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quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Para lá das luzes e do brilho...

- Vou mostrar-te as ruas e as praças nesta época de Natal. Eu sei que vais gostar de ver.

 - As pessoas enchem as lojas e os centros comerciais cheias de compras e presentes

 - Tanto embrulho bonito! Tanta fita e tanto laço! É bonito o Natal! Uma verdadeira festa de luz e cor! Que lindo, tudo a brilhar! Até as pessoas parecem mais felizes.

 - Sim, mas há um outro lado, nas ruas e nas praças, menos feliz, mais escuro, muito duro, às vezes. O Natal, dos sem Natal...

 




sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Quando a deriva é tão visível...

Com uma aparência de desleixo, afastado de todos, deixa-se cair contra o muro. Abandona-se, como se desistisse de tudo.

- Deixem-me, deixem-me, deixem-me... – Gritava, ao mesmo tempo que dizia palavrões.

- Estás bem? Sentes-te bem?

- Como posso estar bem? Vê além a “bófia”? Vêm de carro e armados, prontos para dar porrada. Para a “bófia” todos aqui são drogados e ladrões.

- E não são, pois não?

- Claro que não. Há “bué” de gente que trabalha e putos que andam na escola.

- E tu andas?

- Não. Já andei, mas não gostava, não sabia nada, era perder tempo. Quando os “cotas” foram dentro nunca mais voltei à escola.

- Os teus pais, estão presos?

- Estão, há “bué” de tempo....

Faz silêncio e olha-me intensamente, não sei se com raiva ou súplica, como se eu tivesse alguma coisa a ver com tudo o que estava a acontecer e pudesse ajudá-lo.

(excerto de um texto maior)


segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Sem-abrigos nas ruas de uma cidade (6)

  São dois irmãos, marcados pelo alcoolismo, que arrumam carros, há mais de vinte anos, à entrada de um centro comercial. Primeiro, contam as moedas para ver se já chegam para comprar tabaco. Depois, contam as moedas para ver se já chegam para comprar o que comer e beber (sempre vinho). Se é suficiente, compram comida, se é pouco comem pão sem nada ou com mortadela.

Uma vez perguntei-lhes:

- Têm família?

- Ele – aponta para o irmão – tem filhos, mas não querem saber. Estamos a arrumar carros desde que a minha mãe morreu. Pedimos, mas não roubamos nada a ninguém. Se o dia corre  mal, esperamos até mais tarde e pessoas do supermercado dão-nos comida.

 

sábado, 26 de dezembro de 2020

Sem-abrigos, nas ruas de uma cidade (5)

 Tem 21 anos e foi abandonada pela mãe quando tinha quatro.

- A minha mãe seguiu a vida dela sem olhar para trás, deixou-me em casa do meu pai, mas como a minha madrasta não me via com bons olhos andei de um lado para o outro, uma vez na minha avó, outra no meu pai, até que um dia fugi e vim para aqui, para esta casa abandonada juntar-me a um grupo.

- Consumiam drogas?

- Claro, eu também; se não fosse a droga, não tinha ido para a prostituição. Quero sair disto, mas é impossível, quero uma vida como a gente normal. A assistente social sabe disso e prometeu-me arranjar lugar num albergue e um tratamento. Já lhe garanti que desta vez não fujo. Não fujo, como fiz da outra vez.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Sem-abrigos nas ruas de uma cidade (4)

 Um casal, sentado no muro, na casa dos trinta anos, espera a carrinha.

- Tenho três filhos, mas só as duas mais pequenas vivem connosco. O meu filho mais velho não é filho dele, vive num lar de rapazes – diz a mulher.

Estão os dois desempregados, não vivem na rua, mas é como se vivessem – diz-nos um dos voluntários.

– Quem é que dá trabalho a um tipo que esteve preso? Ninguém. Foi a puta da droga que deu cabo da minha vida. Já não consumo, mas fumo tabaco como uma chaminé.  

Comem a sopa quente e o resto que lhes distribuem e levam para as filhas pacotes de leite, pão e bolachas,

Ela agradece e despede-se. Não parece tão revoltada como o companheiro.

 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Sem-abrigos, nas ruas de uma cidade (3)

 Visivelmente perturbado e com um discurso sem nexo, diz aos voluntários que tentam acalmá-lo:

- Tenho uma fortuna para receber, mas não posso, porque me roubaram os papéis do banco. Roubaram-mos aqui. Vou lá todos os dias, chamam a polícia e não me deixam entrar.

- Não quer uma sopa quente e o resto que aqui temos para si – diz-lhe um dos jovens.

- Não me chateiem, desapareçam, não preciso de nada…

- Fica aqui o saco; quando o senhor quiser come, não há problema.

Dos que vivem na rua, os doentes mentais são os mais frágeis dos frágeis. Nada se compara, a um delírio que permanentemente os atormenta.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Sem-abrigos, nas ruas de uma cidade (2)

 Aparenta ter mais de oitenta anos, de barba branca, por fazer…. Neste tempo, vésperas de Natal, do que mais sente falta é da família que está longe, espalhada, alguma na ilha de Santiago (Cabo Verde), outra na América e outra nos arredores de Lisboa. Não procura ninguém e nem ninguém o procura. Pode lá haver maior solidão – pensamos nós.

- Não estou só, tenho uma companheira de muitas noites e dias, mas às vezes desaparece e nessas alturas fico sozinho e doe-me tudo: o corpo e a alma. Preciso dela, é muito decidida, se não fosse ela não tinha arranjado o bilhete de identidade e não recebia nada do Estado.

- É um grande amor – diz-lhe o jovem voluntário que lhe entrega comida quente.

- É, mesmo – e começa a chorar.

domingo, 13 de dezembro de 2020

O João (1)

 Com uma aparência de desleixo, afastado de todos, deixa-se cair contra o muro. Abandona-se como se desistisse de tudo.

- Deixem-me, deixem-me, deixem-me... – gritava, ao mesmo tempo que dizia palavrões.

- Estás bem? Sentes-te bem?

- Como posso estar bem? Vê além a “bófia”? Vêm de carro e armados, prontos para dar porrada, para a “bófia” todos aqui são drogados e ladrões.

- E não são, sei bem que não. 

- Claro que não. Há “bué” de gente que trabalha e putos que andam na escola.

- E tu andas?

- Não. Já andei, mas não gostava, não sabia nada, era perder tempo. Quando os “cotas” foram dentro nunca mais voltei à escola.

- Os teus pais estão presos?

- Estão, há “bué” de tempo....

Faz silêncio e olha-me, intensamente, não sei se com raiva se com súplica, como se eu tivesse alguma coisa a ver com tudo o que estava a acontecer e pudesse ajudá-lo.

- O que é que tem estarem presos? – Pergunta-me, zangado.



terça-feira, 8 de dezembro de 2020

A contingência humana…

Morre-se assim. Morreu a cantora de 21 anos, Sara Carreira, num desastre de viação. Não temos domínio sobre a nossa vida. A comoção é geral, porque ela, tal como toda a família, era uma figura pública.

Desde do primeiro comunicado a imprensa, pediram respeito e privacidade, quiseram que o velório e o funeral fossem privados. Entendo isso. Deve respeitar-se em absoluto a vontade da família. A dor é indiscritível, não se pode, nem se sabe, falar de tamanho sofrimento.

sábado, 4 de maio de 2019

Lá longe, um país sentido (2)

O barco navega, às vezes depressa, às vezes devagar, afastando-se, mais e mais, até, de repente, desaparecer. Já não vejo o barco, nem quem o conduzia, desapareceram. Surge, como por encanto, um grande jardim, um campo de flores brancas ou, melhor, quase brancas, a puxar para  um dourado claro, muito claro!

O sol brilha, intensamente; tudo resplandece, tudo se liga, como se o tempo contasse de outro modo e as vidas decorressem de outra maneira. É assim, lá longe, no fundo de um vale, a minha aldeia. Pessoas conversando, meninos correndo...,  um lugar a que pertenço, mesmo que a vida me leve para outros mundos e outros lugares.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Lá longe, um país sentido (1)

Um dia um trabalhador migrante que pinta, há anos, prédios altos em Lisboa, falou-me, num inglês perfeito, do seu país como se fosse um sonho. Reescrevo o que me disse, em homenagem a todos os trabalhadores migrantes que deixaram a sua terra, mas, na verdade, nunca saíram dela.

O dia está a despertar, as nuvens, ainda rasteiras, junto às montanhas, afastam-se de mansinho, esfumando-se no ar, passando de cinzento-escuro a um cinzento quase branco e depois a um azul, cada vez mais azul, que se confunde com o céu. Já não são nuvens. É o céu. É dia claro. 

Cá em baixo, a planície é um infinito campo de arroz, de um verde tão forte que, às vezes, cansa o olhar, mas que sempre nos anima a alma; a meio do campo, um canal estreito, onde uma barcaça, a remos, se move sem parar. Anda, distancia-se...

Sempre o mesmo campo, no mesmo arrozal, debaixo do mesmo sol. É um lugar muito longe, num sítio não sei onde, se calhar, na Ásia, porque a única pessoa que vejo, a que conduz o barco, tem uns olhos rasgados, uma pele escura e um chapéu com abas largas, preso ao pescoço com uma fita. Nunca me olhou, se calhar não sabe que eu estou aqui. 



segunda-feira, 6 de agosto de 2018

“Já estive na América” - diz-me a senhora


Cheguei muito cedo à estação do porto do Pico. Queria apanhar o primeiro barco do dia. A sala de espera estava deserta; passado algum tempo, chegou uma senhora com mais de meia cesta de ovos, empilhados uns em cima dos outros, como antigamente se fazia.
- Vai ao médico – pergunta-me?
Percebi que eu podia ser dali. Na verdade, nesta ilha, a pronuncia não é acentuada.
- Não, estou a passear, vou passar o dia ao Faial.
-Ah! Não é daqui! Achei estranho, não a ter visto antes.
- Sou da Guarda, não longe da serra da Estrela, a segunda montanha mais alta de Portugal, a seguir ao Pico.
- Nunca fui ao continente. Mas já estive na América, tenho dois filhos na América.
Não refere a cidade, nem o Estado, diz na América, como se se tratasse duma coisa única, duma identidade. E tem razão; quando um açoriano diz «América», fica-se a saber tudo. Sabemos do que fala.
Quase em cima da hora do barco, aparecem os que vão trabalhar, os que vão de facto ao médico, ao tribunal ou a outra instituição pública que só há na  cidade da Horta.
Entrámos, pouca gente. Só para mim, aquela travessia parecia uma novidade. Deixei-me levar, olhando a ilha que ficava para trás, o mar revolto, as enormes ondas e, pouco tempo depois, o porto da Horta. A cidade parece um alpendre, ao longo daquela baía, em declive, roçando o mar. À saída  a senhora, com quem tinha falado no Pico, quase me esperou para me desejar um bom dia. Agradeci.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

"O que será dos meus filhos", o filme


Emociono-me com frequência – sobretudo, com aspectos que têm a ver com a identidade profunda das pessoas, com sentimentos que não conseguimos explicar – mas não sou de chorar.  Nesse filme, contrariamente ao habitual, recordo ter chorado do princípio ao fim.
É um drama humano, no limite do suportável: uma mãe doente, cancerosa, muito religiosa (de resto, a paróquia é um apoio), que sabe que vai morrer muito proximamente e procura um futuro para os filhos que vê possível, entregando-os a famílias com possibilidades. Entrega um, dois, três, quatro…, mas há uma criança (ou talvez mais) deficiente que não é adoptada e acaba numa instituição.
Deixa com a filha mais velha as direcções de todos os irmãos, na esperança de que não se percam uns dos outros.  
Já na fase terminal, resiste a tomar uma certa medicação que lhe alivia as dores, mas a torna inconsciente, alheada, incapaz de continuar a lutar pelos filhos.
Não recordo a figura nem o papel do marido, estaria ausente do filme, seria a senhora viúva?
Não sei, vi-o há muitos anos, e se o recordo hoje, é porque acabo de me cruzar com uma heroína semelhante à do filme, também em fase terminal, e que literalmente me reproduziu a frase: “o que será dos meus filhos”. Fico sem articular palavra, parece-me ouvir um coro de mães: “o que será dos meus filhos”. Haverá lá dor maior!

(publicado em 22/8/2012)

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

História de um encontro (4)

Ela sabe que se pegar no telefone e disser onde está voltará ainda hoje para casa. Sabe isso, mas sabe também que de novo voltará a fugir sem saber de quê ou de quem. Ele, ao contrário, sabe que não vai pegar no telefone, nem voltar para casa. Ela não quer, ele não pode, a situação é diferente.
Estranha sensação. Apesar de diferentes as situações e distintos os problemas há um sentimento comum de rejeição que ambos vivem. Num caso há desequilíbrio e incompreensão, no noutro há uma rejeição que destrói sentimentos. Ao velho, isso dói profundamente, sente-se humilhado e nada é pior do que isso. Ela sente que é rejeitada pelas suas opções que ninguém a entende e todos criticam. Ambos precisam que cuidem e se preocupem com eles.



sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

História de um encontro (2)

- Tenho catorze anos e é a 4ª vez que fujo de casa. Mas, desta vez, não volto, não volto mais - repetia, convencendo-se a si própria de algo de que não estava segura. Mas também não quero ficar na rua - continuava. Leva-me para tua casa, preciso de alguém que goste de mim.
- A rua é perigosa - diz o velho, meio a perguntar, meio a afirmar, calando-se em seguida.  
Também ele estava na rua, também ele precisava de casa e de alguém que gostasse dele.  A jovem insiste:
- Fala, diz alguma coisa, vais viajar? Aonde vais? Sabes porque é que a “bófia” me queria apanhar? Porque não perguntas nada?
O velho aturdido pensava «não vou para parte nenhuma, ou talvez vá para o fim de mim mesmo». Nada é mais inevitável do que o fim e ele pressentia-o.
- Caraças, não percebo, não dizes nada? Não falas? Olha, já jantaste? Queres jantar?
Duas razões, dois discursos, provavelmente diferentes sentimentos, uma mesma situação: uma jovem menina e um adulto, já velho, vagueando pela cidade, sem casa e, aparentemente, sem família e sem saída. Por fim, o velho fala:
- Vivia há muito com o meu filho. E também há muito  que deixei de ter privacidade e de sentir ajuda. Hoje, deixei de ter espaço, deixei de ter espaço ... - repetia o velho, calando-se de novo.
Tinham-lhe desfeito a cama, ocupado o quarto e feito as malas. Iria viver para um lar de idosos, onde fora inscrito contra sua própria vontade. Era demais, não suportou. Pegou num pequeno embrulho, que guardava numa gaveta da cómoda, e saiu destroçado. Não deixou nada escrito, não se despediu de ninguém, simplesmente saiu de sua casa, da sua casa.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

História de um encontro (1)

(Uma história real,  um velho e uma adolescente que saem de casa, um filme a que assisti, há muitos anos, julgo que na televisão espanhola, de que não sei precisar nem o título, e que conto de memória).


 Um velho de olhar triste vagueava sem sentido pela cidade. Era noite e um frio intenso invadia-lhe o corpo e a alma. Contudo, era Verão. Cansado, senta-se num banco de uma, quase deserta, estação de comboios.
Cabeça baixa, segura contra o corpo um embrulho que guarda como se fosse a última coisa que lhe resta. O velho está só, sofre, num silêncio, que magoa quem o observa. Disfarça a custo as lágrimas que teimosamente lhe caem no rosto. De olhos semi-cerrados parece passar em revista toda a sua vida, todo o seu sofrimento.
De repente, de dentro dos arbustos do pequeno jardim contíguo à estação, sai uma jovem mulher, quase criança, fugindo de uns polícias. Grita, abraçando-se ao velho:
- Avô, avô, que bom encontrar-te.
- Este é o meu avô - diz, dirigindo-se a um dos polícias.
Ele não entende. Não podia entender, mas sente que aquela criança precisa de ajuda. Entra no jogo e corresponde ao abraço e ao cumprimento da “neta”. Abraçados permanecem unidos por alguns instantes, enquanto os polícias, embora desconfiados, se vão afastando na direcção contrária à estação.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Gracias à la vida, o CD de Joan Baez

Por acaso, vi na RTP2 o espetáculo de Joan Baez comemorativo dos seus 75 anos, com muitos convidados, quase sempre cantando em dueto e pensei na importância que ela tinha tido para mim num certo período de tempo, nos anos oitenta, sobretudo.
Fui à estante dos  CD'S e encontrei este que ouvi repetidas vezes. Ainda bem que existem pessoas como Joan Baez: sensível,  comprometida, límpida, caminhante..., como se a vida dela fosse sempre futuro. Um futuro que nos convoca a todos, presente naquelas canções de raiz latino-americana.



sexta-feira, 9 de junho de 2017

Os falsificadores, o filme

É um filme sobre a falsificação da libra esterlina pelos nazis que se preparavam, também, para falsificar o dólar americano, já, no final da II Guerra Mundial.

Um grupo de judeus é deportado para um campo alemão, onde se dedicam à falsificação de moeda. O falsificador foi preso em Berlim pelas SS e levado para esse campo para se aproveitarem das suas habilidades; o mesmo aconteceu com todos os outros, uns percebiam de tipografia, outros de grafismo, outros de dinheiro e de bancos…. Era assim, sempre que os prisioneiros tinham capacidades de trabalho que interessavam à estratégia nazi, eram poupados à morte.

Este falsificador é tratado com alguma deferência, os alemães sabem bem que precisam dele e por isso dão-lhe condições de trabalho, materiais, ajudantes… para que se torne num falsificador perfeito. No grupo, há diferentes sentimentos: uns querem conspirar contra os alemães e negarem-se a colaborar; outros fazem tudo para sobreviver, quando pensam no fuzilamento imediato, se ousassem fugir e fossem apanhados. Uns deixam a sua parte psicológica arruinar-lhes os dias, outros continuam cerebrais e manipuladores, fazendo o jogo do inimigo, não deixando que lhes aprisionem o pensamento – é o caso do falsificador. Tem consciência do seu valor para os alemães e permite-se esticar a corda, até um dia.

Durante muito tempo, vai enredando, para evitar colaborar na falsificação do dólar, dá desculpas: é a gelatina, é o papel, é a máquina tal...; enfim, o comandante do campo percebe, mas não pode fazer muito mais, pressiona-o, porque também é pressionado. Ameaça-o: “há quem o substitua, não é o único a falsificar notas”!
O falsificador resiste. Tem um olhar de dureza que, às vezes, perturba; mas, mesmo sem quebrar, pressente-se que vive um tormento interior, por exemplo, quando um dos jovens do grupo adoece, gravemente. É visto pelo médico do campo, pensa-se que é tuberculose, mas não há medicamentos; o falsificador vai fazer tudo para os conseguir. Vai a casa do SS, o comandante do campo, com a receita, e pede-lhe: “arranje-me estes remédios e em troca falsificarei o dólar. Se encontrar os medicamentos, arranjarei maneira de falsificar o dólar”. E o comandante arranjou-os.
Entretanto, os russos tomam Berlim, os nazis destroem o campo e as máquinas de falsificar moeda, para que não se soubesse o que ali se fazia.
Na realidade, os judeus desse campo fogem, no fim da guerra, numa carruagem, são intercetados e presos, mas libertos, algum tempo, depois; alguns ainda vivem.
O filme começa com o falsificador numa praia, no Mónaco, depois de perder uma grande quantia de dinheiro no casino e termina, no mesmo sítio, agora, já com uma jovem bailarina que lhe diz: “foi muito o dinheiro que perdeu”! “O dinheiro não é problema – responde-lhe”.

Talvez, o mais forte do filme tenha sido ver o falsificador disposto a tudo, para salvar o jovem russo; a força duma amizade e o sentido profundo de uma identidade (cultural, religiosa…) são inexplicáveis.   



quarta-feira, 7 de junho de 2017

Quem tem medo de Virgínia Woolf?

Fui ver a peça, ao teatro da Trindade, Lisboa, e confesso que não me senti completamente confortável. Tudo se passa na sala de estar do casal, George e Martha, depois de uma festa na universidade do pai de Martha, onde o marido é professor de História, primeiro, esperando o jovem casal, ele é o novo professor de Biologia, que dormirá essa noite em casa deles, depois, os quatro em cena.
O ambiente é excessivo, doentio, quase esquizofrénico; expõem-se, de forma crua, raivas, não ditos, aparências, futilidades..., para humilhar, simplesmente, numa escalada, que parece sem retorno. A humilhação é o pior dos males; humilhar alguém, é anular a sua autonomia, a sua estima, a sua liberdade; é dizer: "não és nada, não vales nada; posso pisar-te, vou pisar-te"; melhor ainda, se houver assistência, no caso, a do jovem casal - durante uma parte da peça, Martha faz isto com mestria.
Mas, George, apesar da humilhação da mulher, também não é santo, é ele que serve: “mais uma bebida, mais uma bebida”…; é ele que antevê e incita à traição da mulher com o jovem professor, é ele que cria jogos de linguagem e de poder (na verdade, só ele não está perdido de bêbado), para os levar a confessarem o que na realidade são. E ele, nesse jogo, quem é na realidade? E o filho, morreu ou nunca existiu?
 Certo é que, depois, dessa noite de bebedeira, é muito álcool, o casal voltará à mesma violência emocional, às mesmas realidades ou ilusões, nunca se percebe muito bem, em que aprendeu a viver, como se estivesse preso numa teia.


sábado, 25 de junho de 2016

Pessoas e sentimentos

Queria tanto escrever de forma simples, sobre  coisas importantes, mas não sou capaz. Vivo enredada  em conceitos, teorias..., que servem para muito pouco, porque nada é mais importante que a vida concreta de pessoas concretas, que riem, choram, amam, desprezam, sentem raiva, compaixão...; pessoas reais, afinal de contas.