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quinta-feira, 31 de março de 2011

Líbia, os rebeldes

Os rebeldes líbios que aparecem nas televisões são o exemplo acabado da desorganização, da impossibilidade de eficácia, apesar da vontade, da justeza da revolta e de tudo o mais, mesmo com os bombardeamentos da Nato. Temo que, passada esta fase, se o regime não cair, os sobreviventes destes homens, sejam fuzilados um a um e exibidos como troféu. É impossível que a Nato não tenha um plano sequente aos ataques aéreos. Parece que a única saída é o regime cair por dentro, o ministro dos negócios estrangeiros, que deixou Kadafi e pediu asilo político na Grâ-Bretanha, é um bom indício.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A pobreza extrema

Em muitas regiões do mundo, as condições de vida agravam-se, a cada dia que passa. Hoje, mesmo, milhões de pessoas irão dormir com fome, sub-nutridas, vulneráveis a doenças e a epidemias que as deixarão marcadas para o resto das suas vidas ou as levarão a uma morte prematura – a SIDA é o caso mais flagrante, com dimensões devastadoras, mas continuam a matar a malária, a tuberculose, a cólera… Nestas condições a emigração clandestina aparece-lhes como a única saída e arriscam tudo para chegar à Europa, que julgam de portas abertas e mesas cheias. Não raro, deparam-se exactamente com o inverso, muitas barreiras e muitas dificuldades. 

segunda-feira, 28 de março de 2011

Refugiados

À ilha italiana de Lampedusa, no mediterrâneo, chegam  vagas de refugiados tunisinos, egípcios e agora líbios, na procura de um lugar seguro para  passar estes tempos de crise ou reiniciar vidas. É certo que todos os países que assinaram a Convenção relativa ao estatuto dos refugiados, de 1951, têm a obrigação legal de receber e acolher dignamente as pessoas vítimas de perseguição, fugindo de conflitos armados ou de tensões políticas, como é o caso destes africanos.
Portugal também assinou esta convenção, de nodo que  todos os anos recebemos refugiados de várias nacionalidades, embora em número pouco significativo. Para lá do apoio do Estado, que tem um centro de acolhimento perto de Lisboa, na Bobadela, existe o Conselho Português para os Refugiados, constituído em 20/10/91, que dá, aos que pedem asilo, apoio jurídico e social, ajudando-os a conseguir o estatuto de refugiados, a conseguir emprego, a aprender a língua…

sexta-feira, 25 de março de 2011

Mãe negra

(a propósito do recente dia mundial da poesia)

Prelúdio

Pela estrada desce a noite
Mãe-negra desce com ela.
Nem buganvílias vermelhas,
Nem vestidinhos de folhos,
Nem brincadeiras de guisos,
Nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
Em duas faces cansadas.

Mãe-negra tem voz de vento,
Voz de silêncio batendo
Nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite descendo,
De mansinho pela estrada...
Que é feito desses meninos
Que gostava de embalar?....

Que é feito desses meninos
Que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora histórias
Que costumava contar?...

Mãe negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo, como eu sei tudo
Mãe-negra!...

Os teus meninos cresceram,
E esqueceram as histórias
Que costumava contar...

Muitos partiram pr’a longe
Quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
Mãos cruzadas no regaço,
Bem quieta bem calada

É a tua voz deste vento,
Desta saudade descendo,
De mansinho pela estrada...

(Poesia de Alda Lara, in Poemas, 1966, Angola, in Os direitos humanos na Língua Portuguesa, )

Tumultos na Síria

Há no ar como que uma espécie de inevitabilidade: quem será a seguir? Se alguém pudesse explicar, com a profundidade que a situação exige, o que se está a passar no mundo árabe, era uma preciosa ajuda.  O que se passa é mais que política, economia, petróleo...,  é da ordem do essencial, do ser pessoa, que, apesar de décadas e décadas de estado de emergência, de estado de sítio, de  estados policiais e militarizados, de ditaduras e ditadores..., diz basta.

quinta-feira, 24 de março de 2011

E um dia, a democracia bateu à porta

Estavam ali reunidos para discutirem como deveria ser a organização desse país novo, onde tudo poderia funcionar bem ou mal, conforme as decisões que tomassem. O futuro dependia deles e isso era muita responsabilidade, mas também uma grande alegria e uma enorme confiança, todos juntos poderiam construir um país diferente.
Decidiriam que não haveria mais reis nem rainhas, nem príncipes nem princesas a quem o povo iria beijar a mão e pagar tributo, reverenciar como se fossem deuses. Não haveria mais chefes sagrados, indiscutíveis, a quem o poder caia do céu ou era herdado, como se fossem pessoas predestinadas. Como podia isso ser! Um  príncipe herdeiro que participava,  um jovem moderno, viajado, que dominava línguas, saberes, tecnologias e não só (desconfiavasse que tinha outros valores), tomou a palavra para anunciar: "Não sucederei ao meu pai, não serei rei, a minha vontade vale tanto como a de todos os outros".  Agora, sim, tudo seria mais fácil, a democacia podia bater à porta e entrar.

quarta-feira, 23 de março de 2011

A Catatua Verde

Fui, há poucos dias, ao teatro D. Maria II, ver a peça "A Catatua Verde", de um autor austríaco, Arnold Schnitzer, encenada por  Luís Miguel Cintra. O texto é muito  interessante e a representação atinge, quase durante todo o tempo, uma grande intensidade dramática. Tudo se passa, na noite da revolução francesa, quando mais ou menos alheios ao que se passa nas ruas, a vida decorre normal, numa taberna situada numa cave dos arredores de Paris. O dono, um antigo director de teatro, não serve apenas bebida, serve também teatro, há actores que incarnam ladrões,  prostitutas, homossexuais, bêbedos, pedintes..., para gozo de nobres e aristocratas que, deste modo, tomam contacto com uma realidade a anos luz das suas instaladas vidas. Mas claro, quando uns representam e outros tomam a ficção por realidade, são inevitáveis os equívocos, a certa altura, até os actores confundem os papéis; quando o duque é assassinado, ainda, não é por causa dos revolucionários e da revolução, é por causa da intriga, da traição e dos ciúmes, uma  combinação fatal, desde o princípio dos tempos. Mas deixe-se acreditar, aos  que assistem, que aquela morte é um acto revolucionário, ouve-se no final "viva a liberdade". Ficamos  a pensar no sentido de tudo isto, nos sentimentos humanos, nas glórias e também tragédias das revoluções.

terça-feira, 22 de março de 2011

"Todos nascem livres e iguais"

Ontem, celebrou-se o Dia Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966, na sequência do que se tinha passado, no dia 21 de Março de 1960, quando a polícia sul-africana atirou a matar sobre uma manifestação pacífica, em Sharpeville, protestando contra o Apartheid, nomeadamente contra as Leis de Passe que obrigavam os indivíduos negros a possuir um cartão com os locais onde lhe era autorizado circular. Morreram 69 pessoas e mais de 180 ficaram feridas.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Ainda sobre o mal

Há muitas aproximações teóricas sobre o mal, vindas de vários campos do saber (religião, filosofia, psicologia...), seja como for, o mal, tal como o bem, é da natureza humana, e  é  muito ténue a fronteira entre a paz e a violência. A questão é então ter consciência que ninguém está imune, de que ninguém está acima,  por mais valores humanos que diga defender, por melhor educação que tenha... É preciso que todos se disponham a respeitar o outro, a reconhecer regras democráticas, tratados internacionais, etc., e não fazer disso letra morta, por uma qualquer pretença iluminação ideológica, religiosa, étnica, tribal, etc. Kadafi  disparou, matou, não podia ignorar que um dia iam cair bombas em Tripoli, mas claro  a guerra não é nenhuma solução, mesmo quando parece inevitável.

domingo, 20 de março de 2011

Ataque internacional na Líbia, contra a banalidade do mal

A banalidade do mal, expressão de Hannah Arendt,  é o estado em que o indivíduo, anulado, sem direitos, perde qualquer capacidade de reacção, já não reage às atrocidades, já não pensa no que lhe está a acontecer, como se a violência fosse a norma. As pessoas,  já não são pessoas,  com sentimentos, pensamentos, projectos...; mas são coisas, tratadas como coisas, instrumentos ao serviço do que seja, pode ser do despotismo mais feroz ou da barbárie mais sangrenta.  Quando caças franceses atacam posições de Kadafi, percebe-se a legitimidade. Injusto seria assistir ao extermínio do povo líbio, às mãos do seu chefe, sem nada fazer.

sábado, 19 de março de 2011

O perigo nuclear

É evidente que não percebo nada de energia nuclear, centrais, etc.,  mas perante o que está a acontecer no Japão, penso sempre no modo como as sociedades foram  construindo o seu desenvolvimento, parece sempre que nada chega, que nada é suficiente, que é necessário sempre mais e mais tecnologia,  mesmo  que isso implique resíduos  perigosos, radioactivos e outros, para muitas e muitas gerações.  O preço  a pagar é alto, muito alto, e já não é preciso esperar pelo futuro, a factura está aí.  

quarta-feira, 16 de março de 2011

Japão, a contingência assusta

O sismo, o tsunami que se seguiu e agora o desastre provocado pelas centrais nucleares mostram como, de um momento para o outro,  muda tudo. Mas muda a uma escala inimaginável de destruição,  com reflexos  globais. Pecebe-se porque há já quem fale de apocalipse para se referir ao que se passa no Japão. 

sábado, 12 de março de 2011

Sismo no Japão

As imagens do tsunami que se seguiu ao violento sismo  são  reveladoras da força da natureza e da grandeza da tragédia humana e material, nesta zona do globo. Mas, enquanto isso, há uma certa normalidade em muitas regiões e cidades do país,  como se o abalo fosse apenas isso e tenha passado. Claro que não passou, mas não é comparável  com a tragédia do Haiti do ano passado. É a diferença entre o primeiro e o quarto mundo, entre o ter e poder planear e acudir e nada ter. Não é a mesma vulnerabilidade, embora seja grande o impacto.

terça-feira, 8 de março de 2011

Líbia, continua o delírio

Então não é que o Coronel quer reunir com a oposição, no Parlamento, para uma saída negociada! E enquanto isso manda bombardear as cidades. Quer garantias, para si e para a sua família, de que nada de mal lhes vai acontecer. É irónico, no mínimo!

sexta-feira, 4 de março de 2011

Escravatura (3)

Reduzido a força de trabalho, qual animal de carga, sem nenhum direito, comprado e vendido, como mercadoria, explorado até ao limite das suas forças, peça de uma engrenagem infame que reduz homens a escravos, sentia que não podia fraquejar. Não tinha escolha: só a revolta. Sairia disto, tinha a certeza, pois, ao contrário da  mãe não se sentia escravo por dentro, tinha forças para lutar. Não era escravo, fizeram-no escravo, sem direitos, sem documentos, sem reconhecimento... Pensava: “Um dia, mesmo que demore muito, haverá uma luz; segui-la-ei, com todos os companheiros da senzala, o portão não voltará a fechar-se e poderei, enfim, decidir da minha própria vida".

quarta-feira, 2 de março de 2011

A escravatura (2)

Ouvia, vezes sem conta: “não podes fazer, não podes sentir, não podes imaginar…”, mas que vida era esta que a própria mãe lhe impunha como destino, como se nada houvesse a fazer. Crescer com a ideia de que tudo é impossibilidade, perturba até os sonhos; sempre nos seus sonhos aparecia uma portão, um capitão do mato, um estrada sem saída, um labirinto que acabava num palmeiral, onde, por entre os ramos, o sol sempre se escondia.  Por que seria sempre pôr do sol? Por que se fechava o portão? Por que terminava a estrada? Pesadelos da noite que a dura realidade do amanhecer tornava reais, sempre a mesma senzala, sem nada, que não fosse a voz do feitor, um naco de pão, uma enxada, um trilho para caminhar até à roça e o mesmo trabalho forçado. Trabalhar, trabalhar, horas e horas, quantas mais melhor, dependeria da época do ano, mas sempre muitas, claro.

terça-feira, 1 de março de 2011

A escravatura (1)

Tinha sentimentos e sonhos de gente, mas não podia ser gente. Não o consideravam como tal. Tinha vontade, razão, ideias, desejos..., mas não tinha a liberdade de fazer fosse o que fosse. Vivia aprisionado e a  prisão não estava apenas em não poder sair pelo portão da fazenda, em não poder saltar os muros da roça, em não poder  atravessar o rio para o lado de lá. A liberdade não estava em lado nenhum. Sabia-o e por isso ficava ali, incapaz de decidir o que fosse sobre a sua própria vida.
Questionava se poderia viver naquela tempestade interior toda a sua vida? E a resposta era invariavelmente a mesma: impossível, resistir. Tinha de encontrar uma saída, antes que lhe aprisionassem também a alma. A liberdade era uma voz interior que não podia calar, embora, quando a raiva apertava mais, fizesse de tudo para silenciar esse desejo de ser livre. Fazia-o para sobreviver.