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sábado, 14 de dezembro de 2013

Os refugiados sírios


Os 74 sírios que chegaram a Lisboa, vindos da Guiné Bissau, chegaram como refugiados, todos pediram asilo político ao nosso país. As autoridades investigarão e se forem realmente refugiados políticos serão acolhidos ao abrigo de legislação internacional que Portugal ratificou
Mas, o que já podemos dizer é que são pessoas que fogem da guerra e da maior pobreza e dão de frente com a exploração de poderosas máfias, organizadas e com cumplicidades ao mais alto nível político (por isso, é que o caso é realmente grave).
Pagaram 5000 dólares pela viagem, pelo passaporte turco…, parece uma desproporção entre o que têm e o que pagam.
Estão aterrorizadas, não falam, não dizem quem são, mostram papéis que não são fiáveis, “desidentificam-se”…. A minha questão é: como continuam por dentro, como os afetou esta forçada “desidentificação”, ou continuam a ser quem sempre foram?
Na verdade, há um em “si mesmo” que não abandona o indivíduo, vá para onde for, sofra o que sofrer, assine que papéis assinar, chegue a aeroporto ou a refúgio que chegar. Há uma parte deles que continua inteira, mesmo que, em muitos pontos, tudo pareça partido.
É por isso que confiamos que muitos refaçam a suas vidas, construam futuros, realizem sonhos, vivam com a dignidade que merecem todos os seres humanos.




terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Dia Mundial dos Direitos Humanos


- No dia 10 de Dezembro, de 1948, era assinada, em Paris, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Depois da II Guerra Mundial, dos milhões de mortos, da bomba de Hiroxima e Nagasáqui, de tanta destruição..., pensou-se que se tivesse havido uma Carta de princípios de toda a humanidade que a maioria das nações assinasse, a guerra não teria acontecido.


- Hoje, estivemos todos em Joanesburgo, no estádio do Soweto, a cantar e a dançar por Mandela. Celebrar um homem ímpar, que não morre, necessariamente, porque não podem morrer os valore por que viveu. 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A morte de Mandela

Já se disse tanto e dirá, nos próximos dias, sobre Mandela, que nada do que eu aqui dissesse acrescentaria alguma coisa. Mas há uma palavra que compreende todas as outras: DIGNIDADE.

"Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos..."= MANDELA

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Um direito especial, ser criança

Escrevo muitas vezes sobre crianças reais, embora com nomes fictícios. Encontrei-as na rua, na escola, no bairro, nalguma fotografia de jornal ou imagem de televisão.
Pensei e falei delas não para denunciar o drama humano, ele é tão visível que não é necessário, antes, para questionar a consciência de quem, hipócrita e cobardemente, deixa que isto aconteça. Assinam declarações, fazem convenções, mas nada cumprem. Não querem, nunca quiseram, fazem letra morta dos princípios e deveres, dos direitos humanos em geral e dos direitos das crianças em particular.
Falo de crianças vítimas inocentes, jogadas no meio das ambições e das crueldades daqueles que, por poder, dinheiro ou fama, as exploram, torturam e matam.
O que mais perturba é o olhar sentido destes meninos, como se tivessem nos olhos toda a tragédia do mundo. Impossível ficar indiferente. 



segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Traficantes de seres humanos

Foi notícia, o grupo de romenos, cerca de quarenta pessoas, trabalhadores sazonais no Alentejo, que vieram para a apanha da azeitona e estão em situação de grande vulnerabilidade. É sempre o mesmo esquema: vêm clandestinos, sem documentação regularizada, vivem explorados por diferentes mafias: quem os contrata, quem os traz, quem os recebe…, parece que não vivemos, nem nós nem eles, em Estados de direito, embora ambos os países pertençam à União Europeia, onde supostamente há leis a regularizar o trabalho com direitos. Não haverá possibilidade de outra assistência e outro cuidado para que o trabalho seja justamente pago e as suas estadias aqui tenha direito a habitação, comida, saúde…, o mínimo necessário? Tem de ser possível, espero que quem deve actuar o faça.



sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Quantos rostos tem a pobreza

Tinha vestido o casaco novo, as luvas e o cachecol da sua melhor amiga. Sentia-se outra:
 - Estou bonita? – Perguntou-me.
- Estás muito bonita.
- Eu não posso ter roupa nova, porque a minha mãe é pobre. Falava da situação familiar e da pobreza de forma desconcertante, como se isso normal,
- Tu tens roupa muito bonita, andas sempre muito vaidosa – digo-lhe.
 Saiu para intervalo, mas esse dia não brincaria com os colegas, não jogaria à bola, não jogaria à macaca… Esse dia iria subir e descer a rampa de acesso ao recreio e passear de um ao outro lados do parque como  se fosse uma modelo. Queria que a vissem, precisava disso, era uma maneira de passear a sua estima, de sentir-se elogiada…
Recordei uma história que na minha infância ouvi por várias vezes contar a uma vizinha: não tinha roupa, apenas um fato para a “cote”, um fato para os dias de semana, muitas vezes remendado, e um fato para o domingo.
Quando ia à casa da senhora, onde a mãe trabalhava, observava a roupa da filha da senhora e não resistia a vestir os vestidos da “menina”, que tinha a sua idade, e, às escondidas da mãe, punha-se à janela a ver se alguém passava e a via e também para ver a sua imagem reflectida nos vidros.
Ambas, com o espaço de quase um século, experimentavam sentimentos semelhantes: o desejo de ser bonitas, de ser vistas e  reconhecidas, que alguém as  valorizasse.

Violência de género,

Dia 25 de Novembro foi o dia internacional para a eliminação da violência de género. Por todo o lado se falou do tema. As estatísticas são negras, segundo dados da ONU, 70% das mulheres  sofrem em algum momento da sua vida violência de género,
Dois milhões de crianças, jovens e mulheres são vitimas de tráfico humano no mundo. Os dados são avassaladores. O problema tem uma amplitude que custa imaginar. Para fazer algo só através da mudança de mentalidades da educação para igualdade de  género desde a mais tenra idade.


 .

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A banalidade da violação de direitos

As violações de direitos humanos estão por todo o lado; estão na guerra da Síria, nos conflitos politicos e sociais do Mali, do Egipto, de Moçambique... e de tantos outros lugares, tal como estão nas diferentes discriminações, no desemprego, na violência doméstica... e noutras situações que quotidianamente vivemos e observamos.
Não há dúvida de que existem poderes políticos, económicos e sociais que ignoram e defraudam as justas expectativas das pessoas e dos povos, naquilo que é o seu ser fundamental: a dignidade, consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH, 1948). É certo que se pode dizer que sempre houve margens, bairros de lata, pessoas desamparadas, sem-abrigos…, como se um destino inexorável ditasse as suas vidas, por gerações sucessivas. Ainda assim, não se trata de um determinismo, outro viver é possível. 

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Leonarda, a jovem cigana


Há umas semanas atrás, foi expulsa de França com a sua família e enviada para o Kosovo, de onde os pais são originários. Detida dentro do autocarro, durante um passeio escolar, o seu caso comoveu meio mundo.
Legalmente, nada a apontar, parece que se cumpriu o que as leis determinam, no caso de imigrantes ilegais em França.
Mas, o problema é que não se trata de uma questão de legalidade; é uma questão de moralidade, de justiça.
Escolarizada, integrada, com amigos, os colegas saíram às ruas exigindo o seu regresso ao país, viu a sua vida truncada, como milhares (se não milhões) de outros emigrantes clandestinos.  
Hollande (o presidente francês) foi obrigado a vir dizer que podia voltar, mas sozinha. Outra injustiça, como vem, uma criança de quinze anos, sem os pais? Ela recusou, o caso continua, pelo menos enquanto os média falarem dele, depois cairá no esquecimento como tantos outros dramas da imigração ilegal.



O tufão Yolanda, Filipinas

Há ilhas completamente arrasadas. Destruição por todo o lado, quase três mil mortos confirmados, milhares e milhares de desalojados, muitos feridos com marcas no corpo e na alma que dificilmente vão sarar.
Olho a jovem mãe que pede ajuda para enterrar o seu bebé que já começa a cheirar mal; olho a idosa que acaba de morrer no centro de acolhimento improvisado; olho a multidão que se aglomera junto ao porto esperando um lugar no barco, mas acaba por ficar, porque só há lugar para os casos mais urgentes; olho as valas comuns onde se enterram os mortos para evitar epidemias…

Olho e penso na contingência humana, na sua desdita e na sua desgraça. Penso na ajuda humanitária da ONU que não chega como devia, apesar da ajuda internacional, e sempre com a mesma desculpa: dificuldades de logística, burocracias, atrasos,… e os que não podem aguentar mais vão morrendo, debaixo das câmaras de televisão. A morte humana não é um espectáculo, mas há alturas, como agora, que quase desculpamos, porque sem imagens como estas, muitas consciências adormecidas dos poderosos do mundo continuariam a dormir descansadas. E é preciso fazer muito mais do que aquilo que está a ser feito. É preciso levar a sério os desequilíbrios ambientais e as alterações do clima, como repetem vezes sem conta os entendidos nestes temas.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Crise ou mais do que isso?

A situação portuguesa é de tal ordem, cada dia parece pior que o anterior, que não vemos qualquer saída. O pior é que estamos tão pertinho dos gregos, da miséria grega, e tão longe dos irlandeses e dos espanhóis e italianos, para estes há um estado social que ainda responde, por exemplo na Espanha, onde o desemprego é uma enormidade, quando acaba o subsídio a pessoa recebe um mínimo de 400 euros, vê-se  diferença, entre o nada e este apoio. aqui verdadeiramente se não é a família, muitos caem na maior desgraça.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Pobreza

Há uma definição técnica para pobreza, os que vivem com menos de um dólar por dia, penso. Aparentemente, se considerássemos esta definição seriam poucos os pobres em Portugal. Contudo, aumentam a olhos vistos, como refere a Cáritas e outras organizações que estão no terreno.
Pobreza é não poder fazer face ao dia a dia  e aos compromissos que temos, daí que muitos pobres sejam por isso classe média e média alta, pessoas que, com a crise e os cortes nos rendimentos disponíveis, vêem o salário a pagar contas sem que fique o tal dólar para comer.
Para onde caminha este modelo de sociedade? Quando nos confrontamos com a impossibilidades de pagar dívidas, o Estado e as famílias, começamos a perceber que nos venderam um modelo social que não podemos suportar.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A banalidade dos naufrágios


Temo a banalidade dos naufrágios no Mediterrâneo; temo que, qualquer dia, se tornem em não notícia, passando a considerar-se como algo de tal modo normal que já  não nos perturba. Temo que se deixe de questionar o que está verdadeiramente em causa: a impossibilidade de “fechar”, nos seus países, pessoas na mais extrema pobreza.
Quando Hannah Arendt, ao presenciar a forma como os carrascos nazis se referiam, sem qualquer pingo de emoção, às barbáries cometidas, falou da banalidade do mal, não sabia da tragédia dos emigrantes clandestinos , mas sabia da incapacidade dos seres humanos (de alguns seres humanos) se revoltarem e tomarem medidas sobre tragédias desta natureza. 

domingo, 13 de outubro de 2013

Malala, um símbolo

A jovem paquistanesa que há um ano foi baleada, no atentado a um autocarro, quando regressava da escola, é já um símbolo. Falou nas Nações Unidas, acabou de ganhar o Prémio Sakharov e está nomeada para o Nobel da Paz.
Malala é uma menina corajosa, inteligente, determinada…, luta pela educação a que tem direito, a sua e a de todas as raparigas do seu pais e de outros países, mas não pode ser instrumento de ninguém, pessoa ou organização. Tem apenas dezasseis anos.
Às vezes, parece, num ponto ou outro do seu discurso, haver demasiada politização, como, por exemplo, quando falou nas Nações Unidas e disse: “as mulheres têm de lutar pelos seus direitos em todo lado, mesmo aqui, nos Estados Unidos, têm de levar uma mulher a presidente” e os focos caíram sobre a senhora Clinton.
- Malala, sei que vais continuar a estudar, a pensar por ti mesma, a ser capaz de questionar as coisas e de as perceberes no confronto com os jogos de interesses da alta política.




quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Tragédia humana, Lampedusa



Não sei se a imagem era verdadeira ou cínica (julgo que só pode ser verdadeira) – o ar pungido de Durão Barroso e do Primeiro ministro italiano, frente ao mar de caixões, com as crianças à frente.
Mais de trezentos mortos, muitos ainda por resgatar, uma tragédia sem contornos que se estende por muitos lados, às famílias, às comunidades, de onde estes emigrantes eram oriundos...
Ficamos parados, a pensar: se quem pode fazer alguma coisa, não faz, que podemos nós? Pelo menos, juntarmos-nos a quem gritou: é uma vergonha! Tenham vergonha!
Agora, a Comissão Europeia disponibilizará 30 milhões de euros para a ajuda aos refugiados, em Itália, mas, a questão não é essa, não é acolhê-los e devolvê-los aos países de origem, não é o regresso a nada, que resolve o problema. Tem de existir outra resposta para a emigração clandestina.  




terça-feira, 24 de setembro de 2013

Terrorismo, em Nairobi

Um grupo terrorista, conhecido na zona, com ligações à Al-qaeda para o sul do Magrebe, atacou um centro comercial de luxo, na capital do Quénia. Escolheu quem queria matar, de resto, há cidadãos ingleses, franceses, canadeenses..., para lá de quenianos. O terrorismo está vivo e pode actuar de muitas formas e em muitos locais. A questão religiosa permanece decisiva: morreram os que não conseguiram provar ser islâmicos. Que podemos dizer, disto? Parece que estamos a anos luz de uma "racionalidade" aceitável.   É perturbação e fundamentalismo, apenas.

sábado, 21 de setembro de 2013

Ética cívica

questão hoje é a de saber como lidar com o pluralismo moral. Cortina fundamenta uma resposta interessante: articular o bem e o justo. Ou seja, para que as sociedades se possam organizar e dar as respostas sociais que esperamos, há uns mínimos de justiça que todos têm de aceitar – liberdade, igualdade, diálogo, respeito –  algo da ordem do normativo, exigido a todos, no espaço público..  A partir daqui todos podem viver privadamente com a sua ideia de bem, prosseguindo os fins bons que entenderem, conforme os  seus valores pessoais, familiares, culturais, ideológicos.... 
Ao incluir o diálogo, a exigir atitudes de abertura e de disponibilidade, a intenção é a de criar a possibilidade de conhecermos valores diferentes que possamos estimar mesmo que não os partilhemos.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

LUTHER KING, 50 anos depois

Martin Luther King nasceu a 15 de Janeiro de 1929, nos Estados Unidos. Lutou toda a sua vida, de forma pacífica, pelos direitos dos negros. Em 1964, recebeu o Prémio Nobel da Paz. Morreu baleado, em 4 de Abril de 1968.
  
Excerto do célebre discurso: “Tenho um sonho”,

 “Digo-vos meus amigos, embora tenhamos de enfrentar dificuldades, hoje e amanhã, tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho da América. Sonho que, um dia, esta nação erguer-se-á, para viver essa verdade, essa evidência: que todos os homens são iguais.
Tenho um sonho que, um dia, nas vermelhas colinas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos daqueles que os escravizaram, sentar-se-ão, juntos, na mesma mesa, como irmãos fraternos. (...).
Tenho um sonho, que as minhas quatro crianças viverão um dia numa nação onde não sejam julgados pela cor da sua pele, mas pelo seu carácter. (…)
Tenho um sonho que, um dia, teremos, em Alabama, rapazes e raparigas negras juntando as mãos com rapazes e raparigas brancas como irmãos e irmãs”.





quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O arrumador de carros (empatia ou o que seja)

- Que horas são – pergunta-me o jovem (muito menos de vinte anos) que acaba de me ajudar a arrumar o carro?
- São seis horas. Por que será que há tanto movimento, tanta gente, aqui?
- Porque há jogo no Benfica, está tudo cheio, teve muita sorte em arranjar aqui um lugar. Podia dar-me este dinheiro todo – referia-se à nota de cinco euros que lhe tinha dado para retirar um euro e devolver-me o resto.
- Sabe que, quando não tenho moedas, não paro, mas, olhei para si e confiei – digo-lhe. Pensei: ‑ posso dar-lhe a nota que ele vai dar-me o troco.
- E vou mesmo, senhora. Vou mesmo.
- Afinal, não me enganei. Está a ver como ainda funciona olhar para os olhos das pessoas. Você tem uns olhos muito bonitos!
- Ah é! Não sei, não costumo olhar para a minha cara, nem para a minha, nem para a de ninguém.
- Por que é que é tão difícil olharmos-nos uns aos outros face a face? Por que será tão difícil parar para conversar?
- Dona, ninguém quer conversa, dão-me o dinheiro e não me olham e eu faço o mesmo.
- Importa-se com isso?
- Não, até, prefiro assim. Só me interessa o dinheiro. Só o dinheiro me interessa.
- Conversar não?
Afasta-se, repentinamente.
‑ Adeus, dona. Vai sair dali um carro, tenho que guardar o lugar.
– Adeus, jovem, um bom dia para si.
 Hoje, não pudemos conversar mais, mas quando nos voltarmos a encontrar falaremos de novo, tenho a certeza. Vamos ter tempo.



quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Onde estão os meus amigos?

Quando se perde tudo, mesmo tudo, e não há esperança, só resta a raiva. Contida ou expressa, uma raiva presente que tortura os dias, desfaz os sonhos e pior, ainda, desumaniza, embrutece e torna insensível a mais doce das criaturas.
Agredir e ser agredido, é o dia a dia destas crianças que sobrevivem em condições inimagináveis, abaixo de tudo o que seria o mínimo de dignidade possível capaz de lhes assegurar um pouco de estima por si mesmas. Funciona apenas o instinto da sobrevivência.
O João é um destes meninos. Perdeu tudo, lá longe onde vivia. Fugiu da guerra mas nunca encontrou paz. Suporta tudo: anda roto,  sujo, faminto, ferido, doente..., mas não suporta perder amigos, como se os sentimentos fossem para ele o mais fundamental. E são. Repete vezes sem conta: não aguento ver morrer os meus amigos. Está furioso, com raiva no olhar, na voz e nos gestos diz-nos:
- Quando saí do buraco, não vi o Américo, nem o Toné, nem a Micas. Onde estão os meus amigos? Corri todas as ruas, procurei-os todo o dia e por todo o lado. Onde estão?”. Eu não os perdi, ontem foram comigo para o buraco, alguém mos roubou. Mais uma vez me roubaram. Mataram o pai, a mãe e os irmãos, sozinho e assustado fugi.  

(uma criança africana, nos subúrbios de uma qualquer capital, dessas onde não se respeita a vida e se mata por nada)


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Inocentes gaseados na Síria


Ou estamos todos muito atordoados, pelo Verão, pelo calor, pelas férias…, ou o que se está a passar na Síria não é o que eu julgo ser: um crime contra a humanidade, mortes por arma química.  
A comunidade internacional, sem acordar para o problema, continua a tolerar o intolerável. Sei que o Secretário-Geral da ONU já falou, que a Comissão Permanente já reuniu e já deliberou, mas tudo se passa como se caso não tivesse a relevância que tem.
Se se comprovar que o ditador usa armas químicas, proibidas por todos os Tratados, é preciso outras pressões, outros embargos, outra saída.
Não acredito que este senhor saia alguma vez pelo seu pé, nenhum ditador o faz, continuará a ser filmado, pela sua própria propaganda, a rezar na mesquita, como se o mal fosse bem e o mau fosse bom. Desprezível, é o menos que podemos dizer.


 (Nos últimos dias, avançou-se um pouco, os Estados Unidos parecem decididos a intervir, a França apoia, o Reino Unido diz que não, o Papa apela a uma vigília..., se fosse uma coisa fácil, mas não é, talvez seja possível outra saída que não a das bombas a cair sobre o massacrado povo sírio). 

sábado, 17 de agosto de 2013

Egipto, uma quase guerra civil

A situação ganhou uma complexidade tal que, pelo menos para mim, não parece compreensível. Nas ruas enfrentam-se os que apoiam e os que contestam o presidente Morsi, a frágil ordem juridica e constitucional é abalada.
Vemos a fragilidade das democracias quando tem por um lado um poder militar sempre alerta e disposto a intervir e por outro um poder religioso misturado com a política, radicalizando a ponto de se tornar uma ameaça às liberdades e aos direitos.
Tentou-se um governo de transição e, quando o diálogo parecia possível, com moderados de ambos os lados a dar tudo por tudo, extremaram-se posições a um nível inacreditável . As mortes  sucedem-se, 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Somos de onde? Somos quem?

Não lembro o título, era um filme/documentário, de que só vi uma parte, sobre uma jovem norte americana que chega à Palestina, a uma zona ocupada pelos israelitas, onde nasceram os pais e onde viveram todos os seus antepassados. É filha de palestinianos, imigrantes forçados, nos Estados Unidos.
Está aqui, na sua terra, mas é uma estranha. Clandestina nas suas intenções, fingindo-se turista, com um passaporte válido, mas com um visto já caducado, sabe que pode ser apanhada, num desses controlos policiais que estão por todo o lado e a cada passo.

Procura a aldeia dos pais. Mas já nada existe, ou melhor, nada existe como o ouviu descrever, vezes sem conta. Os nomes das cidades, das aldeias, dos vales e das colinas já não são os mesmos. Mudaram, tudo está escrito em hebraico, e ela não sabe hebraico.

Entra numa loja, pergunta pela terra dos pais, pronunciando diversas vezes, espaçadamente, o nome em árabe, mas o comerciante judio não sabe árabe e não pode ajudar.
Como se apaga assim um passado que, de resto, ainda é presente, é de há pouco mais de sessenta anos? Apaga-se, por decisão e persistência politicas, obviamente.

Ainda assim, a jovem continua o caminho e vai ter a um vale onde se depara com uma aldeia abandonada e destruída que julga ser a dos seus antepassados. Olha lenta e demoradamente o vale, o céu, as nuvens, o horizonte, o tudo e o nada, como se tivesse chegado a uma terra de destino que não consegue abarcar. Invadida por um sentimento profundo, abraça emocionada o jovem que a acompanha. Permanecem, nessa noite, na casa em ruínas, a um canto de parede, junto a um portal, talvez de uma antiga janela.

Partem na manhã, seguinte. Continuará a não pode dizer quem é, nem ao que veio, mentirá às autoridades, até ser possível, perdendo-se ou encontrando-se, nos vales da Palestina. Vales que também são seus. Podem lá os decretos, os Estados e as ocupações acabar com os sentimentos!

(releio e texto, e penso que se calhar o documentário não foi bem assim)


terça-feira, 16 de julho de 2013

Ausência (ou não)

Já não é a primeira vez que me cruzo com ela,. Vem do cemitério de visitar a campa do filho, que ali está há mais de vinte anos. Apesar disso, podia-se falar de toda a dor do mundo, olhando os seus olhos. Mas não vou falar disso, guardo, como ela, silêncio. 

Como se pode escrever sobre ausências? Às vezes, não se pode. Mas há ausências diferentes, que não doem tanto, como a tão celebrada saudade portuguesa, uma palavra que tudo encerra, sentimentos de perda, misturados com momentos de nostalgia boa, que alivia, que ajuda a viver, a estar, a continuar…, criando proximidade, mesmo que distante, e dando-nos essa pontinha de identidade de que precisamos esteja na mais recôndita aldeia beirã, algarvia, transmontana ou na rua ou bairro da mais movimentada cidade.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Olhando a gente, Istambul

Talvez, o mais importante das viagens seja aquele aspecto cultural que só podemos tocar se nos misturarmos com as pessoas, passando despercebidas, sentadas numa praça, numa esplanada, percorrendo um mercado, entrando numa igreja, numa mesquita…
Houve um dia, nesta viagem à Turquia, em que isso foi possível. Era um fim de tarde, depois de um agradável passeio no Bósforo – aquele estreito mítico, onde se cruzam povos, civilizações e continentes, com uma paisagem inebriante, palácios, casas luxuosas, jardins, colinas verdejantes…, mas que, por vezes, até se torna desconfortável, quando percebemos os preços, o nível de vida, o que separa esta de outras zonas da cidade.

Voltando àquele final de tarde. Era numa zona movimentada de Istambul, junto ao mercado egípcio. Percorri o mercado, limpo, organizado, sem ser labiríntico, com uma parte central que claramente espera pelos turistas e potencia o negócio dos produtos característicos, mas também o mercado da carne, das flores…, não propriamente para quem vem de fora.  
Entrei, depois, na mesquita, situada mesmo ao lado. As portas estavam abertas, com os indispensáveis sacos de plásticos, à entrada, para podermos colocar os sapatos.
Achei interessante ver como as pessoas ocupavam o espaço. Logo, à entrada, um casal jovem com uma criança, estava sentado no corredor do lado direito. Depois, na parte central da mesquita vários homens (era a parte deles), uns rezavam, outros descansavam, outros meditavam, outros liam, outros deitados ao comprido, pareciam até dormir. Encontrei-os nos sítios mais insuspeitos, atrás de uma coluna, no fundo do corredor junto a um vitral, no canto da sala…

Fiquei a pensar nesta normalidade que, nas nossas igrejas, não seria tão normal; se alguém se deitasse como que a dormir, viria alguém falar-lhe de desrespeito e de falta de boas maneiras, convidando-a a sair. Aqui, não. Parecem coexistir formas de estar muito diferentes, tudo em silêncio, isso sim, sem a música ambiente das mesquitas com visitas organizadas para turistas.

Saio e sento-me quase no cimo da enorme escadaria. Olho a praça: há vendedores ambulantes com os respectivos tabuleiros, vendendo guloseimas, gelados, brinquedos, uma espécie de milho e outras coisas que não identifico. A vida corre…, como em quase todas as praças, há pessoas apressadas e outras sem pressa, conversando, passeando os filhos, apanhando transportes, carregando sacos, ignorando os turistas…, vivendo, como se vive, afinal, em tantos lados.




terça-feira, 9 de julho de 2013

Imigrantes ilegais, Lampedusa

Esta ilha italiana, a pouco mais de cem quilómetros da costa africana, recebe grandes levas de imigrantes clandestinos que, aqui, chegam impelidos pelas circunstâncias em que vivem nos seus países de origem. São quase todos jovens, trazem sonhos, vidas por viver, força e vontade de chegar à Europa rica, para eles, o maná do deserto, o que necessitam para melhorar a sua vida e a das suas famílias. Mas, acontece que em vez de maná encontram, muitas vezes, desconsideração e dias amargos.
O Papa foi, ontem, a Lampedusa, rezar missa e falar da imigração clandestina. Falou da urgência da não indiferença, do acolhimento, da atenção ao outro, a quem devemos tratar, antes de tudo, como irmão, fraternalmente. Podem não ter a cidadania europeia, podem não ter documentos válidos, mas são pessoas a quem devemos acolher em vez de explorar.
Vítimas da pobreza e do subdesenvolvimento, das mafias que os trouxeram até aqui e dos que agora se aprontam a empregá-los clandestinamente, sem direitos e por baixos salários – é bem uma face da escravatura do século XXI – são pessoas em estado de grande fragilidade.
Contam com o trabalho dedicado de ONG’S e de organizações da igreja, que fazem o que podem, mas, decerto, menos do que desejariam. A resposta à imigração ilegal é fundamentalmente política e global, todos sabem isso; se a política internacional não fosse um jogo de interesses, muitos dos problemas que enfrentam estes imigrantes já teriam sido resolvidos.


domingo, 30 de junho de 2013

Mandela

Nelson Mandela é um herói dos direitos humanos. Nasceu em 18 de Julho, de 1918, na África do Sul, onde lutou pelos direitos e pela dignidade de todos os seres humanos. Esteve vinte e sete anos preso, dezoito dos quais em Robben Island, por defender os direitos dos negros contra o apartheid.

Excerto do discurso de N. Mandela, em Oslo, 1993, quando recebeu o Prémio Nobel da Paz.

“Estou aqui em representação de milhões de pessoas do nosso povo que ousaram levantar-se contra um sistema social injusto, cuja verdadeira essência são a guerra, a violência, o racismo, a repressão e o empobrecimento.

Também, estou aqui representando milhares de pessoas do movimento anti-apartheid, governos e organizações, que, por todo o mundo, se juntaram a nós, não para lutar contra a África do Sul como país ou contra algum dos seus povos, mas para se oporem a um sistema inumano e contribuírem para o rápido fim do apartheid, um crime contra a humanidade.

Esse incontável número de seres humanos, dentro e fora do nosso país, tiveram a nobreza de espírito de se colocarem no caminho da tirania e da injustiça, sem procurar ganhos próprios. Consideraram que a injúria de um era a injúria de todos e, sobretudo, agiram em defesa da justiça e da comum decência humana.
Devido à sua coragem e persistência, de muitos anos, podemos hoje esperar que, em breve, a humanidade se juntará para celebrar uma das vitórias mais proeminentes do nosso século. Quando esse momento chegar, poderemos, regozijarmo-nos duma vitória comum contra o racismo, o apartheid e a lei da minoria branca.

O triunfo finalmente encerrará cinco séculos de colonização africana, que começou com o estabelecimento do império português. Esse acontecimento constituirá um grande passo na história e servirá como caução, como garantia, para os povos do mundo que lutam contra racismo, onde quer que ocorra e seja qual for a forma que assuma.
No extremo sul do continente africano, está em preparação uma recompensa, um incalculável presente, para aqueles que, em nome da humanidade, sacrificaram tudo pela liberdade e pela dignidade humana.

(No ano seguinte, tornou-se presidente da África do Sul, foi o fim do apartheid e a construção de uma pátria unida e multicolor)
                                                               


quinta-feira, 27 de junho de 2013

A luz de Mandela

Mandela está agonizando num hospital de Pretória. Na sua terra natal, o clã familiar prepara as exéquias fúnebres, conciliando a tradição ancestral africana, a que Mandela pertence e da qual sempre esteve próximo, e o funeral de um homem universal, grande e bom. Não há maior elogio do que dizer-se: era (é) um homem bom. 
Obviamente que Mandela não morre; não morrem os heróis que têm o tamanho do céu e da terra, do presente e do futuro. Precisamos da luz de Mandela.


terça-feira, 25 de junho de 2013

Capadócia, Turquia

Estive, há poucas semanas, na Capadócia, região de dois vulcões extintos, há milhares de anos. A primeira percepção é de encantamento, pela novidade, pela surpresa, pela extensão, pela história… Grutas e mais grutas, umas à superfície, como se fossem vestígios de castelos e de mundos mágicos, outras subterrâneas, habitação, durante séculos (do VI ao IX), das populações daí. 
Também impressiona o vale das igrejas bizantinas, escavadas na rocha, como se, a procura de sentido, fosse, nesse tempo, como hoje ainda, o marcar da vida. A relação do homem com o transcendente é tão enigmática e ao mesmo tempo tão avassaladora que nos perturba. Por que haverá, naquele vale e naquela encosta, tantas igrejas, todas seguidas, pequenas, maiores, baixas, altas…?
Nalgumas, há pinturas, cenas bíblicas, representações duma cristandade que nos é familiar. De resto, o que nos invade, quando percorremos o vale, não é uma sensação de estranheza, mas de interrogação: como foi possível? Foi possível porque se conjugaram os ventos, as chuvas, as areias...tudo, até a mão de Deus, dirão alguns. Gostei muito.


quarta-feira, 12 de junho de 2013

A Praça Taksim, Istambul

Esta é já a praça símbolo de todos os protestos, dos que reivindicam a possibilidade e o direito de viver livremente de acordo com a sua consciência, sem os ditames da religião que não professam. O laicismo é generalizado, por que tem, então, a constituição de por em causa direitos individuais. As crenças dão chão, sustentam, equilibram…, de algum modo, somos aquilo em que acreditamos, mas em rigor têm de ser crenças que aceitamos ou escolhemos livremente.
A liberdade de agir, a liberdade de escolha, é de cada um, da sua autonomia, do seu ser eu, em definitivo. É por isso que todos estamos naquela praça, todos estamos pela decência e pela dignidade humana. Todos estamos em Istambul, Atenas, Lisboa, Paris…, onde faça falta. Nós e os outros, livres e iguais, seja onde for. 

terça-feira, 11 de junho de 2013

Manifestações por direitos individuais, Turquia

As manifestações na Turquia, como já antes noutros países, vieram por em evidência que o homem é um animal político, com um natural sentido de justiça e de vida cívica, por mais que os regimes se possam empenhar em coartar as liberdades individuais dos seus cidadãos.
Afinal, os jovens turcos não estão amorfos, há capacidade de indignação. Outra coisa é saber se há, e em que termos, capacidade de organização e de proposta política consistentes para mudar aquele estado de coisas. Reivindicar eleições para depois radicalizar mais ainda, não chega. A abertura começa pela educação, pelas universidades, pelo debate livre e responsável de novas ideias e projectos, onde a liberdade individual seja absolutamente respeitada, mesmo a daqueles que vêm o islão como o princípio e o fim de tudo.
Mas, não pode, também, a religião impor práticas que ponham em causa essa liberdade. A decisão de beber ou não álcool, de ter ou não ter filhos, de abraçar-se ou de beijar-se na rua,…, não é do estado, é dos indivíduos, dentro do respeito intransigente de uns pelos outros. A sociedade turca, culta e desenvolvida, compreende muito bem isto. A abertura acontecerá, estou em crer.



terça-feira, 21 de maio de 2013

Desenvolvimento, após 2015

O desenvolvimento é muito mais que o crescimento económico. Muito mais que a distribuição da riqueza de forma justa; o desenvolvimento é também, ou até antes de tudo, o desenvolvimento pessoal, as liberdades civis e politicas,  a educação, a dignidade;  um desenvolvimento ético que inclua o bem estar e a felicidade. 
Os objectivos do Milénio (ODM) tiveram, apesar das criticas, a vantagem de, pela primeira vez, se terem definido objectivos e metas quantificáveis a nível global, embora tenham existido falhas de monitorização, de análise de dados..., o que se fez foi muito. Reduziu-se a pobreza extrema, os que vivem com menos de 1.25 dólares por dia, o analfabetismo, as desigualdades, mas muito ainda há por fazer. O desenvolvimento é um projecto sempre em acção comandado pelos direitos humanos, a segurança e a paz. 


sábado, 11 de maio de 2013

Não choro a morte dos meus filhos, a droga

A sala de espera estava cheia, à nossa frente, duas senhoras conversavam sobre os netos, quando a senhora do meu lado direito me diz: “Também, com filhos assim, quem pode viver com eles? Acha estranho que eu diga isto - questiona-me? Sei que acha, muita gente não entende, mas já passei por coisas… Sei bem que, quando não se pode fazer mais nada, o melhor é deixá-los. Deixar os filhos, para não morrermos também”.
Prossegue, olhando-me: “Eu não conto a minha vida, se contasse! Não conto. Um filho morreu-me com trinta e cinco anos, na cadeia, mas ninguém o matou, foi ele que se matou, com comprimidos, davam-lhe muita medicação, tinha hepatite, sida… O outro morreu com uma overdose, com vinte seis anos, nunca trabalhou, em vez de injectar na veia, estava tão perdido, injectou-se fora da veia e morreu. Tenho muito para contar, mas não conto. Criticam-me por não ter chorado a morte dos meus filhos, não choro, sei que foi o melhor que aconteceu a mim e a eles”.
Sigo o que diz, com o olhar e expressões de circunstância: “é assim, a vida é assim, não se pode fazer nada… Não faço qualquer pergunta, mas ela continua: “O mais velho teve filhos, tenho netos…”. Penso: como estará esta mulher por dentro? Olhando-a, ninguém diria que uma tragédia (ou várias) a consomem, mesmo que repita mil vezes que não quer falar, que foi melhor assim.

E como estará, por dentro, a senhora do meu lado esquerdo? E a que está à minha frente? E a que está atrás de mim? Que sabemos uns dos outros? 

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A questão do mal, ainda a propósito das jovens de Cleveland

Vivemos em sociedades organizadas, com leis e instituições a funcionar, mas sem saber bem como testemunhamos quase diariamente os maiores horrores - a maldade em estado puro, sem qualquer explicação possível. 
A liberdade individual que devia ser a coisa mais inviolável é todos os dias ameaçada e posta em causa. Com diferentes formas e graus, a violência pode ir  desde a mais subtil chantagem psicológica à mais explícita guerra  com armas de destruição massiva, nucleares, químicas…, a maldade aí está a lembrar-nos a face terrível  de alguns seres humanos. 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

as jovens sequestradas de Cleveland

Dez anos sequestradas, até um dia é muito tempo. O que se passou, o que se viveu naquela casa, ninguém sabe. Só as jovens podem falar daquela maldade, com requintes de perversidade. Só as jovens podem falar do inferno que viveram, Para já, a nós, parece-nos quase impossível o que aconteceu, Mas não foi. Que sabemos nós de quem vive na casa ao lado?

sábado, 4 de maio de 2013

Mortes no Bangladesh, debaixo dos escombros

Quem é responsável pela morte de mais de trezentas pessoas, pelas vidas perdidas e pelas famílias destroçadas? Quem é responsável pela construção de oito andares num prédio que tinha apenas fundação para cinco? Quem é responsável pelas condições miseráveis em que trabalham os operários daquela cidade e de tantas cidades do mundo?
Não há responsáveis? Há, com certeza. Talvez muitas das marcas de luxo de todas as avenidas, de cidades europeias, americanas e outras, que exploram, lavando as mãos, como se nada fosse, a mão de obra de trabalhadores que não tem escolha, ou fazem aquilo ou caem na miséria mais absoluta. O direito a um trabalho é ainda uma miragem em demasiados sítios, por causa dos múltiplos interesses. Sempre os interesses de uns quantos a ditar lei.

sábado, 27 de abril de 2013

O albergue

Todos eram sem-abrigo. Viveram, anos a fio, na rua, alguns mais de vinte anos. Todos têm os corpos e as almas marcados pelo álcool, pela droga, pela doença, pela solidão…
“Fui parar à rua – diz-me um senhor com quarenta e poucos anos – porque não consegui gostar de ninguém, nem dos meus pais, nem dos meus irmãos, nem da minha mulher… Quando comecei a namorá-la, houve um clique em mim, pensei que era possível aquele amor. Mas não foi. Nada me preenchia, procurava sem saber o quê, até que um dia sai de casa, mudei de cidade e desci ao inferno das ruas. Só havia álcool, cocaína, abandono, dias inteiros, em grupo, traficando e roubando para consumir. Anestesiado, não me dava conta de que já não era gente. Até que um dia, há quatro anos, fui parar ao hospital, quase morto e, depois, já em recuperação, fui trazido para aqui. Um dia qualquer, hei-de comprar um bilhete de autocarro e voltar a casa. Será que ainda estão lá aqueles a quem não fui capaz de querer?



quarta-feira, 24 de abril de 2013

Terrorismo, em Boston

Podem fazer-se muitas análises, mas a que a mim mais me impacta é a que tem a ver com o extremismo islâmico: matar por Alá. O absurdo é total.
O que aconteceu, na cabeça destes jovens, mais ou menos inseridos na sociedade americana, com perspectivas de futuro, para, dum momento para o outro, se fazerem jihadistas, combatentes por um radicalismo que considera que não é apenas o ocidente que ameaça as suas crenças (de que nem sequer eram grandes praticantes) mas até os moderados do islão?
Alguma coisa de muito perturbador nos escapa, para que não sejamos capazes de uma mínima compreensão sobre isto. Talvez, algo da ordem da identidade mais profunda de cada ser humano: somos quem?


terça-feira, 16 de abril de 2013

Imigrantes,

Levantar muros, fechar portas e janelas não é a melhor resposta, nem será nunca a solução para os problemas das sociedades actuais, cada vez mais diferenciadas, diversas e multiculturais, com prementes questões de direitos humanos – discriminações, violência, insegurança, imigração clandestina, exclusão social...

O número crescente de excluídos não é apenas formado pelos africanos e outros imigrantes que chegam às cidades do mundo rico à procura de condições mínimas de sobrevivência, são, também, os que, embora, vivendo nele, estão à margem do sistema económico e social. As questões da distribuição da riqueza, as injustiças sociais, são a causa das maiores violações de direitos humanos no mundo.  

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Morre-se, assim


Deixou na mesa um maço de notas e disse à mãe da criança que eram para a levar ao médico, fazendo todos os gestos possíveis para que ela entendesse (talvez fosse surda-muda). Estendido numa esteira, ardendo em febre, olhos fechados, imóvel, com uma fragilidade que dói e assusta, pois pressente-se o pior, o menino ali está.
Se fosse num país desenvolvido, teria sido, a tempo e horas, assistido num hospital e um antibiótico ou outro medicamento ter-lhe-ia salvo a vida. Mas, assim, naquele subúrbio insalubre, daquela imensa cidade asiática, o destino seria outro. Foi tempo de mais até se arranjar o dinheiro necessário para o tratar.  
Se estivesse a escrever ficção, este menino não morreria, haveria tempo para a mãe o levar ao hospital, para comprar medicamentos, e o fim seria o de uma criança feliz, a brincar na rua, mas como estou a escrever sobre a realidade, não posso fugir ao fim trágico, o menino morreu.
O tal senhor que tinha deixado o maço das notas, chega para o funeral, há muita gente, a mãe não está só. Cumprem-se os rituais religiosos e culturais, e o menino parte. Mas, talvez nunca parta enquanto viverem, alguns dos que ali estão, pelo menos a mãe. 

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Mulheres sem rosto



Vimos, há dois ou três dias, numa reportagem televisiva, aquando da deslocação do ministro da saúde à Arábia –Saudita, procurando negócios, nomeadamente nesta área, mulheres de bata branca e um enorme véu preto sobre o rosto, ficando apenas a descoberto os olhos. Chocante, para dizer o mínimo. Inaceitável, quando o mundo de hoje é de inter-relações globais.
 Já escrevi tantas vezes sobre este assunto, mas sinto que não podemos continuar sem nada fazer, o argumento religioso e cultural não chega, não estamos mais na Idade Média, em sociedades fechadas, a abertura impõe novos critérios, desde logo o do respeito pela relação com os outros.
Sem rosto, parecem também sem identidade, como é que as vemos, como é que as recordamos? Não há relação, nos moldes em que a entendemos, da solicitude, da reciprocidade, do olhar o rosto. Não queremos impor nada mas parece razoável perguntar: não temos o direito a uma relação face a face, a uma relação  de proximidade que só o rosto, torna possível. Mulheres sem rosto, quem lhes impõe tal destino?



quarta-feira, 3 de abril de 2013

Manifestações, todos estamos nas ruas


Sucedem-se as manifestações, novos, velhos…, diferentes grupos profissionais, reformados e pensionistas. Alguns são manifestantes improváveis, não fazem parte da luta ideológica, sempre presente, fazem- no porque há um tomar de consciência de que é necessário, de que não pode ser de outro modo. Prefeririam ficar em casa, no sofá, mas são impelidos por uma urgência: a de que não podemos continuar assim.
Se deixamos o mundo entregue aos políticos e especialistas de Bruxelas e outros que tais (há muitos por essas instituições supra nacionais) não haverá saída. Fazem brilhantes previsões, que geralmente não acertam, análises contraditórias, soluções de madrugada, que ao comum dos mortais, parecem sempre um confronto de interesses, onde os alemãs nunca perdem e os outros arranjam tristes justificações para mais um corte, um imposto, uma taxa, um resgate…; ou ficaremos condenados a décadas e, se calhar, até, séculos de desmoronamento de direitos e de  invernia social. 

sábado, 23 de março de 2013

Voltando aos olhos da Sheila…

De que falam?  Falam do que lhe está a acontecer. Falam da vida mesma, de expectativas frustradas, de desentendimentos quotidianos, da família que não vê, da escola que não pode frequentar, do emprego que precisa, de ausências sofridas, de amores que doem…
Os olhos da Sheila falam, sem falar. E eu que escuto, o que faço? Continuo instalada, nas minhas certezas e nas minhas comodidades, como se nada se tivesse passado. Mas, passou.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Os olhos da Sheila


- Sabes com quem sonhei, hoje? - pergunta-me a minha mãe - com aquela menina moçambicana que queria vir contigo para Lisboa. Não te lembras dela?
- Às vezes, lembro – respondi.
Fico a pensar: estranha a pergunta. Lembro sobretudo do olhar, falava pouco. Era uma jovem de dezasseis anos, encantadora, mas vivendo, como quase todas as adolescentes, um turbilhão de emoções.
Por que queria tanto vir para Portugal?  Por que queria deixar tudo, ou talvez não deixar nada? Que sei eu!

waris Dirie, mutilada


Conhecia a história, já tinha visto o filme, mas ontem voltei a vê-lo e o impacto foi o mesmo. Talvez tenha passado, por se discutirem por estes dias em Nova Iorque, na ONU, os direitos das mulheres.
Waris Dirie – modelo somali - falou abertamente na mutilação genital feminina de que tinha sido vítima aos 3 anos, primeiro numa entrevista a uma revista de moda, com divulgação mundial, depois nas Nações Unidas. Contou como era feita, por quê, como duas das suas irmãs não resistiram; contou o que significa, cultural, social, mas, sobretudo, pessoalmente. As imagens são de um grande realismo, a cena da mutilação é pungente (ainda oiço os gritos da menina), fechei os olhos, não aguentei. Fico sem palavras, sem saber o que pensar é que não há qualquer justificação, para tamanha humilhação, para tamanha desumanidade.
Agora, a ex-modelo, é embaixadora da ONU para os direitos das mulheres, tem uma fundação onde luta diariamente contra esta prática absolutamente inaceitável, que muitos países condenam mas que a cultura e o fechamento social destas comunidades continuam a permitir.