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sábado, 27 de setembro de 2008

Terror em Islamabad

Na semana passada, um luxuoso hotel da capital do Paquistão foi atingido por bombas terroristas. Muitos ocidentais estavam lá, alguns morreram e outros ficaram feridos. Ouvimos as notícias e ficamos com a sensação de que as dezenas de mortos paquistaneses são deixadas em segundo plano, porque é preciso falar em primeiro lugar da morte dos americanos e europeus que ocupavam altos cargos diplomáticos. A vida humana não tem o mesmo valor? A morte de alguém não se lamenta da mesma maneira? Talvez eu esteja a ver mal.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Onde fica a estima de si

Li não sei onde que os produtos cosméticos para o branqueamento da pele são na Índia e em África um dos negócios mais lucrativos. Falava-se de um anúncio de uma televisão indiana que mostra uma mulher triste, abandonada, a quem o marido troca por outra de pele mais clara. É, então, anunciado um creme extraordinário que lhe branqueará a pele e lhe trará o marido de volta. Penso: não é apenas um anúncio racista, intolerável e triste ( são os próprios a assimilar e a subjugarem-se aos estereótipos de sempre), é também um anúncio miseravelmente machista. Por que razão hão-de ser as mulheres brancas mais bonitas e desejadas? Por nenhuma razão. Assim, não chegamos a lado nenhum.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Que "raio" de desenvolvimento

Um norte-americano, de férias numa ilha do Pacífico, interroga um habitante local:
- O que faz o senhor? Como é a sua vida?
- Levanto-me e vou pescar duas ou três horas pela manhã. Venho, almoço, durmo a sesta com a minha mulher; à tarde vou para o bar jogar com os meus amigos e ouvir música; e quando chega a noite janto e deito-me.
- Por que não trabalha mais horas? Podia pescar cinco ou seis horas, vender o peixe que não precisasse e ganhar mais dinheiro.
- E para quê?
- Para poder comprar um barco a motor, pescar mais peixe e montar um negócio.
- E para quê?
- Para poder comprar outro barco, montar outra peixaria e ganhar mais dinheiro.
- E para quê?
- Para montar uma fábrica de conservas e ganhar mais dinheiro.
- E para quê?
- Para poder comprar uma grande frota de barcos, tornar-se o maior exportador de peixe da ilha e ganhar muito dinheiro.
- E para quê?
- Para construir mais e mais empresas, negociar na Bolsa e ganhar muito dinheiro.
- E para quê?
- Para poder viver como um milionário, ter muitas casas, muitas piscinas, muitos barcos, um avião particular e ganhar muito dinheiro.
- E para quê?
- …
Podíamos seguramente continuar, mas para quê? Entre os que nada ambicionam e aqueles que tudo ambicionam, não haverá um meio-termo? Sem mais comentários.

(Ouvi esta história há uns dias a alguém que questionava a racionalidade do desenvolvimento económico).

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A violência que não pára

O que mais assusta é perceber que, de repente (claro que não é de repente), toda a gente saca de uma arma, até nas barbas da própria polícia, como ontem aconteceu na esquadra de Portimão. Parece que ter uma arma é tal qual como ter o mais pacato dos objectos de uso pessoal. É tão inaceitável e tão assustador, que eu, embora não percebendo nada de segurança, penso que o governo faz bem em pôr a tónica na lei das armas. Claro que não resolve, como vai resolver quando o problema é tão grave e tão complexo! É a justiça que não temos, um policia que prende e um juíz que solta, etc., etc. Por mais que o ministro e outros venham dizer que o governo está a responder eficazmente à situação, de facto, não está. Descobrimos da pior maneira como a insegurança faz cair todas as liberdades. Esta é uma das questões mais sérias da democracia, ou se investe a sério na educação e na coesão social ou então todos sairão a perder.

domingo, 7 de setembro de 2008

Rania, a menina armadilhada

25 agosto. Rania, uma menina de 13 anos, iraquiana, armadilhada, preparava-se para cometer um atentado suicida, na cidade de Baquba. Desiste no último momento. Não foi capaz.
Por que razão o terá feito? Medo, (in)consciência, impossibilidade, desespero, instinto de sobrevivência ... ? Por que utilizam meninas como máquinas para matar? Porque escapam mais facilmente aos controlos policiais, dizem. A maldade humana não tem limites e o fanatismo também não.
Voltará à sua família, ao seu ambiente social? Será rejeitada? Que medos percorrem o seu corpo e a sua alma? Precisa de ajuda, mas como podemos ajudar estas crianças e adolescentes?

sábado, 6 de setembro de 2008

Afinal, é uma campeã

Tenho entendido que Naide Gomes, na última semana, nuns campeonatos que não sei precisar, bateu a campeã e a vice campeã olímpicas. Isto, depois de falhar, em Pequim, contra todas as expectativas, a passagem à final do salto em comprimento e, assim sendo, falhar também a tão ambicionada medalha, que muitos e ela própria julgavam possível.
Aparentemente, não há razões para o sucedido. O que aconteceu? Por que é tão ténue e tão frágil a distância entre a glória e a desgraça, entre o sucesso e o insucesso, entre o tudo e o nada?
A atleta não perdeu as suas capacidades, é das melhores do mundo. Se voltasse a saltar, podia ganhar o ouro, mas, naquele instante, não foi possível. Nada aconteceu de extraordinário, apenas, a precaridade do humano, visível tantas vezes e em tantas situações. Há momentos em que nos superamos e há momentos em que caímos. Não somos máquinas programadas, somos pessoas.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Caída no chão, morta

Aquela imagem da jovem morta, numa rua de um bairro portuense, que entretanto a polícia já resguardou com uma cobertura, não me sai da cabeça. A jovem assassinada pelo marido ou companheiro levava a filha de ambos, de oito meses, ao colo. Mas nem isso evitou a tragédia. Conseguem imaginar maior barbárie? Conseguem imaginar maior monstruosidade? Eu não.
Como ela muitas outras mulheres, trinta e tal, já morreram no que vai de ano. Justiça, cadeia para os assassinos, claro. Mas, por favor, percebam que isso não chega, é preciso ir mais fundo, é preciso ir à família, à escola, à sociedade. Todos somos um pouco responsávéis.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Fidel, o retrato pelo próprio

Vi no início do passado mês de Agosto, na televisão espanhola, um documentário, que apanhei já a meio, sobre Fidel Castro. O repórter fala inglês, não cheguei a perceber qual a nacionalidade, e há uma tradutora. Estão num restaurante a almoçar. Enquanto isso, falam de eleições. - Deviam fazer um estudo sobre o sistema eleitoral cubano, há representatividade, são os vecinos que elegem os seus representantes – explica o velho ditador. Só pode ser ironia, penso.
Fidel parece muito fragilizado, come e fala com alguma dificuldade, precisa de ajuda para entrar no carro. Ainda assim, está impecavelmente vestido de comandante.
Perguntam-lhe pelo estado civil e pelas mulheres que amou. Não sabe muito bem explicar: - Só casei uma vez, mas não foi uma vida sem amor, diz. Referem-lhe uma das mulheres com quem viveu, dizendo-lhe o quanto foi extraordinária. Confirma: - Foi uma mulher extraordinária, uma grande mulher, não vou falar dela, nunca falei. Perguntam-lhe: - Nem daquelas com quem teve filhos? - Não, nunca falei, por respeito a elas". Falam-lhe de uma outra senhora, ele não a identifica, só quando lhe referem o apelido, se recorda, e de outra ainda, mas ele nada diz. Por que têm os revolucionários comunistas tamanha reserva de intimidade? Por que não amam às claras?
- E os filhos? Poucas ou nenhumas fotografias há, dizem-lhe. Responde que sempre os recorda, mesmo que estejam longe e não os veja por longos períodos, também não parece um assunto cómodo. Numa imagem televisiva antiga, aparece um filho, ainda criança, com um cãozinho ao colo, sentado a seu lado, Fidel fala com ele com imensa ternura.
- E o Che Guevara? Fala do encontro no México, da revolução, da saída de Cuba, da ida para a Bolívia, da morte. Ouve-se a despedida do Che Guevara, pela voz do próprio. É um hino revolucionário, uma crença desmesurada na ideologia. Eu, mesmo sabendo da violência e da morte que semearam as revoluções, ao ouvir o Che, sinto-me, por instantes, revolucionária, há neste acontecer algo que transcende tudo. Não se explica.
A conversa continua: - As autoridades de Moscovo não lhe pediram para se livrar do Che? - Não, sabiam que não valia a pena, nunca o faria, tal como com Raul.
- Não há negros no governo? - A revolução a quem mais beneficiou foi aos negros, há negros, diz. - O que pensa do futuro do mundo? - O mundo está a ficar ingovernável, responde, tecendo considerações. Fazem-lhe perguntas incómodas, mas nunca são levadas até ao fim. Fidel responde o que quer, como quer, sem mais perguntas.
Termina a reportagem no gabinete, querem despedir-se, mas ele diz que vai ao aeroporto: - É a única maneira de saber que partem, ironiza. Todos sorriem. É estranho ver aquela quase informalidade no trato, por parte de Fidel.
Lá está, no aeroporto. Despede-se do repórter, de outras pessoas e por fim do câmara, este não está à espera e fica desconcertado. Fidel dá-lhe um abraço, diz-lhe qualquer coisa e todos riem. Parece um homem com humor.
Depois de tantos anos, dou por mim a olhá-lo com outros olhos. Mas a história não se reescreve e os longos anos da ditadura cubana também não, a falta de liberdades e a pobreza continuam. Não tenho outra opção senão voltar a olhá-lo com os olhos de sempre.

(Nota: Não sei quando foi feita a reportagem, com toda a certeza pouco tempo antes de Fidel transferir o mando para o irmão Raul).