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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Lévinas

Quero aqui falar do autor que mais li durante este ano, como vem sendo habitual já há algum tempo: Emmanuel Lévinas. Descobrir Lévinas tornou-me outra pessoa, há coisas que só percebi a partir de Lévinas. Há um sentido profundo a que Lévinas nos conduz que para mim tem sido essencial. Tenho muitos livros dele, mas volto sempre a “Totalidade e Infinito”, a ideia de infinito e o modo como o conceptualiza é decisivo para perceber a sua filosofia.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Direitos humanos, a urgência de sempre

Acaba o ano de 2010, tempo de balanço e novos propósitos. Desejo que o próximo ano traga avanços significativos no campo dos direitos humanos, maior consciência sobre as questões globais, mas também sobre as questões do país, da rua, da casa onde trabalhamos ou vivemos: o desemprego, a fome, o abandono de crianças e idosos, a violência doméstica, a violência nas escolas, etc. Os direitos humanos são um desígnio de todos nós, de todas as sociedades e povos do mundo, independentemente de crenças, culturas e tudo o mais.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Pessoas que contam

Conheci uma jovem, Irmã Franciscana, que estava em Maputo a acompanhar uma doente. É colombiana e vive há dois anos em Tete, bem no interior de Moçambique, quase na fronteira com o Malawi, a dar apoio escolar a crianças da missão e a trabalhar num projecto de aleitamento de bébes com graves carências alimentares, no geral orfãos. Quando me disse dois anos, comentei: “Há muito tempo”. “Não, dois anos é pouco tempo”, responde-me.
Percebi logo que as nossas noções de tempo, de vida e de ritmo não são as mesmas. Nem podem ser. São vidas e experiências muito diferentes, porventura, com entendimentos, prioridades, desejos e objectivos também muito distintos, ainda assim, nos contactos, passeios e conversas que tivemos foi possível encontrar muitos pontos em comum. Neste mundo de interesses, gritos e balbúrdia, cada um tem de decidir, a cada momento, se abre a porta e dá abrigo ou, ao invés, se a fecha e se instala. Ela abriu-me a porta. E eu entrei. Espero um dia reencontrá-la, em Lisboa ou noutro qualquer lugar. Vai ser possível, tenho a certeza. Sei que está definitivamente na minha vida.

Direitos e deveres

Temos de falar necessariamente de direitos e deveres, mas em meu entender a tónica dever ser colocada na educação para os direitos, porque os deveres não implicam obrigatoriamente a existência de direitos, enquanto que os direitos implicam obrigatoriamente deveres. Assim, educar para os direitos é também educar para os deveres.
O dever é da ordem da obrigação individual, mesmo que ninguém cumpra, se tenho um dever, devo cumpri-lo, aliás, os outros esperam que assim aconteça. De algum modo, a educação para os deveres dilui a esfera da autonomia pessoal, sob o peso das expectativas dos outros, sejam pessoas, grupos ou instituições.
O direito é da ordem da obrigação interpessoal e social, tem de ser necessariamente garantido por parte dos outros, sejam pessoas, grupos ou instituições, os que têm a obrigação de o tornar efectivo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Violência: natureza ou condição do humano?

A célebre frase de Rousseau: “o homem nasce livre mas por
todo o lado o homem está a ferros”, que não perde infelizmente actualidade, conduz-nos à reflexão de que a maldade não é da natureza mas do viver humano.É a velha teoria de que o homem nasce bom... Contudo, a maldade faz parte de nós, ronda-nos, por dentro e por fora. Não somos bons, apenas. Se não fosse assim, como explicar a violência, os conflitos e a guerra, que não param, como se fosse destino do humano a contínua luta pela liberdade, pela justiça, pela tolerância e pela paz.

domingo, 19 de dezembro de 2010

O poder, na Costa do Marfim

Difícil é a democracia, difícil é o respeito pela vontade do povo, expresso em eleições, por parte do actual chefe do poder e seus acólitos. Mas não há outra saída, quem perdeu deve ir para a oposição e continuar o seu trabalho político, aprendendo a viver com regras e instituições democráticas. Por que é que isto é tão difícil em África e noutros lados? O que vai na cabeça daqueles que aceitam o jogo democrático e depois não querem sair de cena? São Interesses? Claro que são interesses, para não dizer outra coisa, mas a comunidade internacional tem de ser intransigente, sob pena de deitarmos por terra a ténue esperança de um desenvolvimento justo destes países, de que a Costa do Marfim é mais um triste exemplo. O Secretário Geral da ONU já o afirmou com clareza, não podemos brincar às democracias.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Os direitos humanos, no Irão

O Irão é obviamente um caso, há infelizmente muitos outros, mas, neste final de ano que se aproxima, é importante referir as constantes violações de direitos fundamentais naquele país. A advogada e activista dos direitos humanos que, em 2003, ganhou o Prémio Nobel da Paz, teve de deixar o seu país. A advogada que a defendia está presa, e não é a única, há outros advogados presos. A interpretação restritiva da lei islâmica - sharia - leva a situações de grande complexidade, injustas e criminosas do ponto de vista dos direitos humanos, que não podem ficar encerrados no limites estreitos de uma crença, seja qual for. Não podem os regimes (ou a cultura)islâmicos achar que têm uma interpretação dos direitos humanos e que essa é a válida, seria o fim dos direitos humanos, se perdessemos a sua universalidade. Trata-se de princípios válidos para todos os seres humanos e princípios de conduta para todos os regimes que queiram ser aceites nas organzações internacionais.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O terrorismo

Estamos quase em 2011, mas continuam os problemas de desrespeito pela vida e dignidade humanas, em muitos lugares do mundo. Não chega proclamar que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, é preciso criar condições para tornar este princípio efectivo. Há dificuldades reais que vêm sobretudo dos contextos e das especificidades culturais dos diferentes povos e grupos humanos, a questão que parece mais difícil tem a ver com o conflito civilizacional a que assistimos, de que o terrorismo global é, porventura, a pior consequência. Há radicalismos latentes e visíveis que, embora incompreensíveis do ponto de vista da racionalidade, explicam que homens e também mulheres estejam dispostos a deixar-se armadilhar, estejam dispostos a morrer e a matar. Na semana passada, na Suécia, o homem armadilhado foi a única vítima (a explicação é a de que não dominaria o controlo dos explosivos que ele próprio construíra). Não é por isso que eu não lamento, o fechamento do mundo islâmico que em certas sociedades se vem acentuando não augura nada de bom. Perdemos todos, se continuarmos no caminho que estamos. A segurança é um bem, um direito humano universal.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

10 de Dezembro, Dia Mundial dos Direitos Humanos

Num ano tão difícil, para tantas pessoas, para tantas famílias, devido à crise mundial, ao desemprego, à insegurança, às catástrofes naturais (não podemos deixar de pensar no Haiti, Chile...), à guerra (sempre a guerra), importa lembrar a força dos direitos humanos, a sua universalidade, a sua interdepêndência, mas também a sua contínua dificuldade. Há muita violação de direitos, por todo o lado, mesmo nos países que assinaram os tratados e os procuram cumprir, mas há, ainda, em muitos países, negação de direitos. Hoje, na entrega do Prémio Nobel da Paz, em Oslo, não estará Liu Xiaobo. Permanecerá preso numa cadeia chinesa. O mundo tomará nota, e espera-se que a China também.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O posto da guarda (será?)

Ao longo da estrada, Inhambane-Maputo (julgo que por todo o país), encontram-se, repetidamente, de tantos em tantos quilómetros, as ruínas de duas casas abandonadas. São casas térreas, seguidas, rectangulares, amplas, uma maior que a outra, ambas com uma varanda ao correr do muro e a mais pequena com uma espécie de alpendre à porta de entrada. Não perguntei nada, mas julgo serem as casas do guarda do posto administrativo, onde estava situada a autoridade portuguesa, servindo a maior de posto e a outra de habitação. Percebe-se que não sejam lugares de boa memória para os moçambicanos; percebe-se o desprezo, o desleixo e tudo o mais, mas como não é possível reescrever a história, talvez reaproveitá-las fosse a melhor coisa a fazer. Assim, sem telhados, sem janelas, com erva crescendo dentro, aqui ali a desmoronar, atentam contra a paisagem e uma natureza que deslumbra.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Quando a sida mata tanto...

A prevalência da sida em Moçambique é imensa, em todo o país, com uma média nacional, no grupo estudado (dos 15 aos 49 anos, parece-me) de mais de onze porcento, havendo províncias, como Gaza, a obter mais de vinte por cento. Quando a sida mata tanto, é toda a comunidade que se desestrutura. Nunca é só o caso da doença ou da morte por sida, e tudo o mais.
Uma jovem de dezoito anos com quem conversei sobre o tema e a quem perguntei se a sida estava minimamente controlada, disse-me: “Que nada, a sida não está controlada, a única melhoria é o acesso aos retro-virais, com a construção da fábrica, as pessoas que antes não podiam agora podem tratar-se. Mas, continua a haver novos infectados. “Contudo, parece não existir falta de informação, o assunto é trabalhado na escola, logo nos primeiros anos do básico, está na comunicação social, na sociedade civil, são inúmeras as ONG'S a trabalhar na área...". “Sim, mas é a mentalidade dos homens. Os homens querem ter seis, sete mulheres, andam com meninas de treze anos, dão-lhes algum dinheiro ou alguma coisa e elas, que não têm nada e precisam, vão". "Há prostituição, por aqui"? "Há muita. Aqui há muita".
Não sei se a explicação que a jovem me deu é ou não a principal causa da propagação da sida, mas é concerteza uma causa muito difícil de combater, é que não há um comprimido para o problema que se possa juntar ao conjunto dos retrovirais. A questão é de outra ordem, como bem sabemos.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Há árvores eternas

Muitas vezes, ao atravessarmos certas regiões de África, há um sentimento de contingência, de precaridade, que nos ronda e invade por dentro. Tudo é mudança, como se as areias, os ventos, as brumas, o sol e a chuva se combinassem para eternizar o presente, a necessidade de um contínuo recomeço.
Só as árvores parecem eternas, lá, onde estão, cumprindo um destino. São eternos os coqueiros que guardam, de muito alto, a baía de Inhambane, à saída do barco, em Maxixe. São eternos os cajueiros, de enormes copas, quase tocando o chão, que vislumbramos pelos vidros do autocarro, pela estrada de Gaza. São eternas as altas e frondosas mangueiras, carregadas de mangas que, nestas semanas de Dezembro, passam de verdes a amarelas e vão caindo de maduras, nos recreios das escolas,nas machambas e nas ruas. São eternas as acácias vermelhas que sobem por cima dos telhados, no pátio dos salesianos, em Maputo.

Pemba, no TPI

Começou a ser julgado, no Tribunal Penal Internacional, Pemba, antigo homem forte da oposição no Congo. Nega, como seria de esperar, todas as acusações, assegura que não violou, não pilhou, não matou…Enfim, é perseguição e má sorte, o que lhe está a acontecer.
Estes assassinos nunca param para ouvir a consciência, nunca encaram a verdade de frente, nunca admitem erros…, como vão admitir chacinas, violências múltiplas, crimes contra a humanidade? Nunca. Se algo fizeram foi em nome da libertação do povo, da revolução, até, da democracia, veja-se. São todos demasiado cobardes, demasiado indignos. Só são “fortes” com séquitos e metralhadoras. Tristes mandantes.
É um passo muito importante na história dos direitos humanos que estes senhores sejam julgados, desde logo, para que outros ditadores fiquem a saber que a comunidade internacional não está mais de olhos fechados, tem instrumentos e vai usá-los.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A face do regime chinês

Visitou o marido na cadeia, debaixo de condições que aparentemente cumpriu, mas, mesmo assim, foi colocada em prisão domiciliária. Não restam dúvidas de que quem enfrenta a ditadura chinesa sofre consequências, mais ainda, se isso implicar divulgar os actos do regime, a falta de democracia e a violação sistemática de direitos civis e políticos. Como sempre só alguns estão dispostos a pagar o preço.
Liu Xiaobo está preso, mas não é um criminoso. O mundo todo sabe como foi, o que disse e o que representa. Não pode ser um homem mau, mesmo que tenha desrespeitado leis injustas, outros quereriam tê-lo feito, mas faltou-lhes coragem. Ele teve-a. É o símbolo e a força dos que acreditam que nada é mais importante do que a dignidade humana. Podem existir conflitos diplomáticos, pode a China chamar o embaixador norueguês em Pequim, podem silenciar outros activistas, pode a máquina de propaganda do regime investir em todas as frentes, que a denúncia e seu alcance planetário parecem sem retorno, pelos menos para quem tem em mente a cidadania e os direitos humanos em todas as partes do mundo e não apenas na sua rua ou na sua pessoa. É por existirem pessoas como Xiaobo que a esperança nos direitos humanos se impõe contra todos os abusos. Abusos aos direitos fundamentais de todos os seres humanos, sim, pois, não se trata de outra coisa, por mais máscaras ou álibis que utilizem os governantes e autoridades daquele país

De volta a Portugal

Regressei de Moçambique, ontem. Foi um mês rico em experiências pessoais. Não posso dizer que a viagem tivesse constituído para mim um choque, trata-se de uma realidade que, em muitos pontos, eu já imaginava, uma triste realidade comum a muitos países em desenvolvimento, onde, a par do maior luxo e da tecnologia de ponta, temos a luta incessante pela sobrevivência, nas condições mais precárias que se possam imaginar, é quase como se estivessemos no princípio dos tempos: a mesma palhota, feita com as mesmas folhas de coqueiro, a mesma machamba, o mesmo destino...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ser para o outro

Olhamos à volta no mundo conturbado dos nossos dias e muitas categorias e valores que, antes, julgávamos, para sempre, adquiridos começam a desmoronar. Passámos tempo demasiado, tudo submetendo à política e, ultimamente, submetendo toda a política à economia. Caímos nisto: uma recessão presente, e talvez futura, que põe em causa muitos direitos humanos. Precisamos, para não ir ao fundo, de uma nova radicalidade para o viver com os outros, capaz de criar fraternidade,justiça, sustentabilidade...
Apetece convocar Lévinas e a ética da responsabilidade por outrem. O ser humano antes de ser uma liberdade e uma razão, é uma responsabilidade. É a responsabilidade por outrem o que nos constitui como indivíduos únicos, insubstituíveis e nos realiza humanamente. São as respostas aos apelos e às solicitações do outro, o que verdadeiramente nos incumbe. Há aqui uma radicalidade fácil de perceber, mas difícil de levar à prática, sabe-mo-lo. .

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Deve ser boa pessoa (2)

Não me enganei. Ao meio da tarde, recebi uma chamada sua a dizer-me que já tinha conseguido, iriam disponibilizar material escolar para o Internato das meninas de Inhambane. O que se abre no encontro com as pessoas é sempre uma surpresa, um mundo de possibilidades.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Deve ser boa pessoa

Acabo de falar com uma pessoa, responsável por uma loja de uma grande cadeia de distribuição, sobre a possibilidade de poderem doar algum material escolar para um orfanato em Inhambane- Moçambique.
Atendeu-me com uma disponibilidade invulgar, incomodada por ser tão em cima da hora, quando o normal, nestes casos, são pedidos com um mês de antecedência. "Mesmo assim vou ver o que posso fazer, espere aí, que vou lá dentro contactar pelo telefone uma colega que trata disso a nível central". Quando veio, com papel e caneta na mão disse-me: "não consegui falar com ela, ainda, está ocupada, mas deixe-me o seu contacto que eu vou ver o que posso fazer".
Muito obrigada - digo-lhe. "Não sei o que posso fazer, não prometo nada, mas gostava muito de ajudar". E, ao mesmo tempo que dizia isto, emocionou-se. E eu fiquei igual, quase sem articular palavra. Ganhei a manhã.

domingo, 24 de outubro de 2010

Lá longe, em África

Não sei que fascínio África exerce sobre mim, mas exerce, por mais que isto seja um lugar comum. O que mais me fascina são decididamente as pessoas, aliás, nos primeiros tempos, nos primeiros contactos, quase não vejo as paisagens, quase não vejo os contextos. E, se posso, deixo-me conduzir pelo que vem dos rostos, pelas paisagens interiores daqueles seres humanos. Estarei em Moçambique todo o mês de Novembro e talvez escreva textos sobre o que aí acontecer, aqui ou num novo blog.

sábado, 23 de outubro de 2010

Vou consigo

Não sei quantos anos tem, mas aparenta menos de setenta. Encontrei-a, e começamos a conversar, porque íamos ambas apanhar um transporte público.
- A senhora vai para o metro? - perguntou-me. E sem que eu tenha tido tempo de responder, acrescentou: - eu vou apanhar o autocarro, não gosto de andar de metro, só se vou com a minha filha.
- Eu prefiro o metro porque é mais rápido, digo-lhe.
- É verdade, mas sabe para mim é muito confuso, eu sei ler, mas não sei ler bem. Só fui um ano à escola, já de adulta.
Fico a pensar: quantas pessoas ainda haverá, neste país, que não sabem ler? Quantas pessoas haverá com dificuldade de orientação no metro e noutros locais e situações por não saberem ler? Damos tudo por adquirido, por facilitado, e há ainda tantas barreiras...
A conversa continuou, muito interessante, até, esqueci-me do metro e também eu fui de autocarro.
- Hoje vou de autocarro, só porque a encontrei a si. Vou consigo.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Quando tudo vale...

A multiplicidade de referências, aparentemente ilimitada, que os meios de comunicação, e particularmente a internet, põem na casa de cada um, não cria comunidade, proximidade, partilha e compromisso. Já ninguém luta por uma utopia, crescem, em vez disso, os individualismos, pessoais ou de grupo, com objectivos focados em que não se descortina o interesse geral. Tudo é efémero, precário, transitório, relativo. Mas se vale tudo e tudo se equivale, ao limite, nada vale. O vazio e o caos axiológico estão a uma curta distância.
Contudo, convém ter presente que nada é linear quando se trata de valores, há sempre contradições, paradoxos - por exemplo, a par da relatividade valorativa que caracteriza o mundo actual, crescem nalgumas sociedades os fundamentalismos mais exacerbados, sobretudo, os de natureza religiosa – e movimentos que levam à emergência de novos valores – diversidade, criatividade, ambiente, lazer, consumo, culto do corpo, competitividade … - que podem ou não tornar-se, no futuro, valores sedimentados, isso dependerá da discussão e da crítica que sobre eles fizermos no presente.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

"Se calhar, a esta hora, o meu filho já não está vivo"

Hoje, ao passar por Castelo Branco, veio-me à memória uma situação que presenciei, nessa cidade, há muitos anos atrás, e que recorrentemente me habita. Era uma jovem mãe,sentada num muro, ao cimo de umas escadas altas, no fundo da garagem, longe de todos os outros passageiros que como ela aguardavam a hora da camioneta. Estava longe, mas mesmo assim, via-se que chorava. Limpava os olhos, ora com um lenço, ora com os dedos das mãos. Estava absolutamente em sofrimento, disso não havia qualquer dúvida, mas, talvez por ela própria não ter dado margem, ninguém se aproximou.
Quando chegou a hora do autocarro, entrou, sentou-se num dos últimos lugares e colocou a cabeça sobre o colo segura com ambas as mãos. Evitou falar, foi certo, mas sempre se chega ao limite, todos temos um, e o dela estava por um fio. Numa paragem da camioneta,já a meio da viagem, disse-me, olhando para o relógio "são 5 da tarde, se calhar a esta hora o meu filho já não está vivo. Se calhar, chego a casa e tenho a notícia de que ele já morreu".
O filho, de cinco meses, agonizava no hospital da cidade, enquanto ela, sem qualquer recurso, devastada, ia para casa tomar conta do outro filho, de três anos, que ficara com a avó. "Amanhã volto na camioneta da manhã, mas se calhar o meu menino já não está vivo", soltou um grito, baixou de novo a cabeça e nunca mais voltou a dizer nada. Por essa altura, não havia telemóveis, nem quase carros particulares, nem dinheiro para alugar um táxi ou um quarto na cidade..., não havia para ela a possibilidade de ficar com o filho. Sobrava a dor, uma dor imensa, indiscritível, de que só as mães que perdem filhos podem falar. Havia uma perda irreparável para a sua vida, sabia-o bem. Hoje, talvez essa mãe não tivesse de deixar o filho sozinho, mas a dor da perda seria a mesma, não mudou. Não muda nunca. Nada do que é essencial, nada do que nos torna felizes, redime ou consome as entranhas, muda. Sofre-se da mesma maneira, em todos os tempos e em todos os lugares.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Prémio Nobel da Paz

A atribuição do prémio Nobel a um cidadão chinês, encarcerado injustamente, pese embora o véu de legalidade que o governo exibe, fez já o seu caminho. Sabemos todos quem são uns e outros, qual é o preço da liberdade e o que se paga por não alienar a consciência.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ciganos (3)

Às vezes pergunto-me: será possível que alguém imagine possível um país, uma Europa, "puro", asséptico, homogéneo? Ninguém imagina. Aliás, o discurso político corrente é o de louvar a diversidade, a integração..., mas lá vem a prática mostrar o contrário, mesmo que as expulsões ocorram debaixo de um pano de legalidade: são expulsos por estarem ilegais no país.
A política tem de ser capaz de criar condições para resolver os problemas sociais, tomar medidas legislativas e outras para que os ciganos, sejam romenos, búlgaros ou de outra nacionalidade, tenham um chão, uma casa, um emprego, preservando o essencial da própria cultura. Temo que este tema ainda vá dar muito que falar. Bruxelas já se fez ouvir, Paris retorquiu, e os ciganos continuam a ser expulsos de França, Itália e sabe-se mais de onde no futuro.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A educação para os direitos humanos

A educação para os direitos humanos, ao fundar-se no reconhecimento e na protecção dos valores da pessoa humana, antes de outras crenças ou ideologias, justifica a sua profundidade, abrangência, importância e necessidade.
- Profundidade, porque se estabelece como um sistema de valores universais, em referência aos quais as pessoas e os Estados sabem como podem (e devem) pautar e avaliar as suas acções. Nesta medida, os direitos humanos são regras para o viver em comum, à escala mundial, capazes de transformar o futuro da humanidade.
- Abrangência, porque engloba a educação cívica, a educação para a igualdade, para a diversidade, para a tolerância, para a paz, para o desenvolvimento sustentado, etc. – domínios em que os valores humanos estão necessariamente presentes.
- Importância, porque os cidadãos com consciência dos seus direitos sabem quem os deve garantir e o que devem fazer para que isso aconteça. Esta aprendizagem não pode deixar de ser considerada, pelo menos, tão importante como qualquer outra.
- Necessidade, porque não é fácil, quando assistimos, diariamente, a contínuas discriminações, intolerâncias e injustiças, aceitar a igualdade em “dignidade e direitos”, de todos os seres humanos. Fácil, é a descrença e a fuga para o individualismo.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Vida, frágil equilíbrio

Há muito tempo que não a via. Combinámos um café, numa quinta-feira, às três da tarde. "Não estou bem, disse-me. Vivo sempre enfronhada no interior de mim mesma como se não fosse possível abrir janelas e deixar entrar a luz do quotidiano, embora seja rotina, decadência e repetição. Questiono-me, até ao âmago, sobre questões absolutamente supérfluas e embrenhadas que não servem para nada, nada mesmo, e me trazem, em vez de serenidade, agitação, angústia e, às vezes, até raiva, raiva de um mundo que cada vez mais de se separa do essencial.
Por que não fico parada, ausente, ouvindo uma música, contemplando um quadro, lendo um livro, deixando-me levar pelos sentidos, criando sentimentos, explorando emoções, sem necessidade de qualquer justificação, de qualquer organização racional, entregue ao sentir, ao que invade e toca a minha sensibilidade? Por que vivo sempre procurando formas, enquadramentos, limites, dimensões? Não lido bem com a desproporção, o sem limite, o não controlável, sempre estou criando balizas, tapando frestas, evitando pontos de fuga, rupturas".

Enquanto a oiço, penso: viver é tarefa para equilibristas, para equilibrar o caos e a ordem, o amor e o ódio, os deuses e os demónios, o ter e o perder, o riso e o choro...; viver é fragilidade e permanente contingência.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A vida no campo de refugiados

A noite cai sobre o campo. Será uma noite igual a tantas outras, a uma infinidade de noites, num tempo e num inferno que parecem não acabar nunca. Os perigos espreitam lá fora, mesmo se falamos dos soldados que fazem a ronda, é que muitos usam uma farda e ao mesmo tempo cometem crimes, abusando de jovens crianças, recrutando meninos para tráfico, roubando parcos haveres. A vida, que não é vida, decorre no limite do possível, fora do imaginável. É o inferno, presente em toda a sua extensão. Amanhã, e quantas manhãs ainda, será mais um dia igual a todos os outros, um dia de sobrevivência.

sábado, 11 de setembro de 2010

A violência de sempre

Hoje, à nossa memória, retornam imagens de medo, terror, desconcerto, impossibilidade...
A violência é tão velha como o homem, mesmo a violência organizada. "Esta bala é antiga", diz Jorge Luís Borges, no texto In memoriam de J. F. K., do livro "O Fazedor". É isso, mesmo que mude o material com que ela é construída. É a mesma maldade, a mesma vingança, a mesma prepotência, o mesmo egoísmo. Temos aprendido tão pouco!

(Releio continuamente Borges, ou melhor, leio-o infinitamente. Pudera eu compreender tudo o que dito, e não dito, numa página de Borges)!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fanatismo é fanatismo, venha de onde vier

O pastor evangélico que ameaçava queimar duzentos livros do Islão retrocedeu, depois de ter feito tremer as mais altas instâncias e de ter feito um alarido global. Ficámos a saber a vulnerabilidade em que estamos, pessoas e Estados.
Independentemente de que lado venha, o fanatismo é sempre uma radicalidade que não deixa espaço a outros campos, a outras margens, a outros olhares. Redutor, portanto. Nenhuma realidade é a preto e branco, a complexidade apoderou-se do mais mínimo dos nossos actos. É assim. Viver nas sociedades de hoje é ter de conviver com múltiplas e múltiplas oposições. O caso da religião só ganha a dimensão que ganha pelo que tem de decisivo, de constitutivo, de horizonte, na vida de muitos. Abrange tudo, acrescentando ainda elementos da ordem da paixão que não deixam ver claro.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Debaixo do chão

Os mineiros soterrados no Chile cumprem uma rotina de sobrevivência. O mínimo, para manter a sanidade possível. Quando há medo, desesperação, presente e futuro incertos, toda a liberdade e toda a resistência humanas parecem sucumbir ou diluir-se. Podem vir à tona, sentimentos menos dignos e inevitáveis conflitos. Ter consciência de que é assim, pode ajudar a evitar esses momentos, indesejáveis, obviamente, mas possíveis.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Os ciganos (2)

Era uma vez uma jovem de olhos negros, com uma longa cabeleira preta, que passeava pelo bosque, junto à aldeia onde vivia, quando encontrou o príncipe daquele reino. Olharam-se, e ele ficou enamorado da sua beleza e da forma como corria descalça e livre pelas margens do rio. Desde então, passou a ir muitas vezes à aldeia da jovem, com a intenção de a namorar.
As famílias não achavam bem o casamento, por serem pessoas muito diferentes. Naquela aldeia, não era costume casar com pessoas de fora, davam muita importância à família: se alguém fazia um bom negócio, era como se todos fizessem; se alguém tinha uma grande alegria, todos tinham; se alguém ficava doente, todos corriam a dar-lhe carinho; se alguém cometia um delito, toda a família se sentia envergonhada. Nunca abandonavam as crianças nem os velhos. Em todas as famílias, o homem mais velho – a quem chamavam o patriarca – era muito respeitado, representava a família no Conselho da Aldeia, dava conselhos e procurava que todas as tradições se cumprissem.
O Conselho do Reino e também o Conselho da Aldeia reuniram-se para discutir o namoro de um príncipe com uma aldeã. Depois de ultrapassados os problemas, começou a preparar-se o casamento. Uns dias antes, como era costume do seu povo, a jovem fugiu com o noivo para o palácio. Foi bem recebida, apreciavam a sua música, as suas danças e as suas capacidades para adivinhar o futuro. Mas, mesmo assim, começou a sentir-se infeliz, não se sentia livre. Não questionava a autoridade do marido, mas custava-lhe cumprir todas as regras do palácio, as horas de comida, as horas de saída, os sapatos sempre a apertar-lhe os pés, tudo previamente fixado…
Decidiu, então, que não iria mais casar-se. Pediu perdão à família e ao povo por não ter pensado bem nas consequências do seu casamento com o príncipe. O seu povo aceitou, mas não podia mais ficar naquele reino, a renúncia ao casamento era uma ofensa que não podiam suportar, esse povo nunca quebrava os seus compromissos. Arrumaram as suas coisas e, à hora em que se devia celebrar a boda, iniciaram uma longa viagem, sem fim e sem destino, que ainda hoje dura. Dizem que, lá pelo século XII, um monge os encontrou nos Montes Athos, no norte da Grécia, talvez vindos da Ásia Menor, mas a partir do século XV há relatos da sua presença em vários países da Europa. Também chegaram a Portugal, dizem que são entre 40 a 50 mil.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Mineiros chilenos, lá no fundo da terra

Tenho pensado tanto nestes homens, no que lhes está a acontecer, a eles, às suas famílias, aos chilenos, a todos nós, no fundo, mas sem possibilidade de escrever seja o que for. É tal a precaridade, a contingência, a possibilidade de estarem bem e de desmoronarem no minuto seguinte, que todos estamos em suspenso. Viver uma situação desta natureza, é tocar vários limites. Vem-me à memória Jaspers, existencialista, que teorizou sobre as situações limite. Um dia destes, relerei os seus textos, na tentativa de perceber alguma coisa mais...

sábado, 4 de setembro de 2010

Tristes acontecimentos

Ontem, final do julgamento Casa Pia, assistiu-se ao melhor e ao pior do humano, ao rosto e à máscara, à verdade e à mentira, ao riso e ao choro, à complacência e à raiva... E hoje o dia acordou de novo, leve para uns, pesado para outros e seguramente difícil para todos.
E como seguirá a vida (e a consciência) daqueles que só não estiveram ali sentados por prescrição dos crimes ou outras manobras? Tento tantas vezes entender o direito, mas não atinjo. O desfasamento entre o legal e o moral, assusta-me.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sou israelita e palestiniana, estou sentada à mesa

Desde que visitei Israel, há mais de vinte anos, vi (e senti) o que é o viver quotidiano de ambas as comunidades. Impressionante e perigoso. Assisti a cenas que jamais esquecerei: a ostensiva presença militar, as contínuas identificações, os tiros numa das entradas da cidade velha, julgo que na porta de Damasco, a impossibilidade de cumprir todo o roteiro da viagem previsto (lembro-me que não fomos à gruta dos pastores, mesmo em Belém, uma notória tensão impediu uma visita normal).
Eu vivi isto, com maior intensidade, apenas num dos dias da viagem, mas há gerações sucessivas de israelitas e palestinianos que o vivem, há décadas, todos os dias da sua existência, com muitos direitos violados, muitas humilhações, etc., etc. Assim é impossível continuar, todos o sabem.
Percebe-se, por isso, a importância do retomar das negociações para a paz. A imagem de ontem, o 1º ministro israelita, o presidente da autoridade palestiniana e a secretária norte-americana, mostra que a paz é possível. Não sei por que tenho tanta esperança, se a história mostra o contrário? Mas tenho.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Tumultos em Maputo

Percebem-se as revoltas, os descontentamentos, as manifestações..., como não vamos perceber quando, como alguém disse, nenhum móvel do mundo é mais precioso do que uma tigela de arroz. A mais pura das verdades. A interdependência dos direitos é absoluta, necessária, como se vai falar de liberdade, de cidadania, a pessoas de estômago vazio, vivendo em condições miseráveis nos subúrbios da cidade, sobrevivendo com 50 dólares ou menos, mesmo trabalhando oito ou mais horas. Ninguém percebe os desequilíbrios económicos e sociais em que vivem os países em desenvolvimento, rezo todos os dias para que apareça um guru, um prémio Nobel, que diga: é preciso fazer isto e isto e não isto e o outro que têm feito até aqui. Penso tantas vezes: não será possível, em 2010, viver de outro modo, criar condições de vida digna a metade do mundo?

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Ainda, sobre a pena de morte

(Talvez isto corresponda a uma cena de um filme a que assisti e de que não recordo o nome, não importa para o caso).

O velho, muito velho, mais de cem anos, pensa que a sua vida se estende para lá do razoável, e daquilo que ele deseja há muito, porque tem um destino: viver para ver morrer todos os que amou. Assim foi, viu partir a primeira mulher, os irmãos, os filhos, a 2ª mulher, toda a família, os amigos…, agora, sem ninguém, assiste à sua inexorável decadência, à sua própria morte, de algum modo.
Atormentado, há mais de sessenta anos, por uma dor na consciência que o tortura, massacra e desafia, sempre, mas mais ainda pela calada da noite, quando a insónia aperta sem piedade. Má sorte ter sido um executor oficial. Má sorte ter ordenado execuções. Má sorte continuar vivo.
Martirizavam-no, até ao limite do suportável, as imagens e as últimas palavras dos condenados. Consumia-se, sabendo que podia não ter dado a ordem, mas também ele cumpria uma ordem, a decisão de um júri, que também ele cumpria uma ordem, a de condenar à morte os que, segundo as leis do estado, o mereciam. Uma cadeia que não podia deixar de ter responsáveis. Todos eram. Mas ele só podia responder por si, e abandonou o cargo.
Recorda com nitidez e vezes sem conta a última condenação à morte que ordenou, o homem que foi executado, mas também o choro do jovem guarda que assistia, porventura pela primeira vez, a uma execução. Um choro mudo que os homens não choram e menos os candidatos a executores de penas de morte.
Todos, ali, independentemente do que cada um fazia, eram funcionários da morte. Maldição (mesmo se foi escolha) ser um executor profissional! Maldição sair depois para a rua e olhar os outros como se nada se passasse, como se nada tivesse acontecido! Maldição haver leis e estados que condenam os seus criminosos à pena capital, sem margem para qualquer redenção, sem possibilidade de se arrependerem, sem margem para voltarem a ser pessoas decentes, na medida em que isso possa voltar a ser possível. Todos os seres humanos, por maiores criminosos que sejam, e alguns são, se podem redimir, ou não? O condenado à cadeira eléctrica é um ser humano, ou já não é? Talvez possam redimir-se, de resto, acontecem surpresas naqueles corredores da morte…
Voltemos à cena. Quem assiste a tudo, vê a cadeira, a electricidade a invadir o corpo, a contorção dos músculos, o momento final..., não pode deixar de pensar que se trata de uma refinação do mal, mesmo que o manto da legalidade cubra todos os actos. Naquela sala, todos morreram um pouco, algo ficou para sempre a marcar-lhes os dias, mesmo para os que continuarem,mecanicamente, a ligar os fios, a apertar os botões, a observar o último estertor, a desligar tudo, a recolher o corpo, a cobri-lo com um lençol, a entregá-lo à família ou a algum serviço público. Tudo segue, mas não sem marcas, não sem devastações pessoais, morais, psicológicas, etc.

Pena de morte

Olho a fotografia da mulher iraniana, de 43 anos, condenada à morte por apedrejamento, acusada de adultério e de envolvimento na morte do marido. Parece-me mais nova, a sua expressão tem uma limpidez e uma direcção que denunciam tempos e dias melhores, apesar do lenço, do peso da cultura, das regras e mais regras, das limitações e mais limitações, de um islão, em muitos pontos, difícil de entender. Não parece em desassossego, mas de que tamanho seria ele? Não sabemos, sabemos pouco da sua vida, das circunstâncias, dos sentimentos, dos desenlaces…?
Mas sabemos que a pena de morte não faz qualquer sentido, seja qual for o meio de execução. É a pena de morte que se deve discutir, claro que também a lapidação, mas o que está fundamentalmente em causa é a vida de seres humanos que têm direito a julgamentos justos, mesmo acusados de crimes graves. Devia ser assim com esta mulher. Parece-me que, por influência dos dois filhos, já adultos, a comunidade internacional se tem mobilizado contra a sua condenação. É demasiada a barbárie para que assim não fosse!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Sempre em viagem, destino ou má sorte

Desmantelaram os acampamentos. Ofereceram-lhes um bilhete de avião e umas centenas de euros para voltar a Bucareste e a Budapeste. São ciganos romenos e húngaros expulsos da Europa rica onde as leis não são capazes de perceber a complexidade da situação.
Pobres, e com um elevado número de filhos, só muito dificilmente encontrarão possibilidades de sobrevivência nos países de origem. Deles voltarão a sair, com toda a certeza, num ciclo de idas e vindas que, para lá de não ser uma solução, tem matizes de racismo e de segregação. Esperamos que a história não se repita, mas é um mau sinal...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Terror e morte em Bagdad, mais uma vez

Sessenta mortos, mais de cento e trinta feridos, sirenes, cheiro a pólvora…, um povo em contínuo sobressalto, um estado que não consegue garantir o mínimo de condições de segurança, uma política e uma intervenção americana contestáveis, e muito mais. Às vezes, pensamos que nada é normal naquela cidade, naquele país, que não há escolas, mercados, rotinas, que tudo é terror, medo, raiva, sobrevivência, escombros…
Morrem por nada, por violência gratuita, fanatismo exacerbado, desprezível. Deixaram família, mãe, pai, irmãos, filhos; mas que importa, nada importa ao homem bomba. Deixaram sonhos, projectos; mas que importa, nada importa ao homem bomba. Nada importa a estes fanáticos, ao serviço de um projecto de terror que não leva a nenhum lado, que não pode levar. Não se constroem futuros em lagos de sangue, em propostas políticas que deixam de lado o fundamental do humano: a capacidade de ser livre, criativo, transcendente, ele mesmo, sem a necessidade de um fanatismo religioso a marcar-lhe os dias e as horas, sem espaço para o essencial.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Cheias no Paquistão

Centenas de mortos, torrentes de água e lama que levam tudo à frente. Assistimos à impossibilidade de uma população, absolutamente desprotegida, de fazer frente a calamidades desta dimensão, mesmo que não sejam coisa rara por estes lados. Espera-se o auxílio do governo, mas como em muitos outros casos, chega tarde, insuficiente, incapaz de garantir condições de sobrevivência mínima. “O governo devia ser como um pai, acudir aos filhos, e não deixá-los morrer assim”- grita um homem em desespero. Devia ser, mas não é. Ficam sozinhos e, mais uma vez, é a comunicação e a imprensa internacional a fazerem o seu papel, a mostrar, com a crueza das imagens, o que se passa. Com atraso, reagem a ONU e outros organismos, depois s de sofrimento sem conta e de muitas vidas perdidas que poderiam ter sido evitadas.
Enquanto uns viajam, os do governo, e outros esperam condições para poder intervir, os pobres morrem. Morrem, levados pela água, desnutridos, doentes…
Assim vai o mundo. Que desequilíbrio este!

A propósito de uma escola sem “chumbos”

Haverá alguém que não queira uma escola sem “chumbos”? Julgo que não. Era bom que se estendesse até ao final da universidade, dirão muitos. Puro delírio, mas coisa óptima, se o sucesso por decreto resolvesse o problema. Não resolve, como sabemos, serve apenas fins políticos, ainda que os argumentos da ministra, como lhe compete, sejam sempre pedagógicos, insistindo que apenas pretende abrir um debate público sobre o assunto. Não vem mal ao mundo debater seja o que for. Mas, de algum modo, propor isto é já admitir a falência de uma escola equitativa, integradora, com base no princípio da igualdade de oportunidades. É admitir que não se tem capacidade de resolver as questões do insucesso e do abandono escolar actuando nas causas, como deve ser feito.
Um sistema sem retenções, uma vez legislado, é um sistema em que ninguém fica retido, saiba muito, pouco ou nada. Mas o engraçado é que nos querem fazer crer que, adoptada esta medida, todos vão saber muito, por passo de mágica, talvez. E, então, por que é que não sabem muito, agora, o que é que impede os alunos de saber mais, é o haver retenções?
É claro que a discussão não é esta, como a ministra muito bem sabe. As suas afirmações são interessantíssimas, para não dizer outra coisa: “No ministério, todas as medidas que tomamos é para melhorar a educação”? Então, pois, para que haveria de ser, não é com certeza para melhorar a meteorologia; “Nalguns casos, a retenção não serve para nada”, supõe-se, então, que noutros casos servirá, ou não? Para ser coerente, deveria dizer que a retenção não serve em nenhum caso; “O que queremos é que os alunos aprendam mais, não é o facilitismo, ao contrário, é a qualidade e a exigência”. Ora, aqui está um ponto de acordo.
Uma vez identificado o campo, por que não se questiona o essencial? Por não se questionam as medidas, as acções e os compromissos que têm de ser pensados e postos em prática, para acabar com o abandono e o insucesso escolares? Por que não se questionam os problemas e as dificuldades dos apoios educativos? Por que não se questionam os problemas e as dificuldades dos percursos alternativos, do ensino especial, etc.? Por que não se questiona o valor de tantos relatórios e tantas burocracias? Por que não se questiona a cooperação e a complementaridade das diferentes intervenções, tantas vezes, justapostas ou de costas voltadas? …
Estamos perante um sistema que apresenta fragilidades várias, a questão da qualidade é real, não se pode negar que, há muito, se ensina para a média e a média baixa – uma quase inevitabilidade, dado o número de alunos por turma e a sua heterogeneidade. Mesmo, compreendendo a justiça da diversificação de ofertas curriculares e de novas oportunidades de formação, não parece aceitável que haja jovens com o 9º ano incapazes de compreender o que lêem ou de escrever duas frases articuladas; ou jovens com o 12º ano do ensino profissional que, confrontados com a falta de saídas profissionais, concorram à universidade, entrem, mas levem anos a fio a marcar passo, porque as suas bases estão a anos luz do que deveriam ser, com o consequente insucesso e o quase certo abandono. Isto tem custos pessoais, familiares e sociais importantes.
Claro que se pode sempre argumentar que a ministra fala do ensino não superior, mas pode-se separar uma coisa da outra? Ou que a educação, mesmo nestes casos, é sempre um ganho, mas, então, não é a educação um meio para a realização pessoal e a integração social dos jovens? É com certeza, e defraudar estas expectativas não pode ser visto como uma coisa legítima ou de somenos importância, porque não o é.

sábado, 7 de agosto de 2010

Situações-limite


Tenho assistido a uns programas , da parte da tarde, na RTP 2, em que se coloca uma questão, a pessoas de diferentes países e continentes. Aparentemente, uma pergunta simples, mas que pode levar a respostas que tocam o fundo da alma dos inquiridos. Ontem, a pergunta era: Qual foi o momento mais difícil da sua vida?
E as respostas, ocupando o tempo que cada um entende, pausadas, sofridas, falam da morte (do filho, do pai, da mãe, do irmão...), da guerra (relatos de sofrimento, tortura, humilhação, morte...), da prisão (própria ou de um filho...), do desemprego (relatos de miséria, descrença, humilhação...).
Ficamos a pensar até onde resiste o humano, a que ponto as situações limite nos moldam os dias, a esperança, os sentimentos, as crenças e a confiança no outro. Ficamos a pensar no que nos molda a existência, no sofrimento que nos tolda até ao limite de nós mesmos, quantas vezes sem reacção, pensando que nada mais faz sentido, que tudo é impossibilidade, demasia, excesso, dias a mais.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Mandela

Mandela fez 92 anos rodeado da sua família. Parecia feliz, embora cansado e frágil. Apesar disso, Mandela é vigor, força, determinação, integridade. Um ser humano excepcional,um símbolo, um farol para toda a humanidade.
Por isso, as Nações Unidas declararam o dia 18 de Julho, um dia de celebração dos direitos humanos, um dia de celebração da justiça, da tolerância, da dignidade…
Que o arco-íris da diversidade humana, tal como o arco-íris da África do Sul que ele construiu, possa conviver em paz e em justiça, no respeito que é devido a todos os seres humanos. Há tanto por fazer!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Libertação de presos políticos em Cuba

Com mediação da igreja (o arcebispo de Havana, creio) e da diplomacia espanhola, o governo dos irmãos Castro vai libertar cerca de cinquenta presos políticos. É algo de novo, de muito novo mesmo, é algo para aplaudir e acompanhar. Não se trata de uma libertação sem condições, estes cidadãos cubanos não poderão permanecer em Cuba, serão recebidos em Espanha, mas é um começo. As mudanças fazem-se de começos, de abrir caminhos, de encontros ... Espero que todos os presos de consciência sejam libertados e que finalmente as liberdades individuais e políticas sejam uma realidade em Cuba. É tempo demais, sempre foi tempo demais, soubemos disso há muito. Aonde nos levaram as ideologias? Aonde nos conduziram os radicalismos?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Matilde Rosa Araújo

Para mim, embora nunca a tenha conhecido pessoalmente, era uma pessoa próxima. Talvez ninguém tenha escrito sobre sentimentos, em textos infanto-juvenis, como Matilde Rosa Araújo o fez. Escreveu como ninguém sobre o sentir, o pensar, o amar, o sonhar, o respeitar, o crescer, o ser digno… E isso é muito!
Li praticamente todos os seus livros, alguns dos textos trabalhei-os, uma e outra vez, quer com alunos quer na formação de professores, recordo, particularmente, “O gato dourado”, “A capa da Ana”, “O livro da Tila”, o “Poema sobre os direitos das crianças”…
O mais fabuloso é a simplicidade com que falava das coisas mais importantes e vitais. Quando a lemos invade-nos um silêncio que nos questiona. Precisamos pensar. A mim ajudou-me a pensar, a ver mais claro, a vislumbrar lucidez… Obrigada, Matilde Rosa Araújo.

sábado, 19 de junho de 2010

Morreu José Saramago

Morreu um homem grande. Grande, sim. Grande para o seu país, para a Europa, para o mundo. Morreu um cidadão universal. Muitos duvidam, claro, por mesquinhez, vil inveja, formatação ideológica..., outros têm a certeza da sua importância, hoje e através dos séculos. Fica a literatura, mas também a sua integridade, a sua inteireza, a sua luta incessante por causas que considerava justas. Um homem como Saramago, com o poder que tinha no mínimo que dissesse, faz falta.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Fome

A fome ronda a rua , o bairro, a cidade, o país. Não está lá longe, na África, na Ásia. Está aqui. E o que fazemos? Os que deveriam fazer, parecem atordoados, a reboque de Bruxelas, sem um plano pensado, definido e executado para as pessoas daqui, para os vizinhos do lado... Ai, se não houvesse igreja, banco alimentar e outras ONG'S, o que seria de muita desta gente, há anos e anos, no fim da linha, muitos sem qualquer protecção social! Sobem impostos para reduzir o deficit, por causa da dívida pública, dos mercados, disto e daquilo. Ficamos a pensar: para que serve isto tudo, tal é a precaridade da situação?
E as pessoas sem trabalho? E o desemprego que não pára e continuará a subir? Falem do deficit a quem não tem nada para comer, a ver se entendem o que lhes dizem! Como podem entender!
As pessoas esperam, desesperam, desiludem-se. Já não há ilusões, já não há utopias, tudo é decepção e desânimo. Mas, é mesmo. Não se vêem saídas. O desengano é a pior das crises.

domingo, 6 de junho de 2010

Ajuda humanitária de uns, desumanidade de outros

Seis barcos foram atacados pela tropa israelita. O problema não é de hoje, e o impasse internacional também não. Israel continua o bloqueio à Faixa de Gaza, mesmo tratando-se de ajuda humanitária. Num dos barcos de nacionalidade turca nove pessoas foram mortas a semana passada, a justificação foi a de que depois de avisados, ao serem interceptados, reagiram com violência. É normal que os porta-vozes respectivos digam isto para justificar o injustificável; mas não é normal que ninguém, muito menos um povo inteiro, seja privado do direito a uma vida digna.
Mas, obviamente que do lado dos palestinianos não há só vítimas, há violência organizada, o Hamas não é inocente, é evidente que não é, mas tem de haver um entendimento mínimo, que gere a confiança necessária a um processo de paz. É tempo de mais para tanta aniquilação, é tempo de mais para tanta gente armada, para tantas bombas a cair de ambos os lados…
A proposta que tem vindo a ser trabalhada, por parte dos Estados Unidos e da ONU, dois estados e um estatuto especial para a cidade Jerusalém, que todos querem e ninguém aceita dividir, não parece descabida e tem de ser possível. Sem uma solução para a Palestina, o fundo é cada vez mais fundo e a luz cada vez mais ténue. Às vezes a sensação é de noite escura, terreno propício ao extremismo, como todos sabemos.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Direitos das crianças

Hoje é dia da criança. Por todas as escolas, as crianças falam dos seus direitos. Há festa e muita atenção aos mais pequenos. Depois, em muitas situações, e em muitos contextos, tudo continuará igual. Sabemos que no nosso país, as crianças são de um modo geral bem tratadas, cuidadas, mimadas, ouvidas…, mas não é assim em muitos lugares e países do mundo.
Quero aqui lembrar-me de meninos que também são crianças, mas que não celebram o seu dia, meninos a quem falta quase tudo, meninos que não sabem o que é ter uma família, uma escola, uma vacina, uma casa, um brinquedo…
Lembro-me dos meninos de seis, sete, anos que vão diariamente para as fábricas tecer tapetes, na Índia, no Paquistão…; lembro-me dos meninos órfãos do Quénia, Moçambique, África do Sul…., que viram os pais morrer de sida, meninos sós, sem ninguém, assustados, descrentes; lembro-me dos meninos dos bairros de lata do Brasil, de Bogotá…, vivendo vidas miseráveis, entre fogo cruzado e balas perdidas, cheirando cola, fumando erva e o resto, utilizados sem quaisquer escrúpulos por traficantes; lembro-me dos meninos da lixeira de Maputo a quem viraram as costas anos e anos, a quem deixaram crescer como se não fossem gente; lembro-me dos meninos das pedreiras que partem pedras, oito ou mais horas por dia, para as calçadas das cidades, deformando irremediavelmente o seu corpo em crescimento; lembro-me das meninas traficadas para a prostituição no Bangladesh, no Sirilanka.. ; lembro-me das jovens afegãs que deitam fogo ao próprio corpo, num grito de total desespero; lembro-me dos milhões de crianças que hoje vão dormir sem um prato de arroz; lembro-me dos meninos que deambulam pelos campos de refugiados; lembro-me de tantos, tantos, tantos…A lista é interminável.
Para todos os meninos a quem mataram os sonhos, a quem só ensinaram o negro da vida, busco um raio de sol, uma janela aberta e um futuro com direitos.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Há ironias ...

Vi, há poucos dias, “A Gaiola das Loucas”, sem dúvida, um grande espectáculo de música, dança…, mas aqui quero falar da história, muito bem contada por sinal. O desfecho mostra bem a diferença entre a verdade e a fachada, entre o que é e o que parece ser.
O dono do cabaré vive com Zazá, a grande vedeta do transformismo, que sempre criou o seu filho com o maior desvelo. O rapaz está noivo de uma rapariga do norte, de uma família tradicional, cheia de valores e bons costumes, o pai com aspirações políticas, etc. Para não decepcionar, no jantar de apresentação, pede ao pai para alterarem tudo o que possa denunciar a verdadeira situação familiar. Mudam a decoração da casa, procuram a mãe verdadeira (que nunca viveu com ele) e insistem para Zazá não aparecer. Esta não aceita ser posta de lado, e decidem, então, fazê-la passar por um tio. Ensaiam todos os pormenores que possam denunciar as maneiras gay: o andar, o falar, o cumprimentar, o vestir…
Zazá esforça-se, mas não aguenta ver-se dentro daquele fato preto. Sobe as escadas e, quando desce,vestida como sempre, comporta-se como a verdadeira mãe do rapaz. A cena decorre, com inevitáveis equívocos, e eis senão quando o jardim e a casa são invadidos por jornalistas que querem saber o que se passa com o pai da noiva, visto que o seu sócio apareceu morto … O homem assustado (sabe-se lá por quê) tenta fugir, esconder-se, e é a própria Zazá quem o ajuda a sair pelas traseiras do cabaret. Não deixa de ser irónico: afinal, qual das famílias tinha mais a esconder? Será sequer comparável uma opção de vida, por mais estranha que pareça aos outros, a negócios pouco claros ou escuros mesmo?

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Ainda sobre o véu islâmico


Embora, a dignidade tenha a ver com o modo como cada um se vê e se estima a si mesmo e também com o modo como deseja ser visto e estimado pelos outros


. Quando dizemos: “Sou isto e não aquilo que os outros querem que eu seja, determino o meu viver pelos meus valores, as minhas crenças e os meus sentimentos – a minha liberdade, o respeito por mim e pelos outros, a minha religião, a minha cultura…, descobrimos que a dignidade é o nosso valor intrínseco, é o que faz de nós a pessoa que somos.
A dignidade não tem preço, porque não tem equivalente. E por isso não podemos, nós próprios, pô-la em causa ou deixar que outros a ponham. Não podemos suspenda-la, feri-la, maltratá-la, negociá-la, trocá-la…, nem deixar que outros o façam. É tão importante que viver como ser humano é viver de forma digna. Se perderes a estima por ti e pelos teus valores, se perdes o respeito pelo outro, se não vires nele um semelhante, não és um ser digno de ti.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O véu islâmico integral

Em França, foi proibido o uso do véu islâmico integral. Eu estou de acordo, absolutamente de acordo. Sei bem que há aqui um conflito de valores, sei bem que há aqui liberdades individuais, sei bem que há muita discussão...
Mas se tivéssemos alguma dúvida de que lado estar, bastaria ver aquele grupo de mulheres, todas cobertas, apenas com os olhos a reluzir, dando uma conferência de imprensa, logo a seguir à aprovação da lei: veio-me à mente a imagem de outras conferências de imprensa em que indivíduos encapuçados se reunem atrás de uma mesa para falar aos jornalistas. Faltavam as armas e as intenções (perdoem-me, sei que isto é violento e injusto, porque estas mulheres são pacíficas, integradas, mães de família, não duvido disso), mas a imagem é igualmente tétrica. Nenhum ser humano pode estar sujeito a isto, seja qual for a crença, esta é uma questão básica de dignidade humana que se sobrepõe a tudo o mais, do ponto de vista dos valores e dos direitos humanos. O direito a um rosto, a uma identidade, a um ser para os outros. É a base do humano.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Difícil despedida

Dois sujeitos, encostados a um muro alto, abraçados, choram, comovidamente. É noite. Parece que tinha acontecido uma despedida pouco tempo antes. Por que choram? Que sentimentos ou ilusões cairam por terra? Que expectativas e promessas ficarão por cumprir? Talvez esteja tudo cumprido, e se trate apenas de dois seres humanos unidos por um fortíssimo laço de amizade ou seja que sentimento for. Não sei, mas o momento a que assistimos é verdadeiro, não há máscaras, não há teatro. Ainda que a cena que corre mundo seja teatral e intensa.
Quando se separam, um continua imóvel e o outro, com aspecto transtornado, desce a rua e entra num carro. Dizem que se chama Mourinho, treinador de futebol, implacável, frio, calculista, racional ..... Mas, então, não é ele, ou será? Somos tanta coisa ao mesmo tempo, por que não pode Mourinho desmoronar, chorar, ser sensível, imprevisível ... Pode, claro.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Os olhos das mães...

Toda a tristeza do mundo está nos olhos da mãe de Leandro (o menino que se atirou ao rio Tua e morreu). Fixos, perdidos, ausentes, estão sem poder reagir. Em choque, que é duro perder um filho. Demasiado duro.
Nunca mais se ouviu falar do caso, ainda decorrerão inquéritos, talvez um processo em tribunal, que sei eu! O que pode ela contra inquéritos e mais inquéritos, corporativismos, omissões e silêncios. O seu filho morreu, desnecessariamente (nenhuma morte é necessária, obviamente, mas muitas são inevitáveis). Esta não era. Está triste, dorida, cansada, ninguém sabe quanto. Ninguém nunca saberá quanto, a não ser que tenha vivido tamanho drama.

terça-feira, 11 de maio de 2010

A fé, acreditar

Ouvi um padre falar das dúvidas que tem, do questionamento diário sobre o ser crente, católico, religioso… “Hoje sou padre amanhã não sei”- disse. Penso: afinal, onde está a profundidade, a clareza, a certeza, o ponto de abrigo, a pedra angular, o mar de águas mansas …, que as religiões devem ser?
O precário, o imprevisível, a dúvida, não deviam atormentar quem estudou anos a fio teologia, alguém que sabe, até ao limite do compreensível, falar de Deus e da igreja a que pertence. (Ou não sabe?)
A igreja profética que anuncia, sustenta, acolhe, protege, tem de ter alguma radicalidade, alguns fundamentos, que a história não distorça ao sabor das marés. Nunca deveria ser uma decepção, um corte, pelo menos para quem acerca dela percebeu o essencial.
Eu percebo melhor a radicalidade e a exigência da igreja do que o “folclore” de muitas manifestações religiosas, por mais importância pessoal e cultural que tenham, talvez por isso este Papa me desperte interesse. Dizem que é um grande teólogo, um sábio…, como não vou sentir curiosidade por um sábio? Hoje, irei ao Terreiro do Paço, assistirei à missa, ouvirei o Papa, e quem sabe o resto, “não se chega a Deus por uma ideia, mas por um acontecimento”- acho que foi este Papa que disse.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

E se um dia o mal se extinguisse...

Há 65 anos, a Alemanha nazi rendia-se. Atrás, ficavam milhões e milhões de mortos, uma Europa em ruínas e uma população marcada para sempre. Quando se chega àquele ponto, àquele grau de destruição, nada mais há a fazer: ou o fim total ou o recomeço, apesar dos destroços, das sombras, das incertezas e de tudo o mais.
A Europa reergueu-se, porventura, as cidades e os países mais depressa do que os corações e as mentes das pessoas que sobreviveram a massacres, a guerras, a racionamento alimentar, a mortes, a descrenças várias (até no ser humano!)
Passado todo este tempo, para muitos, cada vez mais, a II Guerra Mundial é um acontecimento longínquo, definitivamente arrumado numa prateleira da história. Mas não é , disso podemos ter a certeza. A maldade que levou ao nazismo não se extinguiu, não se extingue, por avanços tecnológicos e civilizacionais, apenas se controla pela educação, pela formação, pela sensibilidade e pelo respeito incondicional pelo outro, seja ele quem for. Estamos tão longe disso!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O direito ao trabalho, uma miragem

Passaram os séculos, as revoluções, fizeram-se e desfizeram-se impérios e tudo o mais, e quando se julgava que os direitos estavam definitivamente assegurados, eis que sobe o desemprego, a instabilidade, a descrença em melhores dias. Damos por nós à beira do precipício, onde a Grécia já caiu (ou quase) e nós estamos a um passo, dizem muitos dos que entendem.
Malditos mercados, finanças, bolsas, etc. etc., estamos presos numa teia de onde nem os gurus da economia sabem como sair. Onde foi parar o dinheiro? Quem são os especuladores? O que nos levou a este ponto? Pela primeira vez, parece mesmo não existir saída e, de crise em crise, até à derrocada final, em que teimamos não acreditar.
É preciso inventar saídas, não há respostas conhecidas ou se há não funcionam.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

É tal o desvario...

O face a face com o outro já não é momento de revelação, de verdade. Não pode ser, se o outro em vez de se desnudar, prepara e exibe múltiplas máscaras - declarações preparadas, ódios de estimação, interesses, vaidades várias... - Vivemos numa mentira, e é por isso que desconfiamos de tudo e de todos, não nos deixam opção, basta ver as multiplas comissões de inquérito, os discursos de alguns políticos, falam de uma realidade virtual, dizem, desdizem, acusam-se, jogam... como se nada se passasse como se nada fosse (mas passou-se e foi). A política é honradez, honestidade, compromisso com a verdade..., ou já não é?

sábado, 17 de abril de 2010

Sofrimento, serve para alguma coisa?

Acabo de falar, menos de dez minutos, com uma pessoa e foram incontáveis as vezes que lhe ouvi a palavra sofrimento e a palavra medo. Não está doente, ou estará, já não sei. O que sei é que todo o sofrimento é inútil, e, no entanto, é algo omnipresente nas nossas vidas, seja físico, psicológico ou ambas as coisas. O sofrimento fragiliza, atormenta, amedronta, paralisa..., deixa-nos por isso mais atreitos a novos reveses, a novos medos e a novos sofrimentos, numa escalada que às vezes parece sem retorno. Ronda a depressão e tudo o mais.
Digo isto, mas sei bem da carga religiosa e cultural que tem o sofrimento, parece que nos querem fazer crer que é algo que enobrece, nos torna mais fortes, mais dignos de nós. Enaltece-se o sofrimento, o martírio, o calvário… Falam de quê ou de quem?

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Violência que parece não ter fim nunca

Na última semana, um homem em processo de divórcio mata a mulher, o filho de dois anos e suicida-se a seguir, numa aldeia ou vila do distrito de Viseu, julgo. Um outro homem, em Alcobaça, agride até à morte o filho, um bebé de 5 meses. Perante tamanha barbárie, dizer o quê? Monstros, dementes, ou ambas as coisas? Pobres vidas. Aparentemente pessoas integradas, pacatas, vivendo uma “normalidade” que não deixava suspeitas a familiares, amigos e vizinhos.
Agora, aparecem os comentadores de serviço (quase todos psicólogos, como estão na moda estes senhores!), que correm os diferentes programas de televisão, da manhã e da tarde, a comentar o sucedido, convocando um qualquer modelo teórico, um estudo tal ou qual, que tudo explica, não precisando de mais nada, ignorando tudo o mais, enquadramentos, contextos, história, realidades …, mas falando com uma autoridade que as vezes assusta. A mim assusta...

terça-feira, 6 de abril de 2010

Os padres, o vaticano e tudo o resto

Quase sempre, resisto a escrever sobre religião, por respeito, por incapacidade de análise, por ignorância... Mas quando se trata de analisar factos concretos, é possível opinar, falar, mesmo com toda a falta de claridade, visto o fenómeno permanecer, em muito, na penumbra. Que há padres pedófilos e crianças e jovens abusados, parece não haver dúvida, se é mais nos Estados Unidos, na Alemanha, aqui ou ali, não sei, haverá em muitos lados, a natureza humana não muda por mudar a geografia. Mas a mesma natureza humana dotou-nos de livre arbítrio, de vontade, de capacidade de distinguir o bem do mal, não há desculpa para isto. Mas é certo que daqui não decorre que todos os padres pratiquem semelhantes abusos ou que neste grupo se pratiquem mais que noutros. Certo é que é um crime, maldade pura, continuada, ignorada, escondida, por anos e décadas, muito mais grave do que nos querem fazer crer. Quem tem culpas? Muita gente, certamente. Veremos até onde vai e como é tratado todo este abuso.

terça-feira, 23 de março de 2010

A minha devoção a Obama

Como todas as devoções é intuitiva, desmedida, sem necessidade de razões. Acredito e nada mais interessa. Acredito nas boas intenções de Obama, acredito nas suas capacidades, acredito na sua determinação, acredito na sua luz... Isto faz toda a diferença, apesar da política e dos políticos, dos interesses e dos jogos, muitos, claro...
Ontem, milhões, muitos milhões, de americanos, ganharam direito à saúde, como se fosse coisa pouca, desnecessária. Obama ganhou uma luta política de muitos anos e de muitas pessoas, mas o ganho verdadeiro foi daqueles que finalmente podem aceder a um direito humano básico.
Acredito em Obama, é uma crença, sim, mas se não acreditarmos em alguém , resta o quê?

sábado, 20 de março de 2010

As mulheres de branco

Nas ruas de Havana, desfilam mulheres de branco, com uma flor na mão, sem palavras de ordem, mas que não fazem falta, já que o seu silêncio é de gritos e está a ouvir-se no mundo todo. Desfilam pelos maridos, pelos filhos, pelos irmãos… - cerca de 50 presos políticos, encerrados, muitos desde 2003, nas masmorras das prisões cubanas. Desfilam por amor, por sentimento, por dignidade. Por dignidade, senhores! Vamos ver até quando e com que consequências!
Fazem lembrar as mães argentinas, as mães da Praça de Maio, que, durante anos, todas as semanas, desfilaram pelos filhos desaparecidos, às mãos de uma ditadura militar. Fazem lembrar a força invisível que os sentimentos têm. Fazem lembrar o valores da liberdade e da justiça. Fazem lembrar novos amanheceres. É pena que tenha de ser à custa de tanta luta e de tanto sofrimento. Malditos ditadores, malditas ditaduras!

segunda-feira, 15 de março de 2010

"Quando sorria, era outra pessoa"

Uma aluna, do tristemente célebre 9º B, da escola de Rio de Mouro, que terá sido a gota de água para o suicídio do professor de música, fala do mau comportamento dos colegas, da falta de respeito, das palavras humilhantes que lhe dirigiam, da impossibilidade dele lidar com a situação, do seu carácter reservado, do silêncio..., diz que às vezes ficava a falar com ele no final da aula, e que não ficou mais vezes, com medo que falassem, e que agora se arrepende de não o ter ajudado mais. "Uma vez arrancámos-lhe um sorriso. Quando se ria era outra pessoa" - diz. Como não ia ser outra pessoa! É devastador o dano que este tipo de desrespeito faz à dignidade de alguém!
Há, no bullying, este aspecto medonho, é que quem se disponha a ajudar tem também de se enfrentar com os agressores, com o bando, pode tornar-se na próxima vítima. Por isso, tantos escolhem nada dizer ou fazer.

sábado, 13 de março de 2010

Bullying

O bullying é a mais trágica das violências, se é possível dizer assim. Trágica, pelo que tortura, pelo que desconsidera, pelo que humilha. Vai ao ponto de anular completamente a estima e a autonomia, aquilo que, no ser humano, devia ser absolutamente inviolável. É duro, muito duro, que nos anulem e violentem, até ao limite do inimaginável, sem qualquer razão. Contudo, este não é um sentimento estranho à maioria das pessoas, quase toda a gente já o sentiu, no corpo e na alma.
O problema é complexo de mais para a resposta ser simples. Os actos de bullying devem ser censurados com clareza e sem quaisquer rodeios; desvalorizá-los, como sendo pouca coisa ou pouco grave, com o argumento de que sempre existiu, é aceitar que é normal o que não é. O bullying como toda a violência cresce em espiral. Não se pode deixar andar.

sábado, 6 de março de 2010

Orlando Zapata Tomayo

Há uma semana, mais ou menos, morreu num hospital de Havana, um preso político, há muito tempo em greve de fome. Ligaram-no às máquinas, mas negaram-lhe água nos primeiros tempos da greve, tendo o seu corpo sofrido de modo irreversível. Morre-se, em 2010, por liberdade de expressão, por justiça, por dignidade. O que podemos dizer? Nada, está tudo dito. Há exemplos e vidas que servem para todos, ultrapassam a sua família, a sua cidade, o seu país. Que a morte de Orlando Zapata não tenha sido em vão!

sexta-feira, 5 de março de 2010

Leandro, vítima de Bullying

Leandro tinha doze anos e frequentava a EB23 Luciano Cordeiro, em Mirandela. Morreu há dias nas águas frias do Tua, sem que o seu corpo tenha ainda sido resgatado. Vítima de violência continuada por parte de colegas, talvez tivesse pensado que a solução fosse aquele trágico final. Atirou-se ao rio, sob o olhar impotente do irmão e dum primo.
Somos todos culpados, disso não há nenhuma dúvida. Os responsáveis da escola, os professores, os auxiliares, a associação de pais, os alunos … nada viram ou ouviram ou se viram e ouviram ignoraram. Não há registos de violência, tudo normal, tudo calmo. Hipocrisia pura, quando se sabe o que se passa em muitas escolas.
É demais, assim, não. Ninguém olhou com olhos de ver, ninguém escutou, ninguém fez nada. Leandro morreu, e quantos mais morrerão ainda? Assistimos a um fenómeno crescente que parece fora de controlo. O argumento de que estes casos acontecem em todos os lados, não serve. Não pode servir! Estou à espera de ver a escola, a DREN e o Ministério falarem.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Madeira, a fé

"Salvámo-nos por milagre", "estamos à conta de Deus", "ruiu a capela e Nossa Senhora ficou inteira"... É assim! A fé a dar consolo, resposta, ajuda, ânimo. A religiosidade visível e expressa, em tantos e tantos momentos, cumpre o seu papel primeiro, o de criar sentido, mesmo em situações limite, como o desta catástrofe.
A fé faz parte daquilo que somos, daquilo que nos estrutura e sustenta e isso não é pouco. Por isso, quem acredita, está sempre melhor, experimenta uma paz que é alheia aos outros. Pudera eu acreditar! Como tenho saudades da minha infância e adolescência, como tenho saudades de um sentido profundo que, mesmo sem eu querer, se vai afastando de mim!

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Madeira, pode ser uma lição

Já há uns tempos atrás aqui escrevi sobre a Madeira, de como impressiona o povoamento disperso, mas contínuo de toda a ilha , mesmo nas zonas mais montanhas; de como impressionam as condições de acesso, quer elas sejam veredas, túneis, estradas secundárias ou principais. Parece sempre uma intromissão na terra, na paisagem, no tempo, numa qualquer origem, que não terá despertado para aquela densidade populacional.
Mas é o que temos, é a realidade, e como lidar com ela, quando os deuses se zangam e tudo resvala em torrentes de chuva e lama, e mais chuva e mais lama e mais torrentes, com tantas pessoas mortas, casas destruídas, encostas desfeitas, etc, etc, etc.? O que fazer? Espero ao menos que o que aconteceu seja uma lição para todos, para os habitantes e para quem os governa. Temo que não seja assim, e se continue a forçar a natureza a ponto de a tornar incompatível com o humano. Haverá coisa pior?

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Haiti, será uma reconstrução justa?

Desejo, espero, que não se repitam, no Haiti, as respostas de sempre. Reuniões e mais reuniões, muitos doadores, muitas intenções, mas também muita política… Parece sempre nestes casos faltar o essencial: uma nova ideia de desenvolvimento que seja justa e eficaz.
Tive um sonho, sonhei que, desta vez, vão empenhar-se em construir um país justo, um país que possa alimentar, cuidar e educar todos os seus habitantes. Um país onde as condições de partida sejam capazes de garantir igualdade de oportunidades, como num filme de que não recordo o nome, com a Michelle Pfeiffer, que, perante uma turma de adolescentes rebeldes, violentos, malcomportados, sem sucesso escolar, ensaia uma estratégia: agora, é como se todos estivessem no nível mais elevado, todos tivessem obtido a melhor nota, a partir daqui ou conservam a nota, e lutam por isso com os meios e os apoios que vão ter ao dispor, ou deixam que se reduza, mas não dirão que não tiveram as mesmas oportunidades. Há o empenho, o compromisso, a decisão, a participação de todos.
Isto mesmo se devia passar no Haiti, criar condições de partida de igualdade de oportunidades, ninguém pode ficar nas margens, e depois motivar as pessoas, responsabiliza-las, convencê-las de que o futuro depende do trabalho delas, são elas que decidem, têm meios e ferramentas, para tal.
Como no filme, haverá problemas, muitos problemas, estes, não se extinguem por mágica, mas haverá, igualmente, inter-ajuda, superação, auto-estima e sucesso. Haverá o que falta há séculos, para não dizer desde sempre, ao povo haitiano.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Haiti, o melhor e o pior do humano

Após a catrástrofe, os que chegaram, vindos de muitos países do mundo, para ajudar os haitianos, fizeram-no de forma des-interessada, voluntária, fraterna. Dão-se, respondem, actuam, com total disponibilidade, com total humanidade. Ser humano é isto, é chegar e dizer: “eis-me aqui”, pronto a socorrer, a tratar, a construir um abrigo, a ouvir, a sorrir, a cuidar, sem esperar nada em troca. É bom ver do que somos capazes. (Embora saibamos que, passada a fase da emergência, entrarão em acção a economia e a política - aliás, os franceses e Chávez já começaram a falar dos americanos - e com elas um sem número de interesses).
Mas vemos, também, o não-humano, as pilhagens e a violência organizada tomando, impunemente, conta de algumas ruas e bairros. Aquela imagem de um jovem que numa das mãos leva uma cerveja e na outra uma pistola, é um mau presságio. Percebe-se bem porque é que a segurança é uma coisa tão séria, fundamental.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Haiti, os meninos de ninguém

Queria escrever sobre o inferno do Haiti, mas não sou capaz. Dizer o quê? Dizer que tenho vergonha de pertencer a essa parte do mundo que deixa, que permite, que existam, em 2010, países como o Haiti, com este nível de pobreza, de subdesenvolvimento, de fraqueza ou inexistência das instituições fundamentais do Estado…; dizer que sou incapaz de compreender que se atulhem, no aeroporto, milhares de toneladas de ajuda humanitária e a mesma não chegue às pessoas afectadas; dizer que cada vez acredito menos na eficiência da ONU, como se tem visto nesta situação em que os capacetes azuis não conseguem garantir a distribuição da ajuda em condições de segurança; salva-se a resposta massiva do mundo todo, ou quase, em solidariedade com o povo do Haiti.
Desde o dia do terramoto que também eu deambulo pelas ruas de Port-au-Prince, dando a mão aos meninos que ninguém veio buscar, órfãos de tantas e tantas tragédias. Meninos ausentes, perdidos, que já não choram, que já não pedem... Meninos com direitos, meninos de toda a gente. Meninos meus. Um dia, quando for possível, inventarei histórias bonitas para vos contar! E sei que vão querer ouvi-las.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Morte e devastação no Haiti

O sismo de há dois dias trouxe

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Saara Ocidental

Pela força e pelo gesto de Aminetu Haidar, o problema do Saara Ocidental pode entrar de novo nas preocupações do mundo e da ONU. Talvez se possa discutir e levar a cabo, através de um processo democrático, a autodeterminação deste povo, há tantos anos violentado na sua cultura, na sua história e na sua dignidade. Nada está perdido, quando há consciências que resistem. Apesar da fragilidade visível o interior e a crença desta mulher são desmedidas. O que será possível fazer, a partir de agora?