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sexta-feira, 31 de julho de 2015

As senhoras que vendiam molhinhos de hortaliça (1)

Ambas pareciam frágeis, pela idade, seguramente, mais de oitenta anos, mas também pelas mazelas bem visíveis, uma delas caminhava já muito curvada.
Aparentemente, não têm idade para vender hortaliças; têm idade para estar em casa e já com algum apoio. Mas não, continuam a semear, a mondar, a regar, a arrancar e a fazer molhinhos de diferentes legumes para vender no mercado. Continuam a fazer (até ao limite das forças) o que sempre fizeram. A fazer o que viram as mães fazer, as vizinhas e todas as mulheres da sua terra fazer, desde crianças, há sessenta ou setenta anos, mesmo que depois de tanto trabalho o lucro seja mínimo ou nem sequer seja nenhum.
Encontrei-as já bem ao final da manhã, quando saia da praça e elas se dirigiam carregadas, cada uma com mais de dois sacos para junto do contentor de resíduos.
- Têm couves para plantar – pergunto-lhes?
Começam a tirar do saco molhadas e molhadas de legumes.
- Uma, duas, três, quatro, cinco, seis..., de couves, repolhos, cebolo..., leve tudo que lhe damos cada molhada a um euro, nem chega a metade do preço.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Conversa com uma jovem muçulmana (2)

- Não é justo dizer que são os muçulmanos a origem de toda a violência.
- Claro, não são todos os muçulmanos, sabe-se bem. Aqui, em Portugal, alguma vez foste discriminada, olhada de lado, por seres muçulmana?
- Acho que não. Pelo menos, não dei conta. 
- O que gostarias que os outros soubessem dos muçulmanos?
- Que têm uma religião diferente, uma maneira de viver com costumes e tradições diferentes, mas que a maioria luta todos os dias para viver em paz, tanto com o vizinho da porta ao lado como com os desconhecidos.
- É o que eu penso, também.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Conversa com uma jovem muçulmana (1)

- Olá, falei com a tua professora, sei que és muito boa aluna.
- É verdade, gosto muito de aprender e de estudar. Gosto desta escola, dos meus colegas, de tudo.
- Sei que também sabes ler e escrever em árabe.
-  Sim, já sei há muito tempo. Aprendi, quando era criança, para ler o Corão.
- Lês, só quando vais à mesquita ou também em casa?
- Leio em casa, também.
- Tu rezas sempre em árabe? Deve ser muito difícil, calculo. Rezas de memória? 
- Não, é fácil.Toda a minha família reza assim.
- Sabes, vi na entrada da mesquita desenhos dos meninos que andam na escola corânica e gostei muito, achei que pensam em coisas bonitas…
- Eu não desenho bem, tenho pouco jeito
- Não acredito. E cantar, também sabes cantar em árabe?
- Sei cantar, canto em casa e também canto na escola da mesquita.
- Fala-me da mesquita aonde vais.
- A mesquita é um lugar sagrado, um lugar puro, por isso  é preciso lavar os pés, as mãos, para irmos limpos lá para dentro.
- Vou para a parte de cima da mesquita com a minha mãe, onde estão as senhoras. Os homens ficam  em baixo.
- Sim, sei que há divisões. Pensas que muitas pessoas de outras religiões conhecem a tua religião ou que poucas a conhecem?
- Penso que são poucas e algumas pensam mal de nós; pensam coisas que não são boas.
- É verdade, ficas triste quando ouves na televisão falar dos terroristas islâmicos?
- Fico triste, mas não compreendo bem.
- Quase ninguém compreende, eu também não.


quinta-feira, 23 de julho de 2015

Campo desminado

Arame farpado, 
Perigo de minas, destruição e morte.
 É a guerra menino. É a guerra!
                                         (não entende, não pode entender)
Desapareceu o arame, 
Desminaram o campo. 
Cresceram as flores,
Podaram as árvores,
Semearam a terra,
Colheram os frutos.
É a paz menino! É a paz! 

                                      (agora entende, agora pode entender)

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Discriminações

Sejam de que natureza for: raça, etnia, género, orientação sexual, deficiência, idade..., qualquer discriminação é inaceitável. Ninguém pode ser discriminado, por não ser igual à maioria.
Entre nós, e em todos as sociedades civilizadas, democráticas, abertas e plurais, a lei condena todas as formas de discriminação. "Somos todos iguais", declara-se no 1º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Mas não chega a existência de leis é preciso sensibilidade, consciência; dar o devido valor a cada ser humano. A questão é, portanto, de valores, de atitudes,  de formação cívica.  É uma questão de dignidade humana: cada um ser reconhecido e respeitado na sua individualidade.


segunda-feira, 20 de julho de 2015

Sabedoria popular, provérbios


- A união do rebanho obriga o leão a ir dormir com fome.

 - Ninguém pode despir um homem nu.

 - Se crias uma serpente, serás o primeiro a quem ela morde.

- Se ouves falar mal do teu amigo, escuta como se tratara de ti.

- Quem deu à luz um monstro está obrigado a amamentá-lo.
                                                                                              Provérbios africanos



sábado, 18 de julho de 2015

A flor que veio de longe

A flor nasceu e cresceu num canteiro do jardim da escola. Ela e as irmãs vivam felizes. Gostavam das brincadeiras dos meninos, do calor do sol e da sombra da tília nas tardes quentes de Verão. Mas um dia a escola fechou, os meninos deixaram de aparecer, ninguém mais regou as flores e elas começaram a ficar tristes e a secar.
- Ai se alguém nos viesse salvar! Precisamos de ajuda – pediam as flores!
Como há sempre fadas boas a ouvir os pedidos, na manhã seguinte, apareceu um jardineiro da Câmara que as arrancou com cuidado e as pôs na parte de trás de uma carrinha. A flor foi levada, juntamente com a mãe e algumas irmãs (as que ainda não estavam murchas), para outro lugar para aí ser de novo plantada. Está triste e sem forças, mudou de terra, de jardim, de cidade..., e, quando foi arrancada, as suas raízes partiram-se bastante e algumas folhas amareleceram e caíram. Já não é a mesma, tudo lhe dói. Até a estaca que lhe puseram para a ajudar a manter-se direita a incomoda.
- Estou mal, esta terra não é igual à minha, sinto tudo tão estranho! Para onde ficará a terra de onde vim? Será para o Sul ou para o Norte? Terei atravessado o rio ou as montanhas?
Não sabe. Como estava cheia de dores nunca levantou a cabeça, durante a viagem, para olhar a paisagem. Não sabe, mas imagina que veio de longe, lembra-se de ter passado muito tempo e de ter sentido fome e sede, e também porque o tempo, aqui, não é o mesmo, faz muito frio. Quando estiver melhor vai querer passear e descobrir este novo lugar.
Às vezes, diz à mãe:
- Não me sinto lá muito bem! Tenho saudades de lá! 
- Filha, vais ficar outra vez forte, bonita e cheia de saúde. Quando chegar a Primavera, terás folhas e pétalas novas. Os dias difíceis dos primeiros tempos vão passar, vais aprender coisas novas, encontrar amigos, ser convidada para as festas de anos, os bailes de domingo, o coro do jardim e a vida voltará a ser feliz para ti.
- E depois, mãe, sou daqui ou de lá?
- És daqui e de lá – repete-lhe a mãe, enquanto lhe canta baixinho uma canção que fala da terra de onde vieram.


sexta-feira, 17 de julho de 2015

Vítimas de grupos armados, sequestros


“Fui sequestrada (pelo exército de Resistência do senhor) quando eu e a minha mãe íamos para o campo…Outra das meninas sequestradas procurou escapar, mas apanharam-na. Os rebeldes disseram-nos que tinha tentado fugir e por isso devia morrer. Mandaram os meninos mais novos matá-la. Disseram-nos que se tentássemos fugir matariam as nossas famílias. Fizeram-nos caminhar uma semana… Algumas das crianças mais pequenas não puderam acompanhar o passo, caminhávamos muito sem descansar, e mataram-nos.. Algumas das crianças morreram de fome. Senti-me impotente a ver tantas crianças a ser assassinadas. Pensei que me iam a matar.”


(É o caso de  uma criança do Uganda, nos anos oitenta do século passado, mas hoje mesmo, 2015, o sequestro é um acontecimento banal.O Boko Haram, na Nigéria, acaba de o fazer, mas há muitos mais grupos terroristas que o fazem ).

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Génesis, a exposição

Visitei a exposição de Sebastião Salgado, e gostei muito. Não posso dizer que tenha sido surpreendida, de algum modo, conhecendo outros trabalhos do autor, esperava o que vi. Há uma qualidade e uma essência nas fotografias que chega e ultrapassa a mera observação. Salgado mostra, denuncia, propõe, compromete...
Para mim são particularmente tocantes os rostos. O que dizem os rostos de Sebastião Salgado? Ninguém sabe. Dizem tudo.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Voltando aos ditadores (4)

Mas vem um dia e a justiça aparece, no caminho do ditador. É acusado e detido em Londres,  ficando em prisão domiciliária numa mansão nos arredores da cidade. 
Abrem-se noticiários, formam-se movimentos a favor e contra, o próprio governo chileno empenha-se para que ele não seja extraditado para Espanha e seja julgado no Chile. A senhora Thatcher visita-o, intercede por ele. Todos se movimentam; a novela dura mais dum ano, até que, finalmente, depois de revogações e nova sentença, surge o veredicto: Pinochet vai de volta ao Chile.
O argumento da sua debilidade física e mental, do seu precário estado de saúde, parece sortir efeito. Contudo, não convenceu e foi desmentido, logo que o senhor pisa solo chileno. Levanta-se leve e fresco para abraçar os companheiros de sempre. Os que acreditaram na sua doença, devem estar roídos de fúria; foram bem enganados. 
(a  justiça seguiu os seus trâmites) 

domingo, 12 de julho de 2015

Voltando aos ditadores (3)

O mesmo telejornal  que mostrava estudantes a serem massacrados e mortos nas ruas de Santiago, mostrava também o ditador a assistir à missa. Não parece aceitável, para nenhum católico,  ver a igreja bajular e dar a comunhão a criminosos. 
Não sei se eles sabem, mas eu sei que Deus está zangado com todos “Pinochets” deste mundo, só pode estar, mesmo que alguns tenham financiado a construção de igrejas, templos e catedrais - sim, que estes senhores usam descaradamente a religião, porque sabem que a instituição nunca diz não aos poderosos - o que se passou e ainda se passa na América Latina é intolerável. Uns quantos, poucos, com tudo e todos os outros, muitos, sem nada. 
(agora, parecem soprar novos ventos)

sábado, 4 de julho de 2015

Voltando aos ditadores (2).

Como se podem perdoar os ditadores que, ao longo da história da humanidade, foram autores e mandantes das chacinas mais brutais e horrendas? Não se pode, evidentemente. Mesmo, analisando todas   as circunstâncias, contextos e situações, não se encontram  razões para justificar os seus atos.
Talvez o caso limite seja Hitler e o nazismo, mas há (e houve) outros:  Fidel Castro, Mugabe, Hussein, Kadafi, Miloseviche e muitos, muitos, outros, em todos os continentes. 
Todos têm uma ânsia infindável de poder; fazem o que for preciso para o manter. Formam exércitos, constroem castelos, palácios, bunkers...; compram iates, aviões..., colocam rios de dinheiro em paraísos fiscais e, enquanto isso, o povo, o seu povo, vai definhando na pobreza, na ignorância na falta de todos os direitos.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Voltando aos ditadores (1)

“Como me podem querer mal, como me podem odiar, como me podem querer julgar, eu um homem bom que fiz tudo pelo meu país! Amei o Chile, amei-vos a todos, sempre trabalhei por vós e para vós, meu Deus que injustiça” - gritava o ditador, julgando o mundo todo contra ele.
Nem todo o mundo estava contra ele, mas devia estar, acontece que há países, como há homens, que batem palmas aos sacanas. Qualquer ditador é um sacana, venha de onde vier, da direita, da esquerda, de qualquer que seja a ideologia. Todos, perdida a razão e o respeito pelos outros, impõem o medo e o terror da lei, da sua lei. 
Julgam-se iluminados, mas não há nenhum desígnio divino, apenas vontade humana. Alguém os suporta e mantém no poder. Estão ao serviço de interesses, de fações e de bens particulares. Não venham falar de bem comum, de justiça, de amor ao povo... Não podem.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

O velho e a jovem (4)

- Ninguém me entende, sabem apenas criticar-me. 
- Eu, já não sirvo para nada, a minha vontade já não conta. Sinto-me humilhado e nada é pior do que isso.
Enquanto ela rejeita a família, no caso dele foi a família que o rejeitou. Não é  mesma coisa. O abandono dos velhos e a rebeldia dos adolescentes juntam duas criaturas na noite, de uma qualquer cidade, mas não chega a ser um encontro, cada um seguirá o seu caminho.  

quarta-feira, 1 de julho de 2015

O velho e a jovem (3)

Também ela se comoveu, pela primeira vez, fala com ternura na voz, com um misto de surpresa e dó. Afinal, ele parecia sofrer tanto ou mais do que ela.
- Eu sou a Cláudia, queres vir passear comigo? Anda, levo-te para uma casa já fora da cidade onde vive uma amiga minha e onde às vezes costumo ficar. Anda, vem, vem ... 
Arrastado por ela, o velho deixa-se conduzir para fora da estação, sem perguntas mas observando e pensando sempre.
Pela primeira vez, o velho fala:
- Chamo-me João - fez de novo silêncio - Tu saíste, eu fui posto fora de casa.
- Mas eu não quero viver na rua - grita ela.
- Eu também não quero viver num lar - diz  ele.
Cláudia, ora corria, ora parava, ora dizia coisas sem sentido, ora ria e chorava ao mesmo tempo. A confusão de alguém que sente raiva e culpa por uma liberdade que quer, e julga ter conseguido, mas que não lhe serve para nada, antes, a maltrata e prejudica.
Cláudia parece não ser capaz de cuidar de si, hoje, como em muitas outras noites, terminará no beco de sempre, prostituindo-se e consumindo haxixe. O velho pressente a situação mas não é capaz de dizer nada. Não é capaz. Que coisa é essa que o impede de dizer seja o que for, ao mesmo tempo que se questiona: "para que quer Cláudia a liberdade se não é capaz ou não pode ser livre"? 
- Eu sei que se pegar no telefone e disser onde estou, voltarei, ainda hoje, para casa -  diz a jovem.
Sabe isso, mas sabe também que de novo voltará a fugir sem saber de quê ou de quem. Ele, ao contrário, sabe que não vai pegar no telefone, nem voltar para casa. Ninguém o espera.
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