Tinha vestido o
casaco novo, as luvas e o cachecol da sua melhor amiga. Sentia-se outra:
- Estou bonita? – Perguntou-me.
- Estás muito
bonita.
- Eu não posso
ter roupa nova, porque a minha mãe é pobre. Falava da situação familiar e da
pobreza de forma desconcertante, como se isso normal,
- Tu tens roupa
muito bonita, andas sempre muito vaidosa – digo-lhe.
Saiu para
intervalo, mas esse dia não brincaria com os colegas, não jogaria à bola, não
jogaria à macaca… Esse dia iria subir e descer a rampa de acesso ao recreio e
passear de um ao outro lados do parque como se fosse uma modelo. Queria que a vissem,
precisava disso, era uma maneira de passear a sua estima, de sentir-se
elogiada…
Recordei uma
história que na minha infância ouvi por várias vezes contar a uma vizinha: não
tinha roupa, apenas um fato para a “cote”, um fato para os dias de semana,
muitas vezes remendado, e um fato para o domingo.
Quando ia à casa
da senhora, onde a mãe trabalhava, observava a roupa da filha da senhora e não
resistia a vestir os vestidos da “menina”, que tinha a sua idade, e, às
escondidas da mãe, punha-se à janela a ver se alguém passava e a
via e também para ver a sua imagem reflectida nos vidros.
Ambas, com o
espaço de quase um século, experimentavam sentimentos semelhantes: o desejo de
ser bonitas, de ser vistas e reconhecidas, que alguém as valorizasse.