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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O terror de sempre

28 De Dezembro, numa cidade paquistanesa, durante uma procissão de xiitas, minoria religiosa naquele país, várias explosões massacram e matam mais de trinta pessoas. Pânico, medo, terror… É a negação do ser religioso. É a antítese. A liberdade religiosa, direito humano, é, nestas paragens, letra morta, uma não questão, pois não há o mínimo respeito pela pessoa humana. O que leva estes seres, ditos religiosos, em nome de um Deus (que por acaso é o mesmo de todos os outros, os que crêem), a matar o seu semelhante? Entender isto é impossível. Ninguém pode, nem os próprios, se se afastarem, o mínimo que seja, do fundamentalismo mais radical.
Não entendemos, apesar da evidência, como o terror invadiu os nossos dias, as nossas vidas, as nossas cidades, ameaçando conduzir-nos a uma paranóia colectiva, veja-se o que aconteceu nos últimos dias ao cidadão nigeriano que tinha todo um aparato policial e anti-terrorista à sua espera no aeroporto de Detroit, só porque, por coincidência, era nigeriano, tinha apanhado um voo Amesterdão-Detroit, foi várias vezes à casa de banho durante o voo, o mesmo que um compatriota seu fizera, uma semana atrás, esse sim, envolvido em explosivos que tencionava fazer explodir. A que níveis de violação dos direitos individuais chegará a suspeição? Não precisa de se provar nada, suspeita-se, actua-se. Por mais que nos custe, talvez tenha de ser assim, já que os riscos que se correm podem ser demasiado graves.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Aminetu Haidar, mulher saraui

Num texto muito bonito, em que fala sobre a sua experiência num campo de trabalhos forçados da Alemanha nazi, Lévinas conta como a sua vida e a dos seus companheiros, integrando um comando florestal de prisioneiros israelitas, era uma espécie de parênteses. Pois, apesar de continuarem a sentir interiormente "um múrmúrio da sua essência racional", apesar de terem pensamento e vocabulário, eram seres sem linguagem. Seres encerrados em si mesmos, condenados a “significantes sem significado”. Para as pessoas ditas livres, com quem se cruzavam, de quem recebiam ordens ou mesmo um sorriso, não passavam de seres quase humanos. Em circunstâncias de perseguição, tortura, humilhação, em que a autonomia, a liberdade, se suspende, apesar da vida continuar e de, em muitos aspectos, continuar na mesma, nada é igual.
A propósito, penso na activista saraui que tem resistido a ser um ser sem linguagem. Veremos a que preço. Continua retida, no aeroporto de Lanzarote, em greve de fome, desde de 15 de Novembro, impedida de regressar ao Saara Ocidental pelas autoridades marroquinas.

domingo, 13 de dezembro de 2009

A propósito da Cimeira de Copenhaga

Acredito pouco nestas e noutras cimeiras de boas intenções, compromissos de circunstância e pouco mais. Mas se não ocorressem seria ainda pior, porque elas são oportunidade para pensarmos sobre as questões reais - o clima é sem dúvida uma delas - e também nalguns mitos.
Um deles é o da tão falada cidadania global, dando a entender que todos somos cidadãos do mundo. Não é exacto, como sabemos, há muita gente fora dessa globalização, desde logo, todos os que vivem abaixo de um determinado nível de desenvolvimento e sem igualdade de oportunidades, quer vivam em países subdesenvolvidos quer vivam nas margens do mundo rico, onde o crescente aumento do desemprego veio pôr a nu muitas fragilidades.
É preciso tirar as devidas consequências, saber que não há cidadania global sem resolver a questão da justiça e do desenvolvimento; sem levar a sério a solidariedade e a interdependência entre todas as pessoas e todos os povos, vivam na nossa rua ou num qualquer lugar do globo, isso passa por criar relações de simetria e de apoio mútuo, onde todos ocupem o centro. Estamos longe, muito longe, mesmo.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Minaretes nas mesquitas

Na Suíça, uma maioria, em referendo, decidiu proibir, a partir de agora, a construção de minaretes nas mesquitas, acto que me parece semelhante a proibir os sinos nas igrejas católicas. O que aqui importa é o passo atrás na liberdade religiosa que as democracias têm vindo a assegurar; é o passo atrás no que respeita ao direito de cada pessoa poder escolher livremente a sua religião, de mudar se assim o entender e de a praticar sozinho ou em grupo (art. 18º da DUDH). O conflito existe, é visível, já teve outras manifestações, recordemos a proibição do uso do véu islâmico, nas escolas públicas francesas, há uns anos atrás. Não se esbaterá por nenhuma lei a favor ou contra do que pensam uns e outros; a questão é de disponibilidade, abertura, diálogo, valorização recíproca ..., e isto é uma aprendizagem lenta, mas que as sociedades de hoje, cada vez mais heterogéneas, também a nível religioso, não podem descurar.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Dia Internacional dos Direitos Humanos

Em 10 de Dezembro de 1948, em Paris, é proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Trinta princípios universais para garantir a todos os seres humanos a sua dignidade. Muito já se fez e muito caminho falta percorrer, o compromisso tem de ser de todos, dos Estados, governos, organizações nacionais, internacionais, públicas e da sociedade civil... , na certeza de que não se trata de um adquirido, é preciso lutar todos os dias pela defesa dos direitos humanos, mesmo no quotidiano pessoal de cada um de nós.

Não é tudo possível!

A deputada Maria José Nogueira Pinto chamou, no Parlamento, na Comissão de Saúde, "palhaço" e "inimputável" a um deputado do PS. Não o conheço, não sei quem é, mas esta senhora sim, é conhecida de há muito e, por qualquer iluminação, acha que pode dizer o que lhe vem à cabeça, enerva-se com os apartes e desatina. Não vá para a política. Como é que pode representar alguém? Claro que o outro senhor também disse o que não devia, mas em resposta à senhora, em resposta a um insulto, não só pelo adjectivo usado mas pelo modo como falou. Onde fica o respeito? Se ela não pedir desculpas, se não houver consequências, ficamos a saber a que ponto chegou a política portuguesa, arrastada para tão baixo, por estes tristes políticos.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O terror que não pára

Ontem, mais cinco explosões, em Bagdad, 127 mortos, mais de 500 feridos e tudo o que isto significa, a impossibilidade duma segurança mínima, sem a qual todos os direitos estão postos em causa. Sei que o problema é global, que uma bomba pode explodir em qualquer lugar do mundo, mas há lugares e lugares, e países como o Iraque, o Paquistão e o Afeganistão parecem em descontrolo absoluto, por mais tropas americanas, da Nato, etc. Há no invisível destas sociedades, no seu fundamento, algo que escapa à análise ocidental, que escapa às categorias racionais com que pensamos o mundo, mas seja isso o que for, não pode desconsiderar desta maneira a vida e a dignidade humanas. Voltámos a que trevas da história?

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Casas à venda (6)

Algumas das casas novas (agora, menos novas, mas quase nunca usadas) há muito que deixaram de ser abertas. Quem as construiu, quem fez o poço, plantou as árvores, arranjou os canteiros do jardim e a horta, já não está. Os que ficaram já não se sentem daqui, pelo menos não o suficiente para manterem essa ligação muito ténue e frágil que só existia por causa dos pais.Muitos já deixaram e outros deixarão de vir, cada mês de Agosto. Querem, quase com um sentimento de urgência, desfazer-se, a qualquer preço, do que aqui têm, pôr à venda pelo que seja, desfazer todos os laços, colocar um ponto final. Nada os identifica, nada os prende, querem ficar livres de obrigações, de contas certas para pagar de água, luz, impostos….Vender é a opção que vêem como mais vantajosa. Mas, nem sempre têm a noção dos preços, julgam que tudo é muito desvalorizado, não dão o devido valor, vendem às vezes por um preço irrisório. Há mesmo casos, em que é tal o desprendimento que vendem as casas com tudo o que têm dentro, as mobílias, a loiça e até os objectos pessoais. Não deixa de ser estranho. Remexidos os móveis, a casa será de novo habitada, ganhará de novo vida, outra alma, será alegre, triste ou bem-disposta, à imagem do novo morador, mas guardará para sempre nos seus segredos a memória boa de quem, com tanto entusiasmo, carinho, luta e em muitos casos sacrifícios a desejou, planeou, construiu e habitou nem que fosse por curtos períodos de férias. A casa já não é a mesma casa. Foi assim que teve de ser, dizem. Se calhar, sim.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Os desertores (4)

Não percebia por que jovens de dezassete, dezoito anos, alguns até menos, também fugiam a "salto", para França. Ficavam desertores, não podiam regressar, senão seriam presos. Mas que mal teriam feito? Por que tinham de deixar o país, de sair assim de junto das famílias?
Agora sei. Fugiam à guerra, à guerra colonial, de uma guerra de que eu nada sabia e talvez eles e as suas famílias também não, a não ser que lhes podia roubar a vida. Por causa da guerra de África, muitos pais ficaram anos a fio, décadas, sem ver os seus filhos. Só quando acabou a ditadura puderam regressar de novo. Mas alguns, sem apoio familiar, nessa grande Paris, mais ou menos perdidos nas encruzilhadas da vida (sim, porque sempre a má sorte bate à porta de alguém) acabaram por não voltar mais. Aos que chegavam, a pergunta era invariavelmente a mesma: - Viu por lá o meu filho? – Não o vi, mas sei que está bem. Estive com alguém que o viu.
E o coração daquela mãe, ou daquele pai, sossegava um pouco.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A salto para a França (3)

A emigração clandestina não começou hoje, com os milhares de africanos ilegais que tentam chegar à Europa. É velha de muitos anos, como é velha a injustiça a que povos inteiros são condenados a viver. Todos os que testemunharam o que significava ir a salto para a França podem falar desse drama. Mas talvez as crianças o vivessem de um modo diferente, porque muitas vezes, só na manhã seguinte se davam conta que o pai já não ocupava o lugar à mesa. Daí para a frente, teriam de intuir e de viver muitas coisas que nem sequer suspeitavam.
Deixo aqui um relato mais ou menos imaginado vivido por muitas crianças, naquela época.
“Era alta noite, quando o pai foi ao seu quarto dar-lhe um beijo. Era um beijo de despedida, ele partia nessa madrugada a "salto" para a França. A menina nem sequer suspeitava o que era ir "a salto" para França, mas devia ser alguma coisa de mau, de perigoso, pois sempre que a mãe falava disso com a avó, fazia-o muito baixinho, quase em segredo. Desconfiada e a medo, na tarde desse dia, atreveu-se a perguntar:
- O pai vai embora?
- Cala-te, não digas a ninguém. Não digas a ninguém, ouviste bem!
- Mas, o pai vai para a França?
- Não, não vai. Cala-te!
Ela sabia o que estava para acontecer. Como não ia saber, tinha visto a mãe chorar pelos cantos, limpar as lágrimas a correr, quando alguém a via sofrer. Em toda a noite, não pregou olho. Esperava o pai, ainda que tivesse um desejo profundo de que isso não viesse a acontecer. Quando o pai abriu a porta do quarto, fingiu-se dormida, por não conseguir suportar a dor. A porta fechou-se e o mundo desabou. Como iriam viver sem o pai? Por que tinha ele de partir?
Não sabia nada das necessidades da sua família, não imaginava sequer. Tinha oito anos, como podia saber! Agora sabe, sabe que o pai, como tantos outros, fugia da miséria em que viviam. Iam à procura de dinheiro para alimentar as suas famílias, para mandar os filhos à escola, para fazer uma casa. Era assim.
Mas muitos não conseguiam passar as fronteiras. Na manhã seguinte, finalmente, a mãe tenta explicar-lhe porque é que o pai tem de ir embora e o que é ir a salto, e que talvez o pai nem sequer consiga chegar a França, talvez seja apanhado pelos guardas-fiscais ou pelos carabineiros, a polícia espanhola, logo na fronteira e tenham que regressar a casa.

Todos vivíamos nos arredores de Paris (2)

Naquela altura, anos sessenta, a França era uma realidade diária, naquela aldeia da Beira Alta, quase na fronteira com Espanha. Estava ali, nas ruas, nas conversas e nas vidas de todos os habitantes. Se víamos duas ou mais pessoas a conversar na rua era quase certo que falavam de familiares a viver em França. Não havia família que não tivesse alguém naquele país. Em muitos casos, todos estavam lá, tinham ficado, apenas, algumas mães com os filhos e os avós, já de idade. O mesmo acontecia com a minha família. De algum modo, eu, a minha mãe, os meus irmãos, os meus avós, tal como o resto das pessoas daquela terra, também estávamos vivendo nos arredores de Paris.
Quando hoje penso no que era, nessa altura, para mim a França, Paris …, não consigo chegar a qualquer imagem, por mais difusa que seja. Paris era as pessoas que conhecia, que chegavam invariavelmente cada mês de Agosto e que eu julgava viverem lá. Talvez houvesse pouca gente a falar do país, da cidade, a mostrar qualquer fotografia que fosse. Também nunca, na minha imaginação, estiveram os “bidonvilles”, as “cités”; estavam, isso sim, as miniaturas da Torre Eiffel e do General De Gaulle, pequenas lembranças que traziam os “franceses” e que ficavam a enfeitar a chaminé da cozinha ou o móvel da sala. Mais tarde, vim a constatar que até para os emigrantes Paris era uma cidade desconhecida. Viviam nas margens. Atravessavam-na, apenas.

domingo, 29 de novembro de 2009

Emigração, sempre (1)

Nenhuma experiência é mais real, mais continuada e mais presente, na minha infância, na minha adolescência e até na minha vida adulta, do que a da emigração. - "Foram para a França"; - "Estão na França"; "Escreveram da França"; "Vieram da França"; "Casou na França"; "Morreu na França"; … Cresci a ouvir isto. Envelheço a ouvir isto.
Mais de cinquenta anos de emigração, a 1ª geração quase morta, a 2ª a entrar na reforma, a terceira e a quarta gerações cada vez mais integradas no país onde nasceram, cresceram e se tornaram adultos, numa separação permanente de que só os primeiros sentem mágoa. Todos os outros se foram progressivamente afastando, sem nostalgia, duma terra e de um povo dos quais já não guardam grandes recordações. O sentimento de ser emigrante diluiu-se ou não existe neles e, de certo, que não tardará a acabar por completo. E com isso acabarão os meses de Agosto, as festas e as romarias dos emigrantes. Está prestes a fechar-se um ciclo.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A burka

Uma das imagens mais fortes que recordo muitas vezes é uma cena do filme "Kandahar" (mas podia ser uma qualquer imagem real, duma qualquer rua ou cidade do Afeganistão e de muitos outros lugares): um grupo de mulheres, vinte, trinta, não sei bem, caminhando de costas, no imenso deserto, com montanhas ao fundo. À medida que o plano se vai abrindo e se vão afastando de nós, diluem-se na paisagem até se confundirem com as montanhas e desaparecerem. Já antes, mesmo próximas, não as identificávamos. Ninguém sabe se são adolescentes, jovens adultas, mulheres maduras ou mulheres de idade; ninguém sabe de que cor são os seus olhos ou os seus cabelos, que marcas deixaram nelas o tempo, a vida … Não sabemos nada. E elas sabem? O que sabem elas? O que desejam elas?

sábado, 21 de novembro de 2009

Quero ouvir o que tens para me contar

Se eu pudesse acabava com todos os"...ismos" – humanismo, etnocentrismo, multiculturalismo…. – que têm servido para falar dos homens e das suas vidas como entidades abstractas, e não porque não me interessem as grandes construções teóricas, mas porque verificamos, a cada dia, que a maior parte serve para muito pouco. Passava a falar de ti, de mim, de nós, aqui, agora, num contexto marcado por condicionalismos que nenhuma teoria pode explicar, por ser algo de novo, de diferente, de renovado, como corresponde à essência do humano: a individualidade absoluta, a não repetição. Passava muito mais tempo à procura de histórias verdadeiras, a ouvir o Sasha, o Mamadou, a Shaila, o Xiang, a Joana…, para ver se percebia melhor o que é viver bem uns com os outros.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

"A razão cordial", para uma cidadania do Séc. XXI

Muitas vezes ouvimos dizer: “não sou daqui, isso não me diz nada, não tem a ver comigo, não me toca…”. Participar é, de facto, mais do que fazer parte, é pertencer: “ser daí, sentir-se apelado, identificado, tocado…”
Há no viver em comum uma dimensão ao nível dos sentimentos, que ultrapassa em muito a argumentação racional e o cumprimento de direitos e deveres. Adela Cortina (filósofa espanhola) fala de uma cidadania fundada na razão cordial – em que a virtude da prudência é substituída pela virtude da cordura (termo espanhol para o qual parece não haver uma boa tradução em português) – que integra “inteligência, sentimento e coragem”, ou seja, no viver com os outros é importante a capacidade de argumentar segundo regras, de nos reconhecermos uns aos outros como interlocutores válidos, mas também a capacidade de estimar valores, de entrar em sintonia, de compadecer-se e de se envolver. Quem não tem a capacidade da estima e da compaixão é incapaz de descobrir as injustiças e de sentir em relação aos outros aquelas necessidades que só a gratuidade pode assegurar.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Esfaqueadas, mortas

Há poucos dias, mais uma vez, duas mulheres são mortas no quarto andar de um prédio, numa urbanização da linha de Sintra, não recordo exactamente o local. O indivíduo que as matou suicidou-se em seguida, deixando a porta de casa entreaberta para que alguém, eventualmente, se apercebesse da tragédia ali ocorrida. Coisa tremenda, mas infelizmente não encerra nada de insólito, já vimos outros casos no passado e veremos outros no futuro, é que para a violência doméstica terminar não chega existirem leis, é necessário existir sensibilidade, proximidade, vizinhança e compromisso de denúncia e de acção, é uma questão de cidadania e não apenas daquelas pessoas. Quando se questionam os moradores do prédio, ninguém ouviu, ninguém viu, ninguém desconfiou..., "dizem que ela tinha 23 anos, que vivia com este senhor há três meses, que a relação não estava bem, que veio cá a casa com uma amiga, e aconteceu isto".

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Aung San Suu Kyi

Quem não conhece a história, ao olhar a casa, o lago, as árvores, dirá que o cenário é de sonho. Não é, como sabemos bem. Naquela casa, em prisão domiciliária, a líder da oposição birmaneza, Suu Kyi, 64 anos, Prémio Nobel da Paz, em 1991, passou 14 dos últimos 20 anos. Não cometeu nenhum crime, não agrediu, não falsificou, não matou..., está presa, apenas, porque acredita na democracia, nas liberdades e se preocupa com o seu povo, como já antes o seu pai fizera. Deixou Londres, em 1988, onde vivia, para assistir ao funeral da mãe. Embrenha-se na política, concorre às eleições de 1990, ganha-as, mas não governará, em vez disso, é perseguida e colocada em prisão domiciliária, por ordens de uma Junta Militar que governa o país.
Nas últimas aparições públicas (em Maio de 2009, julgo, altura em que devia ser posta em liberdade e é de novo acusada e presa, por ter recebido um americado que, a nado, atravessou o lago e entrou em sua casa), parecia, fisicamente, muito fragilizada. Já não tinha flores a enfeitar os seus cabelos, já não tinha o sorriso aberto de antes, mas o olhar continua com a intensidade de sempre, a iluminar o caminho àqueles que acreditam e lutam pela dignidade de todos os seres humanos.

domingo, 15 de novembro de 2009

Alterações climáticas

Em muitos países africanos - Sudão, Quénia, Moçambique e tantos outros - já não chegava a pobreza crónica, a situação de subdesenvolvimento de que não se vê fim à vista, agora, são também, e cada vez mais, os extensos períodos de seca, matando o gado e a produção de alimentos, seguidos de destruidoras intempéries, chuvas torrenciais, que levam tudo, aumentando a miséria e, pior ainda, o desalento. Parece que os deuses e os homens (os que mandam e podem) se juntaram para assistir, apenas, sem nada fazerem de significativo. Um dia destes, é tarde de mais.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Berlim, vinte anos depois

Tinha a intenção de ir a Berlim por altura das comemorações que assinalaram, no início desta semana, a queda do muro de Berlim, mas não foi possível. Para mim, foi, talvez, a seguir ao 25 de Abril, o acontecimento que vivi com maior entusiasmo. Nesses dias, todos estávamos em Berlim Leste e, nessa noite, todos atravessámos os postos fronteiriços para abraçar fosse quem fosse. Foi algo tão extraordinário que ainda hoje guardo, com nitidez, imagens das manifestações, das filas de gente, da alegria incontida no rosto das pessoas... (recordo, sobretudo, reportagens da TVE).
Era o fim de uma tragédia que durou décadas e humilhou milhões de pessoas. O futuro, por mais incerto e difícil que pudesse parecer, era já uma esperança. A queda do muro e do sistema que o sustentava são prova de que há, sempre, nas pessoas e nos povos, por piores que sejam as circunstâncias, capacidade de agir e de renascer.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Escravatura, tráfico humano

Sei que naquela casa há pessoas presas, a quem tiraram o passaporte, a quem proibiram de andar livremente pela cidade, a quem obrigam a prostituir-se. Pessoas a quem maltratam, espezinham, humilham e ameaçam o tempo todo. Porta fechada, telefone bloqueado, e um porteiro musculado e de olhos aterradores, qual feitor ou capitão do mato, vigiando e punindo.
Vivem com o pesadelo da noite – álcool, sexo, drogas, violência, doenças – e o medo de chantagens sem fim sobre elas mesmas, os filhos e outros familiares que ficaram lá longe e vivem na esperança de uma vida melhor, com a ajuda de uns euros que a mãe ou a filha ganhará honradamente. Acreditam nisso, porque era nisso que elas acreditavam, sem poderem sequer imaginar o pesadelo.
Mas há quem levante a cabeça e ouse enfrentar o "senhor": - Não sai da minha terra para isto! Todos me enganaram! Todos! Malditos! Onde começa e acaba a rede? Onde?
- Cala a boca sua …, nem mais uma palavra. Posso fazer de ti o que quiser, sou eu que mando. Ouviste bem? Não te fui buscar à toa. Tens de ganhar para pagar tudo o que me deves e ainda mais.
- Você não é o meu dono, não vai destruir-me, não serei nunca sua escrava. Um dia, vou deixar esta vida. Um dia, vou denunciá-lo, irei à polícia e contarei tudo. Tudo, ouviu bem?
- É o teu fim e o dos seus filhos, não vai ficar nenhum para amostra. Atreve-te!
- Os meus filhos, não! A minha família, não! Não! Não! Não! Até onde vou aguentar?
Ela e todas as outras só poderão sair com ajuda. Quem as poderá ajudar? Quem está disposto a fazê-lo? Vem-me à memória aquela frase de Luther King "O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons".

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Radovan Karadzic

Preso em 2008, em Belgrado, onde vivia sob disfarce e falsa identidade (a de médico de medicinas alternativas, julgo), deveria, hoje, ter começado a ser julgado, em Haia, pelo Tribunal Penal Internacional, por genocídio, crimes de guerra... Nega todas as acusações, ameaçou faltar ao julgamento e foi o que aconteceu. Faltou e voltará a faltar, com toda a certeza.
Tristes criminosos estes, puros dementes, incapazes, nem sequer por uma vez na vida, de se colocarem face a face com a acusação. Não há redenção para gente desta, mas podiam ser menos cobardes.

domingo, 25 de outubro de 2009

A Cidade de Deus, o filme

O nome da favela é já por si desconcertante. E a vida, aí, inimaginável, ultrapassa tudo. É o inferno em toda a extensão e em todos os graus. Há coisas, muitas, até, ao limite. Tudo é noite, submundo, droga, violência, vingança, armas, mortes e mais mortes (na verdade todos estão mortos, quem será o próximo?). Não há dia nesta favela? Não há um parque, uma rua para lá do labirinto, uma escola, uma associação...? Não há famílias? Quem recolhe os mortos? Onde são enterrados? Quem os chora? Faltam muitos contextos, necessariamente.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

"...isso faz algum sentido"?

Parece-me que Saramago não diz o que diz por marketing, não precisa. Di-lo por um preconceito religioso e também pelo que julga ser um imperativo da sua consciência ética. Bem, podemos não lhe reconhecer autoridade, legitimidade, etc., mas se usasse uma argumentação sustentada (aliás, impossível) e se fosse perceptível uma saída que não esbarrasse, ao limite, em estafadas ideologias e superioridades morais, poderíamos entender a sua posição e o seu "ataque" à igreja. Assim, não. Desnecesário e inútil, apenas.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Inevitável metafísica

Por que teimamos em enfronhar-nos no para lá do tempo e do espaço que habitamos, do quotidiano que nos rodeia e nos absorve? Por que aspiramos ao invisível? Por que não deixamos de lado, de uma vez por todas, a metafísica? Por que teimamos em procurar o que não existe? Saciemo-nos com o que se compra, vende, troca, adquire, faz e desfaz, ou isso não é possível?
Deveriam chegar-nos as preocupações com o viver e o sobreviver, com os problemas e os dramas humanos, que acontecem no palco da história, onde se joga o poder e ocorrem todas as decisões. Mas tal não acontece. Por uma qualquer inevitabilidade, não somos capazes de o fazer. Habita-nos um “desejo invisível” que nos impele, continuamente, para uma distância, para um não lugar, de que nada sabemos. E eis-nos presos a uma ideia de infinito, a uma transcendência, sem a qual o mundo e a vida não ganham verdadeiro sentido.

O camareiro

Há poucos dias, assisti a esta peça, em cena no Teatro Nacional D. Maria II, e, como acontece com o bom teatro, toda a vida humana, com as suas tragédias, comédias e contingências, passa pela nossa mente, enquanto assistimos à fragilidade e à morte do velho actor, à ressonância em nós dos bombardeamentos (em plena II Guera Mundial) e ao desmoronamento inevitável daquela companhia . No fim todos perdem ou todos ganham, como em tudo, depende sempre do ponto de vista. O mais tocante é sempre a questão dos sentimentos, os amores claros ou ocultos, a dedicação, o acreditar, a ideia de necessidade... Teria sido necessária aquela representação, naquele dia, naquelas circunstâncias? Não teria sido melhor cancelar o espectáculo? O espectáculo não tem sempre que continuar...

domingo, 18 de outubro de 2009

Andando...

Ontem, vi o filme japonês "Andando", agora, em exibição nas salas de cinema. Vale a pena ver, por muitas coisas, sobretudo pelo que nele há de universal - os sentimentos, o sofrimento, a perda, as relações familiares, as subtilezas, o não dito, o silêncio, as nódoas negras que todos transportamos ... - mas, também os costumes e as marcas de uma cultura profunda.

sábado, 10 de outubro de 2009

Nobel da Paz

Fiquei contente com a atribuição do prémio, como não podia deixar de ser. Tem sido assinalado, no prémio, uma vertente, uma intencionalidade, notória, de condicionamento de Obama, ou seja, do mundo e dos valores que ele defende e representa. Parece-me verdade, e isso é mal? Julgo que não, precisamos todos, a América e o mundo, que Obama não falhe.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Tocar o sublime, senti isso

Muitas vezes damos de caras com algo que não podemos descrever, por ultrapassar tudo; com algo que não podemos pensar, porque o que nos atinge, naquele instante, é da ordem do novo, dum tempo inicial, seja ele qual for. Senti isso, na 4ª feira passada, quando, viajando pela ilha da Madeira, à saída de mais um dos incontáveis túneis, quando se vira para a Ribeira Brava, dou, de repente, com duas altas montanhas, que quase se tocam, um desfiladeiro profundo, um verde que me pareceu muito escuro, atravessado por um nevoeiro às vezes ténue e às vezes denso, naquele manhã chuvosa de Outono. Não há mistérios, numa paisagem tão humanizada como esta, só para o visitante desprevenido, disposto a deixar-se invadir por dentro.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O Outro:quem é?

O que vou contar, passou-se no intervalo de um espectáculo a que assistia, no teatro D. Maria II, em Lisboa, cerca das onze da noite, numa quinta-feira do mês de Agosto. Na varanda do teatro que dá para a praça do Rossio, um bar em funcionamento, uma esplanada com pessoas, algumas delas turistas.
Nas escadas, alguns sem abrigo: um compõe os cartões onde dormirá, alguns dormem já, um está deitado em cima do muro da varanda com uma perna suspensa... Os empregados do bar atendem as pessoas, umas sentadas à mesa, outras já de pé, preparadas para regressar a casa ou ao quarto de hotel.
Entretanto, os carros continuam a passar, a vida segue, como se tudo estivesse bem, como se tudo fosse normal, como se não escutássemos "gritos"...
A noite dará lugar ao dia, na eternidade do tempo, em que acontecem todos os momentos e se fazem e desfazem todas as vidas. Mas não há desculpa, todos vimos. Quem são estes seres humanos? Que derrotas, vitórias, desejos e sonhos carregam?

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O desemprego

Ontem, uma jovem dirigia-se a Jerónimo de Sousa, dizendo: "Estou doente, tenho uma depressão, não posso trabalhar, pedi o rendimento mínimo de inserção e não mo deram. Como vou alimentar os meus dois filhos? Como vou viver"?

O senhor presta-lhe atenção, fala-lhe, porventura, relembra o compromisso do seu partido com o povo e os que mais precisam...

Há por todo o lado dramas iguais a este, e quem pode não faz o suficiente. Andamos aturdidos, tal é o barulho, não se discute, nem leva a sério, com a radicalidade que é exigida, a questão do trabalho, um direito humano de primeira ordem. Quantos direitos caem por terra, quando se perde o emprego!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Para quê um blog?

Este blog dura há um ano. Aqui, escrevi pequenos textos, essencialmente, sobre questões de direitos humanos. Passado este tempo, pergunto-me: - será que algum deles foi lido? Talvez sim, talvez não. Apenas, registei três comentários, o que prova, no meu caso, que mais vale conversar com a minha vizinha do lado ou telefonar a uma amiga a dizer duas coisas, que escrever num blog. É verdade que só falei dele a duas ou três pessoas, é verdade que não domino a técnica, é verdade que não me movo na blogosfera (nem sequer sei bem o que é), mas isso não justificará a completa falta de eco. A justificação talvez esteja no facto da Internet poder ser o lugar mais clandestino do mundo. Há nela uma demasia, uma desproporção, um excesso, que o humano não comporta, por isso, só funciona em pequenas "paróquias", onde todos se ouvem uns aos outros, aliás, escrevem uns para os outros. Admito que muita da minha descrença seja ignorância. Talvez. Mas, por agora o blog acaba aqui.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O inferno de Gaza, pior parece já não ser possível

Estamos sempre no ano zero, o ser humano não aprendeu (não aprende) nada, apesar de séculos e séculos de história, de filosofia, de ciência, etc., etc. Odiamos e matamos como sempre fizemos, apenas muda o fuzil, e infelizmente para pior, com as armas de hoje, a barbárie e a destruição são totais. Como é que se pode dizer qualquer coisa, quando não se protegem minimamente as populações civis? Estou tão cansada de instituições internacionais que não funcionam: obriguem Israel a manter abertos corredores de segurança para se poder garantir a ajuda humanitária. É o mínimo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Cruzar olhares

A questão da identidade é para mim uma interrogação profunda. Quem somos? O que fundamentalmente nos move? É verdade que aprendemos, desde crianças, a ver o mundo com os olhos da nossa cultura e isso condiciona a forma como sentimos e valorizamos o que nos rodeia. Muito do que somos, pela vida fora, está, ainda, nas experiências vividas e nas cumplicidades partilhadas, naquela rua, aldeia ou cidade da nossa infância, com a família, os vizinhos e os amigos, como se uma identidade familiar, cultural e social se nos colasse à pele e determinasse, em muito, o que somos.
É por isso que, frequentemente, olhamos o mesmo mas não vemos a mesma coisa e nem sequer lhe atribuímos o mesmo valor, por termos noções e sentimentos sobre o que consideramos ser o bem e o mal, o essencial e o acessório, muito distintos dos de outros grupos culturais. E é assim que, no mesmo espaço, às vezes, na mesma rua, no mesmo prédio, na mesma casa, encontramos diferentes modos de valorizar e de compreender as situações, e isso influi nas escolhas e nas opções de cada um. Portanto, o que incomoda não são os diferentes modos de sentir e de olhar, o que incomoda é a incapacidade de olharmos no mesmo sentido e de partilharmos esses olhares.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Guerra, indecência humana

Caem bombas na Faixa de Gaza como já antes caíram em muitos e muitos lugares do mundo. O espectáculo da maldade humana precisa sempre de um palco ou de vários ao mesmo tempo - Iraque, Afeganistão, Congo, Somália, Zimbabué, etc. Nada a fazer. Parece impossível resolver de uma vez a questão da violência entre seres humanos.
Neste conflito, como em todos os outros, não há os bons e os maus, os que têm e os que não têm razão. Todos são culpados. Sabemos disso, daí que seja tão difícil analisar com o mínimo de objectividade qualquer conflito.
Ainda assim, a paz parece ser algo que, aparentemente, querem e desejam. Mas então por não a constroem? Por que razão buscam sempre um inimigo?
Eu por mim não sou capaz de uma resposta. Dói-me pensar que nos ataques a Gaza, aliás, como quase sempre, a política dos interesses mais mesquinhos se imponha. Dói-me pensar que mulheres, como a ministra dos negócios estrangeiros de Israel, estruturem a sua vida pública por puro calculismo político. Se conseguirem destruir completamente o Hamas com o mínimo de baixas nas tropas israelitas, mesmo que ao mesmo tempo tenham destruído parte de um povo inocente, pode ser que o prémio seja a vitória nas próximas eleições e ela se torne 1ª ministra. E o mundo olhará para ela como?