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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Um mundo menos desigual, é possível

Não é possível não sentir um desconforto, ficar insensível à vida de tanta gente marcada por um destino que lhe determina os dias. Não é possível compreender que alguns vivam junto a um mar onde nunca tomarão banho, arrumem quartos em hotéis onde nunca poderão dormir, sirvam em restaurantes onde nunca  comerão uma refeição sentados na sala...
Não é possível aceitar um desenvolvimento tão desequilibrado, onde a par dos maiores luxos subsistem as maiores dificuldades e as maiores carências. Um desenvolvimento assim, devia envergonhar todos os poderosos do mundo. Nem tudo é economia, senhores; nem tudo são índices macro económicos; olhemos para a vida quotidiana das pessoas concretas.
Se algum voto faço para 2018 é a de um mundo menos  desigual.



quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

A violência que não desaparece


Por mais leis e quadros jurídicos que possam existir, não será possível, acabar com o mal e a violência que nos rodeia, a não ser por escolha ética. O mal é da natureza humana. Somos todos capazes de ser bons e maus, santos e demónios, vítimas e carrascos, explorados e exploradores..., como se existisse uma falha originária que nos impedisse de reconhecer o outro, seja quem for, como um individuo único e irrepetível a quem devemos respeito. A atitude é sempre de alerta e a ação é sempre a da responsabilidade individual: o que escolho fazer perante aquele a quem acolho e a quem devo respostas? 

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Um dia, talvez, terminem todas as atitudes racistas

Eu, também


Também eu canto a América
Sou eu o mais preto dos irmãos.
Mandam-me comer na cozinha
Quando chegam as visitas,
Mas eu rio,
E como bem,
E forte vou crescendo.

Amanhã,
Estarei à mesa
Quando as visitas chegarem.
Ninguém ousará
Dizer-me
Come na cozinha,
Então.

Aliás,
Eles verão como sou belo
E envergonhar-se-ão.
Também eu sou a América.

(saiu na Revista Pública de 14 de Outubro de 2001, retirado de Langston Hughes, 1925, Collected Poems)


sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Boas Festas

Desejo a todos, os que por aqui passam, um Bom Natal e um Bom Ano de 2018.

Deixo um poema, sobre  o racismo, ainda hoje a maior das discriminações:

É proibido publicar

Seria aborrecido se Cristo
Voltasse, e fosse preto.
Há tantas igrejas
Onde não poderia rezar
Nos Estados Unidos
Em que o acesso dos negros
Por santos que sejam, é proibido.
Em que se celebra
Não a religião
Mas a raça.
Experimentai dizê-lo
E pode ser que sejais
Crucificados.

(Langston Hugges, 1902-1967, Estados Unidos da América)


quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

História de um encontro (4)

Ela sabe que se pegar no telefone e disser onde está voltará ainda hoje para casa. Sabe isso, mas sabe também que de novo voltará a fugir sem saber de quê ou de quem. Ele, ao contrário, sabe que não vai pegar no telefone, nem voltar para casa. Ela não quer, ele não pode, a situação é diferente.
Estranha sensação. Apesar de diferentes as situações e distintos os problemas há um sentimento comum de rejeição que ambos vivem. Num caso há desequilíbrio e incompreensão, no noutro há uma rejeição que destrói sentimentos. Ao velho, isso dói profundamente, sente-se humilhado e nada é pior do que isso. Ela sente que é rejeitada pelas suas opções que ninguém a entende e todos criticam. Ambos precisam que cuidem e se preocupem com eles.



domingo, 17 de dezembro de 2017

História de um encontro (3)

Olhando aquela adolescente, que podia ser sua neta, pensava: "que mundo é este, que sociedade é esta, onde não há lugar para os velhos e as crianças fogem de casa? Que vida familiar é esta que exclui os velhos e não tem tempo para ajudar os filhos a crescer e a viver a difícil adolescência. Que mundo é este em que tantos estão sozinhos, apesar das multidões e do excesso de comunicação"? O velho não foi capaz de conter as suas emoções e de calar os seus sentimentos. Sem querer, começou a chorar.
- Estás a chorar? - diz-lhe a jovem, olhando-o e tocando-lhe no rosto.
Também ela se comoveu, pela primeira vez, fala com ternura na voz, num misto de surpresa e de compaixão, afinal ele parecia sofrer tanto ou mais do que ela.
- Olha, eu sou a Cláudia, queres vir comigo? Levo-te para uma casa, já fora da cidade, onde vive uma amiga e onde às vezes costumo ficar. Anda, vem, vem...
Arrastado por ela, o velho deixa-se conduzir para fora da estação, sem perguntas, mas observando e pensando sempre.  Cláudia, ora corria, ora parava, dizendo coisas sem sentido - a contradição presente em alguém que sente raiva e culpa, por uma liberdade que quer e julga ter conseguido, mas que não lhe serve para nada, antes, a maltrata e prejudica. Cláudia não é capaz de cuidar de si, hoje, como em muitas outras noites, terminará no beco de sempre, prostituindo-se, bebendo ou consumindo outra droga qualquer, apesar da idade.
O velho pressente a situação mas não é capaz de dizer nada. Não é capaz. Que coisa é essa que o impede de dizer seja o que for ao mesmo tempo que questiona: «Para que quer Cláudia a liberdade se não sabe ou não pode ser livre».

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

História de um encontro (2)

- Tenho catorze anos e é a 4ª vez que fujo de casa. Mas, desta vez, não volto, não volto mais - repetia, convencendo-se a si própria de algo de que não estava segura. Mas também não quero ficar na rua - continuava. Leva-me para tua casa, preciso de alguém que goste de mim.
- A rua é perigosa - diz o velho, meio a perguntar, meio a afirmar, calando-se em seguida.  
Também ele estava na rua, também ele precisava de casa e de alguém que gostasse dele.  A jovem insiste:
- Fala, diz alguma coisa, vais viajar? Aonde vais? Sabes porque é que a “bófia” me queria apanhar? Porque não perguntas nada?
O velho aturdido pensava «não vou para parte nenhuma, ou talvez vá para o fim de mim mesmo». Nada é mais inevitável do que o fim e ele pressentia-o.
- Caraças, não percebo, não dizes nada? Não falas? Olha, já jantaste? Queres jantar?
Duas razões, dois discursos, provavelmente diferentes sentimentos, uma mesma situação: uma jovem menina e um adulto, já velho, vagueando pela cidade, sem casa e, aparentemente, sem família e sem saída. Por fim, o velho fala:
- Vivia há muito com o meu filho. E também há muito  que deixei de ter privacidade e de sentir ajuda. Hoje, deixei de ter espaço, deixei de ter espaço ... - repetia o velho, calando-se de novo.
Tinham-lhe desfeito a cama, ocupado o quarto e feito as malas. Iria viver para um lar de idosos, onde fora inscrito contra sua própria vontade. Era demais, não suportou. Pegou num pequeno embrulho, que guardava numa gaveta da cómoda, e saiu destroçado. Não deixou nada escrito, não se despediu de ninguém, simplesmente saiu de sua casa, da sua casa.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

História de um encontro (1)

(Uma história real,  um velho e uma adolescente que saem de casa, um filme a que assisti, há muitos anos, julgo que na televisão espanhola, de que não sei precisar nem o título, e que conto de memória).


 Um velho de olhar triste vagueava sem sentido pela cidade. Era noite e um frio intenso invadia-lhe o corpo e a alma. Contudo, era Verão. Cansado, senta-se num banco de uma, quase deserta, estação de comboios.
Cabeça baixa, segura contra o corpo um embrulho que guarda como se fosse a última coisa que lhe resta. O velho está só, sofre, num silêncio, que magoa quem o observa. Disfarça a custo as lágrimas que teimosamente lhe caem no rosto. De olhos semi-cerrados parece passar em revista toda a sua vida, todo o seu sofrimento.
De repente, de dentro dos arbustos do pequeno jardim contíguo à estação, sai uma jovem mulher, quase criança, fugindo de uns polícias. Grita, abraçando-se ao velho:
- Avô, avô, que bom encontrar-te.
- Este é o meu avô - diz, dirigindo-se a um dos polícias.
Ele não entende. Não podia entender, mas sente que aquela criança precisa de ajuda. Entra no jogo e corresponde ao abraço e ao cumprimento da “neta”. Abraçados permanecem unidos por alguns instantes, enquanto os polícias, embora desconfiados, se vão afastando na direcção contrária à estação.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Dia Mundial dos Direitos Humanos, 10 de Dezembro

Em 10 de Dezembro de 1948, em Paris, é proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. São trinta artigos, que encerram os direitos individuais, civis e políticos; os direitos económicos, sociais e culturais; os direitos de toda a humanidade, sem excepção.
Todos os homens nascem livres e iguais, dotados de razão e consciência devem  viver uns com os outros em espírito de fraternidade (1º artigo, citado de cor).
Liberdade
Igualdade
Fraternidade

( ficam enunciados todos os valores humanos)

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Jerusalém, de algum modo todos pertencemos aí

Não quero que Jerusalém seja a capital do estado de Israel. Preferia que fosse uma cidade de todos, crentes e não crentes; preferia uma cidade símbolo, uma cidade aberta, tolerante e não uma cidade onde todas as ortodoxias se degladiam.
Estive em Jerusalém há mais de trinta anos e a imagem que guardo é a da mais profunda divisão entre judeus e muçulmanos. Não pudemos entrar numa das portas que dão acesso à cidade santa, porque havia confrontos; a mesma coisa em Belém, muito perto da igreja que visitámos, na gruta dos pastores havia tiros, não pudemos ir lá. Mas a guerra não vem de hoje nem é de há trinta ou setenta anos. Quando olhamos aquela porta de Damasco, toda esburacada pelas balas, algo se transforma em nós: “O que é isto? Porquê?” 


terça-feira, 5 de dezembro de 2017

As lágrimas do Papa, encontro com um grupo de rohingyas


O Papa encontrou-se com um grupo da minoria rohingya, refugiados no Bangladesh, depois de perseguidos no seu país, Myanmar, que não lhes reconhece a cidadania e, portanto, os priva de qualquer direito. Considerados apátridas, vivem numa pobreza e numa precariedade extremas. São muçulmanos, mas isso não importa para este Papa, o que importa é o humano, o ser humano.
O Papa disse-lhes “Deus está presente aqui; Deus também é rohingya”. E está e é mesmo, tenha o nome que tiver. A ideia de Deus estar no sentir, nas lágrimas, nas emoções, nos pensamentos, nas vidas cortadas, humilhadas, sacrificadas..., transporta uma humanidade que dá alento e reconforta; mas não chega, é preciso mais, muito mais. Vamos ver o que fazem as Nações Unidas que devem ter valores universais e não a política dos interesses nacionais ou regionais.