de 2011

"Todos nascem livres e iguais"

Ontem, celebrou-se o Dia Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966, na sequência do que se tinha passado, no dia 21 de Março de 1960, quando a polícia sul-africana atirou a matar sobre uma manifestação pacífica, em Sharpeville, protestando contra o Apartheid, nomeadamente contra as Leis de Passe que obrigavam os indivíduos negros a possuir um cartão com os locais onde lhe era autorizado circular. Morreram 69 pessoas e mais de 180 ficaram feridas.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Ainda sobre o mal

Há muitas aproximações teóricas sobre o mal, vindas de vários campos do saber (religião, filosofia, psicologia...), seja como for, o mal, tal como o bem, é da natureza humana, e  é  muito ténue a fronteira entre a paz e a violência. A questão é então ter consciência que ninguém está imune, de que ninguém está acima,  por mais valores humanos que diga defender, por melhor educação que tenha... É preciso que todos se disponham a respeitar o outro, a reconhecer regras democráticas, tratados internacionais, etc., e não fazer disso letra morta, por uma qualquer pretença iluminação ideológica, religiosa, étnica, tribal, etc. Kadafi  disparou, matou, não podia ignorar que um dia iam cair bombas em Tripoli, mas claro  a guerra não é nenhuma solução, mesmo quando parece inevitável.

domingo, 20 de março de 2011

Ataque internacional na Líbia, contra a banalidade do mal

A banalidade do mal, expressão de Hannah Arendt,  é o estado em que o indivíduo, anulado, sem direitos, perde qualquer capacidade de reacção, já não reage às atrocidades, já não pensa no que lhe está a acontecer, como se a violência fosse a norma. As pessoas,  já não são pessoas,  com sentimentos, pensamentos, projectos...; mas são coisas, tratadas como coisas, instrumentos ao serviço do que seja, pode ser do despotismo mais feroz ou da barbárie mais sangrenta.  Quando caças franceses atacam posições de Kadafi, percebe-se a legitimidade. Injusto seria assistir ao extermínio do povo líbio, às mãos do seu chefe, sem nada fazer.

sábado, 19 de março de 2011

O perigo nuclear

É evidente que não percebo nada de energia nuclear, centrais, etc.,  mas perante o que está a acontecer no Japão, penso sempre no modo como as sociedades foram  construindo o seu desenvolvimento, parece sempre que nada chega, que nada é suficiente, que é necessário sempre mais e mais tecnologia,  mesmo  que isso implique resíduos  perigosos, radioactivos e outros, para muitas e muitas gerações.  O preço  a pagar é alto, muito alto, e já não é preciso esperar pelo futuro, a factura está aí.  

quarta-feira, 16 de março de 2011

Japão, a contingência assusta

O sismo, o tsunami que se seguiu e agora o desastre provocado pelas centrais nucleares mostram como, de um momento para o outro,  muda tudo. Mas muda a uma escala inimaginável de destruição,  com reflexos  globais. Pecebe-se porque há já quem fale de apocalipse para se referir ao que se passa no Japão. 

sábado, 12 de março de 2011

Sismo no Japão

As imagens do tsunami que se seguiu ao violento sismo  são  reveladoras da força da natureza e da grandeza da tragédia humana e material, nesta zona do globo. Mas, enquanto isso, há uma certa normalidade em muitas regiões e cidades do país,  como se o abalo fosse apenas isso e tenha passado. Claro que não passou, mas não é comparável  com a tragédia do Haiti do ano passado. É a diferença entre o primeiro e o quarto mundo, entre o ter e poder planear e acudir e nada ter. Não é a mesma vulnerabilidade, embora seja grande o impacto.

terça-feira, 8 de março de 2011

Líbia, continua o delírio

Então não é que o Coronel quer reunir com a oposição, no Parlamento, para uma saída negociada! E enquanto isso manda bombardear as cidades. Quer garantias, para si e para a sua família, de que nada de mal lhes vai acontecer. É irónico, no mínimo!

sexta-feira, 4 de março de 2011

Escravatura (3)

Reduzido a força de trabalho, qual animal de carga, sem nenhum direito, comprado e vendido, como mercadoria, explorado até ao limite das suas forças, peça de uma engrenagem infame que reduz homens a escravos, sentia que não podia fraquejar. Não tinha escolha: só a revolta. Sairia disto, tinha a certeza, pois, ao contrário da  mãe não se sentia escravo por dentro, tinha forças para lutar. Não era escravo, fizeram-no escravo, sem direitos, sem documentos, sem reconhecimento... Pensava: “Um dia, mesmo que demore muito, haverá uma luz; segui-la-ei, com todos os companheiros da senzala, o portão não voltará a fechar-se e poderei, enfim, decidir da minha própria vida".

quarta-feira, 2 de março de 2011

A escravatura (2)

Ouvia, vezes sem conta: “não podes fazer, não podes sentir, não podes imaginar…”, mas que vida era esta que a própria mãe lhe impunha como destino, como se nada houvesse a fazer. Crescer com a ideia de que tudo é impossibilidade, perturba até os sonhos; sempre nos seus sonhos aparecia uma portão, um capitão do mato, um estrada sem saída, um labirinto que acabava num palmeiral, onde, por entre os ramos, o sol sempre se escondia.  Por que seria sempre pôr do sol? Por que se fechava o portão? Por que terminava a estrada? Pesadelos da noite que a dura realidade do amanhecer tornava reais, sempre a mesma senzala, sem nada, que não fosse a voz do feitor, um naco de pão, uma enxada, um trilho para caminhar até à roça e o mesmo trabalho forçado. Trabalhar, trabalhar, horas e horas, quantas mais melhor, dependeria da época do ano, mas sempre muitas, claro.

terça-feira, 1 de março de 2011

A escravatura (1)

Tinha sentimentos e sonhos de gente, mas não podia ser gente. Não o consideravam como tal. Tinha vontade, razão, ideias, desejos..., mas não tinha a liberdade de fazer fosse o que fosse. Vivia aprisionado e a  prisão não estava apenas em não poder sair pelo portão da fazenda, em não poder saltar os muros da roça, em não poder  atravessar o rio para o lado de lá. A liberdade não estava em lado nenhum. Sabia-o e por isso ficava ali, incapaz de decidir o que fosse sobre a sua própria vida.
Questionava se poderia viver naquela tempestade interior toda a sua vida? E a resposta era invariavelmente a mesma: impossível, resistir. Tinha de encontrar uma saída, antes que lhe aprisionassem também a alma. A liberdade era uma voz interior que não podia calar, embora, quando a raiva apertava mais, fizesse de tudo para silenciar esse desejo de ser livre. Fazia-o para sobreviver.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

A liberdade

O que se passa no mundo árabe  por estes dias é bem elucidativo do valor da liberdade.  Faz parte intrínseca do ser humano, ser livre. Temos naturalmente a  capacidade de pensar, de  ter iniciativas, de fazer projectos, escolhas e decisões, por nós proprios,  sem a necessidade de "iluminados" a apontarem-nos o caminho. Se assim não fosse, porque precisariam os ditadores de negar as liberdades individuais, reprimindo, controlando, proibindo...?  Não precisavam. Mas chega um dia, sobretudo quando as sociedades evoluem a nível de conhecimentos, que a revolta se torna inevitável e a exigência de liberdade é o primeiro dos direitos a ser reivindicado. Não precisamos de donos.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Kadafi, maldade ou loucura?

Aquela 1ª declaração de Kadafi, dentro de um automóvel, com um chapéu de chuva aberto, à chuva, é surreal. Mas a segunda, frente ao palácio bombardeado nos anos oitenta pelos americanos é ainda pior. Parece louco, está louco. Pergunto:  aquele povo pode estar sujeito a isto?  A comunidade internacional pode estar sujueta a isto? Não há nenhuma dúvida de que ele vai massacrar até ao fim, morra quem morrer, ninguém está a salvo, espero que o resgate de estrangeiros não tenha problemas graves, já se viu que  o grande líder está disposto a tudo. Grande líder de quê? Dos infernos, talvez!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Líbia, será o fim daquele regime?

A Europa reune, está atenta, mostra preocupações, divide-se entre a estratégia e os interesses com Kadafi  e a defesa intransigente da democracia e dos direitos humanos. O mesmo na América, Clinton mais diplomata, Obama mais direitos,  mais liberdades... Todos tememos o pior, haverá um alto preço a pagar, mas era tão importante que a revolução ganhasse, que os ditadores, todos os ditadores, desde os que se julgam mais ou menos deuses, aos  que se julgam indispensáveis, duma vez por todas, deixassem o povo determinar o seu futuro!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Meninos soldado. no Chade

São crianças ainda, algumas  para  proteger as famílias dos ataques, para fugirem da miséria mais absoluta, entram nas fileiras tanto dos rebeldes como das forças governamentais. Outras são raptadas, levadas à força. De arma na mão, drogas no corpo, treinos sem fim, perdem a infância e muitas até a alma. Meninos meio perdidos, meio abandonados, para quem a  convenção dos direitos da criança e o protocolo adicional sobre a proibição do envolvimento de crianças em conflitos armados parecem de nada valer. É tudo letra morta para quem tem a obrigação  de zelar pelo seu cumprimento, e faz exactamente o contrário.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Novo blogue

Ontem dei início a um novo blogue onde pretendo escrever sobre a minha estadia em Moçambique. Chama-se "Moçambique: rostos do ìndico", Se alguém estiver interessado pode aceder em http://www.mocambiquerostosdoindico.blogspot.com/

Repressão na Líbia, já anunciada

O grande chefe já veio dizer que terá tolerância zero com quem se manifestar nas ruas de Tripoli. Não duvido,  Todos sabemos do que é capaz, mas chega uma hora, quando a desesperança é absoluta, que nada há  a perder, ou melhor há tudo a perder, atinge-se um ponto de não retorno.  Ver estes ditadores manobrarem, corromperem, comportarem-se como donos  dos países, dos povos e até das consciências, é uma infâmia. Bravos manifestantes que lutam nas ruas!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Egipto, a desejada democracia

Mubarak cedeu e saiu de cena. Já não era em tempo, há muito que o devia ter feito. É a velha história do poder e de quem o exerce, para alguns (ditadores) não há limites. A festa foi grande nas ruas, mas a esperança e as expectativas são ainda maiores. O povo quer tudo a que tem direito, e já. Não é possível. É preciso uma nova constituição, eleições livres e justas, instituições democráticas, liberdades civis e politicas, direitos sociais e económicos, o respeito intransigente  pelos direitos humanos, A lição do Egipto que outros países árabes seguirão tem de ser um exemplo, há muitos perigos à espreita.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Dignidade

A dignidade não é um conceito simples, apenas, da ordem do racional, dos princípios objectivos – liberdade, respeito, justiça – incorpora também valores subjectivos, da ordem dos sentimentos, das crenças e das convicções mais profundas que determinam o modo como as pessoas se vêem e se  valorizam a si mesmas e querem que os outros as vejam e valorizem, diz tudo sobre o que somos e também sobre o que queremos ser. Cada um ao questionar-se sobre: - O que há em mim que jamais poderei pôr em causa, sem deixar de ser eu próprio? O que guardo eu, no reduto mais escondido de mim mesmo? – encontrará respostas, pertença a que lugar, cultura ou religião pertencer.
Por isso, quando dizemos: “Sou isto e não aquilo que os outros querem que eu seja, determino o meu viver pelos meus valores, as minhas crenças e os meus sentimentos”, falamos do que verdadeiramente nos faz a pessoa que somos. A nossa dignidade é algo inviolável, não a podemos suspender, ferir, maltratar, negociar, trocar…, nem deixar que outros o façam. A dignidade não tem preço, porque não tem equivalente, nada a substitui. “No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então, ela tem dignidade.” (Kant, 1991:77).

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Camané: o dom da voz

Ontem fui ouvir Camané ao teatro São Luís, e valeu a pena. Cantou  sobretudo temas do último disco, sobre as coisas do amor, do desamor, da dor e da raiva,  como disse. Cantou poetas e outros autores. Mas o que toca verdadeiramente é a sua voz, há alturas que parece tocar o sublime, algo que sou incapaz de descrever; algo que me toca, me envolve e me emociona. Ninguem canta como Camané.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Difícil diálogo

Se eu pudesse acabava com as grandes construções teóricas que têm servido para falar das pessoas e das suas vidas, sem tocarem verdadeiramente no essencial. Passava a falar de ti, de mim, de nós, aqui, agora, num contexto marcado por condicionalismos que nenhuma teoria pode explicar, por serem algo de novo, de diferente, de renovado, como corresponde à existência do humano.
Se calhar, acabava também com alguns adjectivos – espertos, inteligentes, maravilhosos, delinquentes, racistas... – e até com frases que de tão banalizadas se tornaram vazias - todos diferentes, todos iguais ...  – e procurava, apenas, histórias verdadeiras, contadas de forma simples, a ver se, de uma vez por todas,  nos podemos entender.

Mortos e feridos, no Cairo

O mundo assiste  estupefacto. Por momentos, acreditámos que aquele movimento podia conduzir o povo a uma revolução pacífica,  envolvente,  sem exclusões, tiros e mortes. Mas não aconteceu. Mubarak que não sai,  um grupo pró, instruído ou não pelo regime, irrompe na praça e agride, confronta, assusta... Nada é já previsível. Tristes ditadores!

domingo, 30 de janeiro de 2011

Egipto: quando tudo treme...

Olho as ruas do Cairo e estremeço. Vejo os manifestantes, a sua revolta, os tanques militares, a polícia..., e penso na vida destas pessoas,  na miséria, na falta de esperança, no desespero. Percebemos as razões. Sim, que ninguém se enfrenta às balas e aos tanques por nada. Oiço o Mubarak  e desconfio de tudo.  De tudo mesmo. Como pode alguém cumprir, se nunca o fez? Como pode alguém reformar e preocupar-se com o povo, se na sua matriz mais profunda residem outros  interesses, outras vontades, outros compromissos?
Às vezes apetece acabar com todos os "ismos", capitalismo, socialismo, islamismo...  , e pegar num lanterna à procura de homens bons que não se deixem corromper pelo poder e possam  servir o seu povo, honesta  e democraticamente, sem fingimentos, sem   maquilhagem.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Sou o Paulo, sou um artista

Encontrei-o, ao final da manhã, na marginal de Maputo, junto ao cais onde se apanha o barco para Catembe. Segurava, numa das mãos, um conjunto de telas e tentava vender-me uma (ou as que pudesse, claro está). Diz-me: "Olá, senhora, veja as minhas pinturas, sou eu que pinto, sou um artista"!
"Sim, mas agora não tenho tempo, não quero comprar, não quero". E continuo, apressando o passo.
"Fico à sua espera, quero mostrar-lhe o meu trabalho" - diz-me.
 E ficou. Primeiro, era só para que eu visse as telas, mas depois usou todos os argumentos e mais um, insistindo sempre, mas sem ser, em nenhum momento, desrespeitoso ou incomodativo, pelo contrário, havia nos olhos de Paulo uma bondade que me chegava, e depois era encantador a forma como falava da sua vida e da sua sensibilidade de artista. Estava convencida que era um artista, na assinatura lá estavam as iniciais do seu nome. Escolhi uma das telas, e comprei-a. "Vou fazer um quadro e, quando o olhar, pensarei: onde estará o Paulo, o jovem artista moçambicano que, num dia de Novembro de 2010, encontrei na marginal de Maputo? Talvez seja agora um artista famoso, espero que sim" - digo-lhe.
No dia seguinte quebrou-se a magia, enquanto passeava pela baixa encontrei muitos “Paulos”, jovens (todos artistas) que vendem telas iguais, usando exactamente as mesmas estratégias. Achei graça, é óbvio que para mim tanto importava. Aliás, se voltar a encontrar o Paulo, tratá-lo-ei por artista, vou falar-lhe de tintas e pincéis, sentimentos e paisagens, como no dia do nosso primeiro encontro. Ele pode não ser artista, mas carrega uma alma de artista.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Educação: um debate permanente

Há sempre na sociedade portuguesa uma discussão latente ou explícita, como acontece agora com as manifestações das escolas do ensino privado com contrato de associação com o Estado.  Eu sou levada a pensar que   os argumentos da ministra são razoáveis, apesar de defender a liberdade de escolha. Há possibilidade, sempre, de encontrar plataformas de entendimento, de modo a que se garanta  a igualdade de oportunidades para todos. O direito à educação é  inalienável, mas os contratos de associação não, podem discutir-se, refazer-se, substituir-se ...

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Terror e Morte, num aeroporto de Moscovo

O terrorismo aí está, matando de novo.  É um  gravíssimo problema de direitos humanos e de cidadania global; é um gravíssimo problema de política internacional. Os homens e mulheres bomba, suicidas em nome de uma crença, de uma ideologia ou do que seja, têm família, contextos, vidas... mas parece nada contar, parece nada ser importante. Por que se deixam armadilhar?  Por que escolhem morrer e matar? Alguma coisa tem de estar muito errado nessas sociedades fechadas que não entendem a impossibilidade de fugir da complexidade contemporânea e  pretendem reduzir  tudo (o privado, o público e o político)  ao âmbito de uma crença.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

José Barata Moura

Quando ontem vi na televisão o Professor Barata Moura (mandatário nacional de Francisco Lopes), rememorei as aulas de Filosofia do Conhecimento, no auditório 2 da Faculdade de Letras, há muito tempo atrás.  Sempre carregado de livros, aulas muito preparadas,  atento, acessível, muito bom professor. Fazia das intervenções dos alunos (muitas vezes desinteressantes, mal formuladas...) momentos de verdadeiro diálogo  filosófico, reconduzindo-as sempre para qualquer ponto essencial. Muito poucos professores o conseguem ou se preocupam em fazê-lo.   Fico a pensar como é que um homem como o Professor Barata Moura , com todas as ferramentas intelectuais que tem (ou talvez por isso), continua  crente na ideologia comunista. Digo crente, mas sei bem que ele encontra razões.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Veio para estudar, fugir de um destino

É uma menina de catorze anos. Corpo de adolescente, alta, magra, cabelo muito curtinho. O andar um pouco desajeitado, sempre de telemóvel na mão, um pouco agitada e com um olhar triste.
Está no colégio há menos de um ano. Veio, porque a tia achava que ela só brincava – diz-me. Veio para estudar, passou para a 6ª classe, mas com dificuldades enormes de leitura e escrita. Talvez, tenha vindo para não se perder numa qualquer estrada ou esquina da vida. Veio, porque precisava sair de um ambiente que não podia ajudá-la. Isso é certo.
Temendo que seja órfã e não sabendo até que ponto quer ou não falar sobre isso, nada pergunto, espero que fale, o máximo a que me atrevo é perguntar-lhe: “quantos irmãos tens”?
- “Tenho dois irmãos, eu sou a mais velha, eles são mais novos, vivia com a minha avó, os meus irmãos estão com os pais deles. A minha mãe morreu, o meu pai morreu, o meu avô morreu...”
Sinto um calafrio, até onde irá a lista que parece interminável? Fico em silêncio. O que sei eu?  Imediatamente, pensamos que foi a sida que os levou, mas talvez tenham morrido de malária, de desastre rodoviário ou de outra qualquer doença. A causa da morte não é indiferente, por estes lados, há um estigma, um não dito, que acompanha a vida destas crianças, cujos pais morreram de sida, como se, por não se nomear, tal doença desaparecesse. Ela carrega um grande sofrimento, mas não um destino. Por isso, está aqui.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A campanha eleitoral

Parece grande o desinteresse pelas eleições  presidenciais, apesar da crise, da dramatização e  de algum folclore, até. Votar é um direito e um dever de cidadania, ouvimos isto repetidamente.  Não é uma obrigação no sentido legal, cada um saberá o que fazer ou seja a questão é de consciência cívica individual. 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Nas ruas de Tunes

Há  uma emoção que tomou conta das ruas e da gente, há pessoas de lágrimas nos olhos, jovens que abraçam polícias, mulheres e homens que falam, reivindicam,  exprimem ideias, sentimentos...  Quando assim é, que mais há a dizer? Esperar, apenas, que os novos dirigentes não defraudem, mais uma vez, o povo.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tunísia, quando o povo não aguenta mais

A democracia é, em África, sempre, algo periclitante. Apesar de eleições, de instituições ditas democráticas, os "Presidentes" eternizam-se no poder, fazem do interesse público interesse próprio, criam clãs de amigos e familiares, dominam tudo, a política, a economia, os negócios, etc. Era o caso do Presidente tunisino, agora exilado na Arábia Saudita, há 23 anos no poder. Enquanto ele e uma minoria enriqueceu e roubou, o povo sobreviveu, esperou e desesperou. A revolta foi inevitável.

sábado, 15 de janeiro de 2011

A violência, e tudo o mais

Habitam-nos demónios. Não sabemos quem somos. Há um limite, uma insuportável margem, que nos  coloca frente ao pior de nós. Uns conseguem  parar a tempo, outros não. O que aconteceu, naquele  quarto de hotel de Nova Iorque, é incomensurável. Triste e horrendo demais!  Há duas vítimas, eu vejo assim. De algum modo, até, todos somos vítimas.

sábado, 8 de janeiro de 2011

"ELE me chamou", a fé

“ELE me chamou”, diz-me um jovem que está a terminar o 12º ano, com um livro na mão sobre a vida e obra dos Franciscanos. ELE é o seu, o meu, o Deus de todas as pessoas que acreditam. Nenhuma demonstração ou experiência atesta a Sua existência, mas nada mais real para um crente. Acerca da fé, nada há a discutir. Nada há a dizer. Todos somos, antes de tudo o mais, aquilo em que acreditamos. São os valores, as crenças e os costumes que nos habitam que nos fazem pessoas e nos determinam a vida.

Tinha combinado encontrar-se comigo para falar de filosofia, embora já tivesse feito exame e ter a certeza de que ia ter positiva. Colocou-me uma questão de lógica, sobre silogismos hipotético-disjuntivos (a que eu não soube responder, há mais de doze anos que não toco nessa matéria), mas percebi logo que a conversa sobre filosofia era um pretexto, queria conversar sobre outras coisas. Falou de si, da sua vocação, de como tem clara a ideia de ser padre franciscano, falou-me de todo o percurso de formação, passando por várias cidades e até países, do extenso caminho e da profundidade do percurso que pretende iniciar. Agora, irá para o seminário de Chimoio, depois para o noviciado em Portugal, depois Roma,  Zâmbia…
Perguntou-me o que achava. O que ia eu achar, obviamente que não tenho nenhuma resposta, nenhuma opinião.  "A religião é uma coisa muito séria", comentei apenas para não ficar calada. Ele continuou a falar da certeza da sua escolha e eu  pus-me a pensar na determinação deste jovem, na sua convicção. Espero que o seu caminho não tenha muitas pedras. 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A loja solidária

Mais ou menos por todo o lado, aparecem lojas com uma função fundamentalmente solidária, a de ajudar os que precisam neste tempo de crise e de desastre social em que, todos os dias, damos mais um passo para o abismo.  Os que podem contar com os produtos, a um custo simbólico ou gratuitos,  têm oportunidade de aliviar, por algum tempo, o desespero em que vivem, mas só por algum tempo. As respostas sociais não podem ser de remedeio, têm de ter sustentabilidade. Estamos a caminhar, há anos, muitos anos, numa direcção que vai deixar marcas profundas, basta pensar no desemprego, nomeadamente o dos jovens, que ascende a 22 %, tenho entendido, na sua maioria jovens muito qualificados... Haverá pior sinal?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Pena de morte ou quase, mais um engano

Acaba de se saber que um cidadão americano esteve trinta anos preso, numa cadeia doTexas, acusado por roubo e violação, crime que não cometeu. Sempre se disse inocente, mas o seu caso não foi reavaliado, até que uma organização a trabalhar nesta área conseguiu a reabertura do processo e a sua absolvição, depois de testes de ADN. O grave desta história é a condenação de inocentes,  deste homem e de outros. Já parámos para pensar o tremendo que é cumprir uma pena destas (sessenta e cinco anos, parece-me), quão devastador é para ele e sua família (e devia também sê-lo para toda a sociedade) deixar que coisas destas aconteçam? Há outros argumentos, mas  a possibilidade de condenar inocentes, devia chegar para que, de uma vez por todas, se acabasse com a pena de morte nos Estados Unidos e em todos os lugares do mundo onde ainda existe.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A cólera, no Haiti

O Haiti saiu da agenda mediática, mas  a premência da ajuda humanitária e dos planos de reconstrução continuam, sem aparente fim à vista.  Para complicar e aumentar todas as dificuldades, desde meados de Outubro que a cólera grassou em grande escala, mais de mil  mortos, muitos milhares de doentes, hospitais a abarrotar, condições deficientes e  limitadas para enfrentar como deveria ser o problema.  Uma desgraça nunca vem só, no caso do Haiti, não pode ser mais verdade.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

“Esta tarde vou trançar”

A cabeça das meninas parece uma obra de arte, tais os feitios e os modos de trançarem os cabelos. Passam horas a fazer aquelas trancinhas pequeninas, tantas que parecem não acabar nunca. Umas ficam coladinhas à cabeça formando linhas, umas vezes paralelas, outras vezes curvas, ou uma espécie de figuras. Outras vezes, fazem tranças soltas, traçando com a ajuda de um fio ou de um cabelo sintéctico próprio. São muitas as maneiras de trançar, quase como a sua imaginação.
Trançar exige saber,  paciência, disponibilidade e amizade. São as amigas que trançam às amigas, quem não tem amigas disponíveis fica dias com a toalha enrolada à cabeça à espera que alguém queira  trançar os seus cabelos.
Disse a uma menina: - Tantas trancinhas! São mais de cem!
- Não, nem chegam a cinquenta.
- Sou uma exagerada! Levaste toda a tarde?
- Quase toda. Gosta? Não gosto do meu cabelo sem ser trançado.
- Gosto. Estás muito bonita.

domingo, 2 de janeiro de 2011

"Parece a água do Bilene"

“Parece a água do Bilene” – disse por várias vezes, ao longo daquele dia. Antes, na praia do Tofo e depois, no final da tarde, molhando os pés junto a um dos locais de banho na baía de Inhambanhe. Por que veria  ela naquele mar a água do Bilene?
- Bilene é a minha  terra - disse-me.
Ah! Então, estava tudo explicado. Haveria lá águas mais azuis, mais calmas, mais limpas e melhores que as águas do Bilene? Não havia. Não podia haver!
Nunca, ou quase nunca, estamos completamente no sítio onde estamos, sempre nos povoam pensamentos, lembranças, recordações e afectos…, e são esses que nos adoçam ou amargam o dia. Aquela jovem teve um dia doce e feliz, "viajando" pelo Bilene. Molhou os pés, olhou demoradamente as crianças e os jovens que tomavam banho, nadavam ou davam mergulhos. Era visível, nos seus gestos e expressões, a vontade imensa de entrar na água. Não entrou, porque não era altura nem hora, mas "esteve" na sua terra, na sua praia, no mar do Bilene. E isso foi muito.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Ano Novo

"Ano novo, vida nova", é uma frase comum, mas não gasta. A importância do novo, do não dito, do não vivido, do não percepcionado, é decisivo na vida de todos. A novidade convoca a nossa capacidade de nos deixarmos surpreender, maravilhar; a capacidade de escutar, abrir a alma, deixando cair máscaras e teias que nos enredam e nos perturbam demasiado.