Cheguei muito cedo à estação do
porto do Pico. Queria apanhar o primeiro barco do dia. A sala de espera estava
deserta; passado algum tempo, chegou uma senhora com mais de meia cesta de ovos, empilhados uns em cima dos outros, como antigamente se fazia.
- Vai ao médico – pergunta-me?
Percebi que eu podia ser dali.
Na verdade, nesta ilha, a pronuncia não é acentuada.
- Não, estou a passear, vou
passar o dia ao Faial.
-Ah! Não é daqui! Achei estranho,
não a ter visto antes.
- Sou da Guarda, não longe da
serra da Estrela, a segunda montanha mais alta de Portugal, a seguir ao Pico.
- Nunca fui ao continente. Mas já
estive na América, tenho dois filhos na América.
Não refere a cidade, nem o
Estado, diz na América, como se se tratasse duma coisa única, duma identidade.
E tem razão; quando um açoriano diz «América», fica-se a saber tudo. Sabemos do
que fala.
Quase em cima da hora do barco,
aparecem os que vão trabalhar, os que vão de facto ao médico, ao tribunal ou a
outra instituição pública que só há na cidade da Horta.
Entrámos, pouca gente. Só para
mim, aquela travessia parecia uma novidade. Deixei-me levar, olhando a ilha que
ficava para trás, o mar revolto, as enormes ondas e, pouco tempo depois, o
porto da Horta. A cidade parece um alpendre, ao longo daquela baía, em declive,
roçando o mar. À saída a senhora, com quem tinha falado no Pico, quase me esperou para me desejar um bom dia. Agradeci.