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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ser para o outro

Olhamos à volta no mundo conturbado dos nossos dias e muitas categorias e valores que, antes, julgávamos, para sempre, adquiridos começam a desmoronar. Passámos tempo demasiado, tudo submetendo à política e, ultimamente, submetendo toda a política à economia. Caímos nisto: uma recessão presente, e talvez futura, que põe em causa muitos direitos humanos. Precisamos, para não ir ao fundo, de uma nova radicalidade para o viver com os outros, capaz de criar fraternidade,justiça, sustentabilidade...
Apetece convocar Lévinas e a ética da responsabilidade por outrem. O ser humano antes de ser uma liberdade e uma razão, é uma responsabilidade. É a responsabilidade por outrem o que nos constitui como indivíduos únicos, insubstituíveis e nos realiza humanamente. São as respostas aos apelos e às solicitações do outro, o que verdadeiramente nos incumbe. Há aqui uma radicalidade fácil de perceber, mas difícil de levar à prática, sabe-mo-lo. .

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Deve ser boa pessoa (2)

Não me enganei. Ao meio da tarde, recebi uma chamada sua a dizer-me que já tinha conseguido, iriam disponibilizar material escolar para o Internato das meninas de Inhambane. O que se abre no encontro com as pessoas é sempre uma surpresa, um mundo de possibilidades.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Deve ser boa pessoa

Acabo de falar com uma pessoa, responsável por uma loja de uma grande cadeia de distribuição, sobre a possibilidade de poderem doar algum material escolar para um orfanato em Inhambane- Moçambique.
Atendeu-me com uma disponibilidade invulgar, incomodada por ser tão em cima da hora, quando o normal, nestes casos, são pedidos com um mês de antecedência. "Mesmo assim vou ver o que posso fazer, espere aí, que vou lá dentro contactar pelo telefone uma colega que trata disso a nível central". Quando veio, com papel e caneta na mão disse-me: "não consegui falar com ela, ainda, está ocupada, mas deixe-me o seu contacto que eu vou ver o que posso fazer".
Muito obrigada - digo-lhe. "Não sei o que posso fazer, não prometo nada, mas gostava muito de ajudar". E, ao mesmo tempo que dizia isto, emocionou-se. E eu fiquei igual, quase sem articular palavra. Ganhei a manhã.

domingo, 24 de outubro de 2010

Lá longe, em África

Não sei que fascínio África exerce sobre mim, mas exerce, por mais que isto seja um lugar comum. O que mais me fascina são decididamente as pessoas, aliás, nos primeiros tempos, nos primeiros contactos, quase não vejo as paisagens, quase não vejo os contextos. E, se posso, deixo-me conduzir pelo que vem dos rostos, pelas paisagens interiores daqueles seres humanos. Estarei em Moçambique todo o mês de Novembro e talvez escreva textos sobre o que aí acontecer, aqui ou num novo blog.

sábado, 23 de outubro de 2010

Vou consigo

Não sei quantos anos tem, mas aparenta menos de setenta. Encontrei-a, e começamos a conversar, porque íamos ambas apanhar um transporte público.
- A senhora vai para o metro? - perguntou-me. E sem que eu tenha tido tempo de responder, acrescentou: - eu vou apanhar o autocarro, não gosto de andar de metro, só se vou com a minha filha.
- Eu prefiro o metro porque é mais rápido, digo-lhe.
- É verdade, mas sabe para mim é muito confuso, eu sei ler, mas não sei ler bem. Só fui um ano à escola, já de adulta.
Fico a pensar: quantas pessoas ainda haverá, neste país, que não sabem ler? Quantas pessoas haverá com dificuldade de orientação no metro e noutros locais e situações por não saberem ler? Damos tudo por adquirido, por facilitado, e há ainda tantas barreiras...
A conversa continuou, muito interessante, até, esqueci-me do metro e também eu fui de autocarro.
- Hoje vou de autocarro, só porque a encontrei a si. Vou consigo.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Quando tudo vale...

A multiplicidade de referências, aparentemente ilimitada, que os meios de comunicação, e particularmente a internet, põem na casa de cada um, não cria comunidade, proximidade, partilha e compromisso. Já ninguém luta por uma utopia, crescem, em vez disso, os individualismos, pessoais ou de grupo, com objectivos focados em que não se descortina o interesse geral. Tudo é efémero, precário, transitório, relativo. Mas se vale tudo e tudo se equivale, ao limite, nada vale. O vazio e o caos axiológico estão a uma curta distância.
Contudo, convém ter presente que nada é linear quando se trata de valores, há sempre contradições, paradoxos - por exemplo, a par da relatividade valorativa que caracteriza o mundo actual, crescem nalgumas sociedades os fundamentalismos mais exacerbados, sobretudo, os de natureza religiosa – e movimentos que levam à emergência de novos valores – diversidade, criatividade, ambiente, lazer, consumo, culto do corpo, competitividade … - que podem ou não tornar-se, no futuro, valores sedimentados, isso dependerá da discussão e da crítica que sobre eles fizermos no presente.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

"Se calhar, a esta hora, o meu filho já não está vivo"

Hoje, ao passar por Castelo Branco, veio-me à memória uma situação que presenciei, nessa cidade, há muitos anos atrás, e que recorrentemente me habita. Era uma jovem mãe,sentada num muro, ao cimo de umas escadas altas, no fundo da garagem, longe de todos os outros passageiros que como ela aguardavam a hora da camioneta. Estava longe, mas mesmo assim, via-se que chorava. Limpava os olhos, ora com um lenço, ora com os dedos das mãos. Estava absolutamente em sofrimento, disso não havia qualquer dúvida, mas, talvez por ela própria não ter dado margem, ninguém se aproximou.
Quando chegou a hora do autocarro, entrou, sentou-se num dos últimos lugares e colocou a cabeça sobre o colo segura com ambas as mãos. Evitou falar, foi certo, mas sempre se chega ao limite, todos temos um, e o dela estava por um fio. Numa paragem da camioneta,já a meio da viagem, disse-me, olhando para o relógio "são 5 da tarde, se calhar a esta hora o meu filho já não está vivo. Se calhar, chego a casa e tenho a notícia de que ele já morreu".
O filho, de cinco meses, agonizava no hospital da cidade, enquanto ela, sem qualquer recurso, devastada, ia para casa tomar conta do outro filho, de três anos, que ficara com a avó. "Amanhã volto na camioneta da manhã, mas se calhar o meu menino já não está vivo", soltou um grito, baixou de novo a cabeça e nunca mais voltou a dizer nada. Por essa altura, não havia telemóveis, nem quase carros particulares, nem dinheiro para alugar um táxi ou um quarto na cidade..., não havia para ela a possibilidade de ficar com o filho. Sobrava a dor, uma dor imensa, indiscritível, de que só as mães que perdem filhos podem falar. Havia uma perda irreparável para a sua vida, sabia-o bem. Hoje, talvez essa mãe não tivesse de deixar o filho sozinho, mas a dor da perda seria a mesma, não mudou. Não muda nunca. Nada do que é essencial, nada do que nos torna felizes, redime ou consome as entranhas, muda. Sofre-se da mesma maneira, em todos os tempos e em todos os lugares.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Prémio Nobel da Paz

A atribuição do prémio Nobel a um cidadão chinês, encarcerado injustamente, pese embora o véu de legalidade que o governo exibe, fez já o seu caminho. Sabemos todos quem são uns e outros, qual é o preço da liberdade e o que se paga por não alienar a consciência.