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quarta-feira, 30 de abril de 2008

Pertenças, sou ou não sou daqui

Hoje fui à igreja do bairro que não frequento com nenhuma regularidade. Fui à missa. Mas o que mais me emocionou foi o antes a missa, as pessoas que estavam e iam chegando. O modo como se posicionavam, se cumprimentavam, falavam... Pareceu-me um espaço comum envolvendo dentro dele múltiplas pertenças: era o grupo do coro, que ocupando o lugar designado, se iam
cumprimentando à medida que chegavam, era um grupo da catequese, as crianças que vinham com a catequista e se sentavam juntas ocupando todo um banco, era o grupo de leitores... Todos falavam, trocavam breves conversas...
Fiquei a pensar: há aqui uma identidade, um sentimento de pertença que ajuda a viver, que faz bem, que compromete, que dá vontade de estar e de voltar ...
Eu não pertenço a nada. Sou quase uma estranha, e sinto pena ...

quinta-feira, 24 de abril de 2008

A escravatura que não acaba

Ontem, soube-se que cinquenta portugueses tinham sido libertados de uma rede de tráfico de seres humanos, em Espanha. O que mais perturba é a maldade humana, quase em estado puro, sem um pingo de sentimento, que utiliza as fragilidades emocionais, mentais e sociais das pessoas para as utilizar a belo prazer. Coisas que não julgamos possíveis, entre nós, são possíveis.
Já sabíamos que o mundo não protege os fracos, mas não estamos na lei da selva. Portugal e Espanha são Estados de direito, por que é que a lei e as autoridades não protegem estas pessoas? Talvez não tenham tido conhecimento em devido tempo, mas havia quem conhecesse o caso, quem visse estas pessoas ser exploradas, escravizadas, maltratadas, e nada tenha feito para o denunciar. Todos somos responsáveis por estes e outros casos idênticos, basta que fechemos os olhos e achemos que não temos nada a ver com o assunto.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Nojoud Muhammed Nasser, a menina do Yemen

No início deste mês uma menina muçulmana do Yémen , de oito anos, foi sozinha a um tribunal pedir o divórcio do marido, um homem de trinta anos com quem vivia há mais de dois meses. Neste caso, choca-nos a imensa pobreza que leva aqueles pais, por um mísero dote, a entregar a filha ainda criança a um adulto. Tudo é explicado pela (in)questionável tradição, mas se ao menos a tradição fosse cumprida, não o foi por este marido, que consumou o casamento antes da menina atingir a puberdade. O grau de violência sobre estas crianças, violadas e abusadas, é imenso, mas o pior é que ninguém as ouve por mais que gritem e peçam ajuda . Não ajuda a família, não ajuda a sociedade, ninguém ajuda. É a tradição, dizem. Mas também é tradição não cumprir a tradição?
Como quase sempre, em situações limite, o ser humano descobre forças onde antes não existiam, e esta menina corajosa vai denunciar o marido e o pai. Tem a sorte de encontrar um juiz também corajoso que não decreta o divórcio mas sim a anulação do casamento para que aquele homem não volte a incomodá-la. A menina foi recolhida por um tio, está a salvo. Mas, até quando? Que fazer destas tradições, como ajudar estas vidas!

sábado, 19 de abril de 2008

Confiar, afinal resolve

- Que horas são? – pergunta-me o jovem (muito menos de vinte anos) que acaba de me ajudar a arrumar o carro.
- São seis horas. Por que será que há tanto movimento, tanta gente, aqui?
- Porque há jogo no Benfica. Já está tudo cheio, teve muita sorte em arranjar aqui um lugar. Podia dar-me este dinheiro todo, por lhe ter arranjado um lugar tão bom – referia-se à nota de cinco euros que eu lhe tinha dado para retirar um euro e devolver-me o resto.
- Sabe que, quando não tenho moedas, não paro, mas olhei para si e confiei – digo-lhe. Pensei: ‑ posso dar-lhe a nota que ele vai dar-me o troco.
- E vou mesmo, senhora. Vou mesmo. Não se enganou.
- Está a ver como vale a pena olhar nos olhos das pessoas!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

A fome sempre à espreita

Países como o Haiti, o Egipto, etc., em crise de alimentos são um grande alerta para o mundo, sobretudo, para os que entendem de desenvolvimento, de economia global, de mercados e de tudo o resto, e parece ainda não terem entendido que nada há de mais importante e necessário que um saco de farinha ou de arroz, por mais lucro que dê plantar essas grandes extensões de terreno com os tais biocombustíveis ou lá o que seja. Este modelo económico, de que eu não compreendo nada, parece um trapézio sem rede, os desequilíbrios aparecem até mesmo de onde não se estava à espera. Ninguém está seguro, mas os menos seguros e mais prejudicados são como sempre os mais pobres.

domingo, 13 de abril de 2008

A paciência tem limites

Não sei o que se vai passar no Zimbabué, não prevejo nada de bom. Tive a ténue esperança de que o ditador Mugabe deixasse publicar os resultados das eleições presidenciais e aceitasse sair de cena, mas a minha tese de que nenhum ditador deixa o poder vai infelizmente confirmar-se de novo. Maldito poder, como transforma a cabeça e o coração dos homens! Infames ditadores que levam despudoradamente o povo à miséria mais absoluta, convocam uma espécie de eleições, mas quando perdem não são capazes de aceitar os resultados. O que irá fazer a comunidade internacional ? E o presidente sul-africano ? Já se passou tempo demais.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O menino do acordeão

Encontrava-o todos os dias à mesma hora, no mesmo semáforo. Tinha sete, oito, anos, e transportava um acordeão que, mesmo sendo pequeno, era demasiado grande para o seu tamanho. Muitas vezes, se o sinal estava fechado, conversávamos e ele invariavelmente me pedia esmola. Mas naquele dia tinha outras preocupações, uma correia do acordeão tinha-se desprendido, e ele não podia tocar.
Perguntou-me: ‑ Não tem um preguinho?
- Um preguinho? Como ia eu adivinhar que ias precisar de um preguinho?
Se fosse agora, depois de ver como esse acordeão era tão precioso para ti, ia ter uma mão cheia de preguinhos.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Campo minado, perigo de morte

O dia 4 de Abril é o Dia Internacional de Sensibilização para as Minas e Ajuda em Acções Relativas a Minas. Bem é preciso que pensemos sobre este grave problema, que continua muito para além dos conflitos. São extensões imensas de campos minados, antes, bons para o cultivo e, depois, reduzidos a um cobarde campo de batalha, onde o inimigo não se vê, embora continue lá, pronto a matar, a estropiar e a aterrorizar. E assim se abandonam as terras, se impedem as pessoas de cultivar, de ganhar o seu sustento e de manter a esperança. Desminar estes campos é uma necessidade e um direito, há uma Convenção Internacional de Proibição de Minas Anti-Pessoais, em vigor desde 1999, mas muito falta ainda fazer. É que nestas questões, das armas e da guerra, sempre a política e a economia degladiam os seus interesses, esquecendo ou deixando para segundo plano a dignidade e os direitos da pessoa humana. Basta pensar, ironia das ironias, que são os mesmos que fizeram esses milhões de bombas os que agora produzem o material para a desminagem. Que círculo vicioso este!

domingo, 6 de abril de 2008

Uma dor que não acaba

Há muito tempo que a via sozinha. Deixei de ver o filho, mas não imaginei o pior. Ontem, disse-me: - O meu filho já cá não está. Já não tenho o meu filho.
Quantas vezes esta senhora me falou do filho! De como permaneceu com ele mesmo quando todos o abandonaram e teve de escolher entre ele e o resto da família; de como lutou por sucessivas recuperações; de como acreditou ao mais pequeno sinal: - Viu o meu filho, está tão bonito! Não parece o mesmo, engordou, tratou-se; de como vigiou o consumo com medo de uma overdose; de como continuava a trabalhar a dias, mesmo reformada e com mais de sessenta anos. Agora ele morreu. O inferno acabou, mas o vazio que a consome é-lhe insuportável.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O menino da pedreira

Encontrei-o em Cabo Verde, na Ilha de Santiago. Lá estava ele, mais um dia, sentado naquela maldita posição, que lhe dava cabo das costas e lhe punha os braços que não podia mais. Horas a fio, a partir pedra. Como podia uma criança aguentar, tantas horas, a fazer paralelos para as calçadas e os passeios da cidade! Cidade que não conhecia e passeios onde nunca tinha passeado. Quando iria ele à cidade? Talvez, só daqui a muito tempo, quando crescesse mais um pouco. Não importava que a cidade não fosse longe. Para ele era.
- Ganha para aí uns trezentos escudos (três euros) - disseram-me. O que significará para ele aquele dinheiro? Pensará que é muito ou que é pouco? A quem o irá entregar? O que pensará da vida que tem? Terá sonhos? Certamente que sim, todos os meninos têm.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Meninas escravas, até quando

A propósito de uma reportagem na RTP2. Incomoda ver a vida daquelas meninas, escravas domésticas, fabris ou sexuais, nessa imensa, desigual e injusta Índia, onde o tempo passa, o progresso chega para alguns, enquanto outros continuam na mais profunda pobreza. Percebemos o que é nascer, crescer e morrer nas margens, sem ter a esperança de mudar de vida. Vemos meninas, ainda crianças, de corpo dorido, trabalhando horas sem fim na fábrica ou na casa dos senhores (há sempre senhores); vemos meninas de olhar perdido, a tremer de medo, trabalhando horas sem fim nos bordéis da cidade. Onde ficou a infância? Onde ficou a escola? Onde está o futuro? Acreditamos em organizações como a SACCS ou a STOP, mas é tempo dos governos criarem as condições para implementar e fazer cumprir as Convenções Internacionais que assinam.