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sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Lá longe, a casa


Passados mais de quarenta anos, voltou a Maxixe (Moçambique). Fala com alguém:

- Vivi nessa casa, até aos 19 anos. Era a minha casa. Sabe de quem é agora?

- Desde a independência, este é terceiro dono. Primeiro, foi dada a gente de fora, que veio do norte, depois, comprada e voltada a vender a outras pessoas. Mas, se a quiser ver, talvez possa?

- Não sei se quero…. Vou sentar-me, no muro do pátio, a olhar as acácias, a ver se ganho coragem para bater à porta e dizer ao atual dono, sem mágoa: esta casa faz parte de mim, da minha família, muitos a recordam, ainda.

Não teve coragem. Despede-se da senhora, entra no carro, rumo a Maputo e ao hotel. Sente um certo alívio, por não ter quebrado o encanto da casa que guarda na memória: gente a entrar e a sair (os irmãos, os primos, os tios, os amigos…), os móveis, os quadros, a mesa grande na sala…

Maxixe (Foto in Facebook: Moçambique a Pérola do Índico). 2/12/2021)



domingo, 25 de abril de 2021

A guerra colonial

 Império português! Que sabiam disto, os jovens das aldeias que, de norte a sul do país, iam combater em África? Nada, não sabiam nada. Sabiam da guerra. duma guerra lá longe, mas que parecia ao pé da porta. Havia famílias, nesse tempo, muito numerosas, com vários filhos na guerra; mães que se vestiam de preto, tal a dor e o temor de perderem os filhos!

Vivia-se, por todo o lado, uma separação e sobressalto constantes. de 1961 a 1914, os rapazes ou fugiam a salto para a França, antes dos dezoito anos, ou iam à tropa. Os do exército que, a seguir à recruta, fossem para o quartel de Santa Margarida, era certo que terminavam a combater numa das colónias em guerra – guiné, angola ou moçambique.

domingo, 28 de março de 2021

Poema de Manuel Alegre sobre a guerra colonial

 As colunas partiam de madrugada

 As colunas partiam de madrugada

Para o norte partiam para a morte

Partiam de Luanda flor pisada

Levavam morte de Luanda para o norte.

 

De Luanda partiam flor pisada

Colunas que levavam.

Luanda para o norte para a morte

De Luanda partiam madrugada.

 

De Luanda madrugada para o norte

As colunas partiam

Levavam de Luanda a flor pisada

Para a morte do norte para a morte.

 

Partiam de Luanda madrugada

Colunas para o norte

Levavam morte de Luanda

Para o norte da morte flor pisada.

 

De Luanda partiam as colunas

Para o norte partiam flor pisada

De Luanda levavam para o norte

A morte de madrugada.

 

Partiam as colunas de Luanda

Levavam para a morte

A madrugada: flor pisada

Ao norte.

 

                                                                             Manuel Alegre

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Lá longe... num lugar e tempo (8)

 A exploração branca

Muitos dos que nasceram e viveram, nas colónias portuguesas em África, pelo menos os mais novos, não tinham a perceção do que era a exploração branca e a vida miserável e sub-humana da quase totalidade dos negros.

Não imaginavam o que eram as elites brancas, os chás das senhoras, os bailes nos clubes privados, as festas reservadas, os colégios dos meninos ricos…. Só muito mais tarde, perceberam a hipocrisia daquelas vidas.

 A esses senhores, colonizadores da cabeça aos pés, os revolucionários deviam ter batido à porta, abanado as consciências, feito perguntas, exigido responsabilidades…, mas aos meus pais,  não.

Mas qual responsabilidade, foram os primeiros a sair. Como sempre, até na maior crise, o mal não é igual para todos, quem tem dinheiro, poder e contactos, movimenta-se por veredas que só eles conhecem, inacessíveis ao comum das pessoas.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Lá longe... num lugar e tempo (7)

 Colonialismo

O colonialismo, tenha a capa e o rosto que tiver, é uma desumanidade, pelo que desconsidera e humilha. A humilhação é o pior dos males, às vezes até pior que a morte, porque a pessoa humilhada, fica sem capacidade de reação, de dizer ou fazer seja o que for. Percebe-se como é fácil pisar, em alguém assim, a quem retiramos a autonomia.

Considerar que há pessoas inferiores, de segunda classe, sem direitos, escravos dos seus desejos, vontades e ordens! Conhecemos bem os discursos sobre senhores e servos, colonizadores e oprimidos, pobres e ricos…. Podem ter ficado na história as leis esclavagistas e colonialistas…, mas o que não ficou na história foi a atitude de sobranceria que muitos continuam a ter em relação aos seus semelhantes.

Qualquer discriminação, é uma quebra com a dignidade humana.


sábado, 29 de agosto de 2020

Sobre uma cena do filme Indochina – O que sabemos de sentimentos?

Indochine (filme) – Wikipédia, a enciclopédia livre
Indochina, anos 30, quando era uma colónia francesa
 

Vem-me à memória um jovem que viveu até á idade adulta com a avó, construindo uma imagem poderosa e, ao mesmo tempo, romântica e feliz de uma mãe guerreira, ativista política, na luta pela independência do Vietname.

Um dia, sabendo que estaria em França, numa receção, decide ir ao seu encontro, com o propósito de lhe falar. Cruzam-se, sabe quem é ela, mas não lhe fala. Ao contrário, ela não sabe quem é ele. Não o pode reconhecer, mesmo que todos os dias, naquele dia mesmo, ao levantar-se, ao sair de casa, tenha pensado no filho, porventura, a pessoa mais presente na sua vida.

Um filho que não viu crescer, ir à escola, jogar, ter sonhos …. Um filho que não reconhece, apesar de existirem laços familiares tão próximos e sentimentos tão profundos. Talvez ele tivesse ido aquela receção na esperança de que um clique os lançasse nos braços um do outro, como se os anos não tivessem passado e a vida separada não tivesse acontecido.

Mas, nem o tempo se suspendeu, nem os olhares se cruzaram, ao ponto de se fundirem. Dois estranhos, passando lado a lado, incapazes de se abraçarem, de se comunicarem. Ele podia tê-lo feito. Por que razão, quando passou junto dele, permaneceu mudo e imobilizado, no cimo daquela escada? Por que não foi capaz?

Talvez se encontrem de novo, noutras circunstâncias. Talvez, volte a andar quilómetros e quilómetros para a ver de perto, aplaudir o discurso, chorar uma lágrima e, quem sabe, ganhar coragem para dizer:

 - Mãe!

E ela se virar para trás, parar o discurso e indiferente a tudo, correr para ele e gritar:

- Filho!

Agora sim, aquele abraço pode durar para sempre!

 

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Ontem, morreu Waldemar Bastos

Morreu Waldemar Bastos
Waldemar Bastos 

 (Deixo um poema seu que mostra bem as faces do colonialismo em Angola: o medo, a subserviência, a pobreza, a exploração, o existir sem existir...)

Velha Chica

Antigamente, a velha chica
Vendia cola e gengibre
E lá pela tarde ela lavava a roupa
Do patrão importante
E nós os miúdos lá da escola
Perguntávamos à vovó chica
Qual era a razão daquela pobreza
Daquele nosso sofrimento

Xé menino, não fala política
Não fala política, não fala política
Mas a velha chica embrulhada nos pensamentos
Ela sabia, mas não dizia a razão daquele sofrimento

Xé menino, não fala política
Não fala política, não fala política

E o tempo passou e a velha chica, só mais velha ficou
Ela somente fez uma kubata com teto de zinco, com teto de zinco

Xé menino, não fala política, não fala política

Mas quem vê agora
O rosto daquela senhora, daquela senhora
Só vê as rugas do sofrimento, do sofrimento, do sofrimento!
Xé menino, não fala política
Não fala política, não fala política
E ela agora só diz:

- Xé menino, posso morrer, posso morrer
Já vi angola independente!
- Xé menino, posso morrer, posso morrer
Já vi angola independente!

 

                                                        https://www.ouvirmusica.com.br/waldemar-bastos/velha-xica/

sábado, 26 de maio de 2018

Mãe-negra - palmas para Paulo de Carvalho

Hoje de manhã, por acaso, pois, abri a televisão um pouco antes, ouvi o Paulo de Carvalho cantar, em direto, a "A mãe negra". Emocionei-me. Ninguém imagina a importância que algumas canções deste  artista têm na minha vida, desde os dezassete anos, pelo menos.  Deixo o poema para quem quiser ler e pensar.

Prelúdio
 Pela estrada desce a noite
Mãe-negra desce com ela.
Nem buganvílias vermelhas,
Nem vestidinhos de folhos,
Nem brincadeiras de guisos,
Nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
Em duas faces cansadas.
 Mãe-negra tem voz de vento,
Voz de silêncio batendo
Nas folhas do cajueiro...
 Tem voz de noite descendo,
De mansinho pela estrada...
 Que é feito desses meninos
Que gostava de embalar?....
 Que é feito desses meninos
Que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora histórias
Que costumava contar?...
 Mãe negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo, como eu sei tudo
Mãe-negra!...
 Os teus meninos cresceram,
E esqueceram as histórias
Que costumava contar...
 Muitos partiram pr’a longe
Quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
Mãos cruzadas no regaço,
Bem quieta bem calada
 É a tua voz deste vento,
Desta saudade descendo,
De mansinho pela estrada...
 (poesia de Alda Lara, in Poemas, 1966, Angola, in Os direitos humanos na Língua Portuguesa, )
  

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Gandhi, o filme

A primeira cena é o assassinato de Gandhi (30-1-1948); um jovem hindu irrompe pela multidão, parecia ser um admirador que lhe quer falar, mas não, puxa de uma pistola e atira. Depois, o filme prossegue, com Gandhi, em 1893, advogado, que estudou em Londres, numa carruagem de 1ª classe, na África do Sul, à época, também, parte do império britânico. Como nenhum negro podia viajar senão em 3ª classe, mandam-no mudar-se; não obedece, e é posto fora do comboio.
É-lhe dito que não poderá ser advogado, pois, nenhum advogado negro (os indianos são considerados negros) pode exercer a sua profissão; a segregação racial é muito violenta, até os passeios públicos são destinados unicamente a brancos. Começa ali a luta pelos direitos da sua comunidade, juntamente com outros indianos, hindus e muçulmanos, não importa a religião que tenham. O primeiro passo é queimar o “salvo conduta”, um documento com que todos os negros tinham de andar. A seguir, constroem uma comunidade – ashram – onde todos são e vivem como iguais, onde todos fazem de tudo, onde não há senhores nem servos, onde não há intocáveis. A cena em que a sua mulher se queixa: “tenho de limpar latrinas”? - é particularmente reveladora, Gandhi quase se altera, e ela percebe tudo o que está em causa (será até à morte uma companheira de todas as horas).
Começa a discursar, a passar ideias de não-violência, de resistência pacífica, e, mais do que tudo, a dar o exemplo, a agir. “Não terão a minha obediência” - é o grande lema da sua luta. Os tumultos levam a uma lei que endurece a vida da comunidade, os indianos perdem direitos. Gandhi é preso; algum tempo depois, a lei é revogada.
Em 1915, regressa à Índia, já não de fato e gravata, mas com o fato tradicional indiano, como se procurasse uma identidade profunda, que sabe só ali existir, quer ser como todos os outros. A sua chegada é um sucesso; é aclamado como um herói nacional (conhecem a sua luta e o que conseguiu), é recebido pelos poderes indianos que se opõem aos britânicos.
Percorre a Índia de comboio, quer conhecer, saber, sentir...; a pobreza é geral e impactante, está com a mulher e com Charlie, o pastor evangélico que o segue e se identifica com a luta dos indianos, ao ponto de se misturar com os hindus. Naquele comboio, a religião não divide as pessoas, não as coloca numa situação de estranheza. Alguém lhe pergunta: “é cristão?” “sim, sou cristão”. Ainda assim, Gandhi faz-lhe ver que: “o que deve ser feito, só deve ser feito por indianos”; o jovem compreende e afasta-se.
Gandhi fala com o povo; escuta o homem obrigado a cultivar “indigo”, uma planta para fazer tinta e tingir os tecidos fabricados em cidades inglesas. Os indianos não podem cultivar o que querem; cultivam apenas o que os britânicos querem, o que lhes dá lucro e sustenta uma economia colonial, onde os beneficiados são sempre os mesmos. Cultivam algodão e outras fibras vegetais que são transformadas em tecidos e em roupas, vendidas depois aos indianos.
A cena em que queimam a roupa e tomam a atitude de voltar ao velho tear é bem significativa do que pode acontecer à economia britânica. É o primeiro a fazê-lo, a imagem parece irreal, quase do princípio dos séculos, mas o que importa são as consequências. O mesmo com o sal, deixar de comprar o sal vendido pelos britânicos e começar a fabricar o próprio sal.
Mas, nem todos os que o seguem pensam o mesmo; há os que entendem que é preciso agir pela força, que a não violência, a não cooperação, não leva a lado nenhum. Gandhi entende que não se trata de uma resistência passiva, e tem razão; desgastou de tal modo o poder britânico que, em agosto de 1947, se organizou, em Londres, uma conferência sobre a independência da Índia. Gandhi está presente, defende a ideia de uma Índia unida, entre muçulmanos, hindus, judeus,siques, cristãos …; uma Índia de todos, a mesma ideia de comunidade, de ashram, onde todos fossem e se sentissem iguais. Mas a dimensão da Índia é incomparável à comunidade que fundou na África do Sul, não param as lutas entre os indianos e, quando se dá a transferência do poder, a ideia de uma Índia unida, é já impossível. O Paquistão separa-se. A Índia para os hindus e o Paquistão para os muçulmanos; afinal, o argumento religioso usado pelos britânicos estava presente e era determinante.
Mesmo depois do estado indiano, os tumultos entre as comunidades religiosas continuam, há lutas, separações, deslocados, miséria humana...Gandhi vai a Calcutá, hospeda-se na casa de um muçulmano, jejua até que terminem os tumultos, diz às autoridades indianas: “não posso assistir à destruição da Índia”, pede que nenhuma espada hindu se lance contra um muçulmano; está quase a morrer quando lhe dizem que os tumultos terminaram em todo o lado. Resiste. Toma água com limão, levanta-se, volta ao caminho. Foi assim ao longo da sua vida, prisões, jejuns, orações, atitudes...,
Quem foi Gandhi para os indianos? Quem foi Gandhi para o mundo? Não chega dizer que foi uma Alma Grande (Mahatma), não chega dizer o que fez e pelo que lutou. Há um para lá de Gandhi de que não podemos falar (de que não sabemos falar) e que é, ainda hoje, um sentido.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O posto da guarda (será?)

Ao longo da estrada, Inhambane-Maputo (julgo que por todo o país), encontram-se, repetidamente, de tantos em tantos quilómetros, as ruínas de duas casas abandonadas. São casas térreas, seguidas, rectangulares, amplas, uma maior que a outra, ambas com uma varanda ao correr do muro e a mais pequena com uma espécie de alpendre à porta de entrada. Não perguntei nada, mas julgo serem as casas do guarda do posto administrativo, onde estava situada a autoridade portuguesa, servindo a maior de posto e a outra de habitação. Percebe-se que não sejam lugares de boa memória para os moçambicanos; percebe-se o desprezo, o desleixo e tudo o mais, mas como não é possível reescrever a história, talvez reaproveitá-las fosse a melhor coisa a fazer. Assim, sem telhados, sem janelas, com erva crescendo dentro, aqui ali a desmoronar, atentam contra a paisagem e uma natureza que deslumbra.