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quinta-feira, 29 de maio de 2014

A mulher apedrejada, no Paquistão

Foi apedrejada até à morte, aliás, foi decididamente apedrejada para morrer e assim limpar a honra da família. Nenhum delito, apenas não aceitou casar com o homem que a família tinha destinado para ela.  É a mais profunda barbárie, dispor de alguém como se fosse uma propriedade, matá-la como se estivessemos na Idade Média. Pode lá haver obscurantismo maior! Maldito traço cultural, maldita ignorância!

domingo, 25 de maio de 2014

O aldrabão, a comédia grega

Fui ver, ao teatro D. Maria II, a peça "O aldrabão", e embora nalguns momentos sentisse algum incómodo nos meus ouvidos, gostei de ver  o desenrolar da acção, ficando com a percepção clara de que somos genuinamente comediantes e trágicos, farsantes e honestos, bons e maus. Na peça, temos uns a enganar, outros a aproveitar, outros a sofrer..., ainda assim é, e será, nada muda na natureza humana.
Salva-se o amor do jovem quem, numa rua de Atenas, faz tudo para comprar a jovem amada explorada naquele prostibulo. (Já agora, a personagem do dono do prostíbulo, interpretada pelo actor Rui Mendes, está muito bem).

terça-feira, 13 de maio de 2014

Tarrafal, o prisioneiro

Há anos que procurava uma paz, uma certeza qualquer, de que o retorno àquele campo não seria um sofrimento a somar às memórias vivas e cruéis do sítio onde passara mais de sete anos da sua juventude, trabalhando, cumprindo ordens, guardando ideias, lendo livros, arquitetando revoluções…, criando uma rotina, a possível, que impunha a si próprio para não endoidecer.
Salvaguardar a saúde mental, que a física essa ressentir-se-ia – mesmo quando, nessa idade, se julga possível passar por tudo sem marcas no corpo - era a primeira das preocupações. Marcas de meses seguidos num total isolamento, numa sela fechada, húmida, onde mal cabia uma pessoa, sem cama, com um balde e uma refeição diária.
Como se consegue sobreviver a isto? Só uma convicção interior fortíssima, só um dever de consciência, uma responsabilidade, uma inabalavel defesa da dignidade humana – em que vergar, ajoelhar, comprometer..., mesmo quando os interrogatórios e a tortura pareciam deixá-lo à beira de uma quase semi consciência, era o impensável. Sabia quiem era e porque estava ali. Sabia o que devia a si e aos outros que como ele lutavam contra o colonialismo português.

sábado, 10 de maio de 2014

As jovens nigerianas raptadas

As jovens raptadas, quase trezentas, de uma escola secundária, só agora, começam, por pressão internacional, a  ser preocupação do país. É a  demência fundamentalista em estado puro, raptam-se inocentes, em nome de Deus, para serem vendidas como escravas sexuais, sabe-se lá para onde a quem, com o argumento, pasme-se, de estudarem numa escola. A educação em vez de um direito é um crime, para estas mentes terroristas.
O que mais perturba é a maldade, é a desumanidade, é o obscurantismo que, por este caminho,  tomará outras regiões do mundo, mesmo quando pensávamos que a modernidade e a tecnologia contemporanea tinham feito um progresso de não retorno. Não é assim, há muitos anos zeros para a humanidade e para civilização. A volta às cavernas é uma indecência humana.


sábado, 3 de maio de 2014

A menina egípcia que vendia marcadores de papiro (8)

Não sei bem, mas eram, seguramente, mais de uma dezena de crianças que vendiam marcadores e outros pequenos objectos, junto a uma fábrica de transformação de papiro, onde os turistas param para observar o processo de produção e fazer compras.
Era uma menina muito bonita! Não tinha mais de seis ou sete anos, no máximo. Muito pequenina, muito esperta, vestidinha à árabe a vender aos turistas marcadores de papiro. Contava, na perfeição, em inglês, francês, espanhol, e repetia, sem parar, os números até doze, número que correspondia ao “molhinho” de marcadores que vendia por um dólar.
Toda a gente, literalmente toda, enquanto eu estive a observar, lhe comprou os marcadores. Ela era o centro de todas as atenções, impossível não a fixar, pela graça, pela desenvoltura, pelo modo como uma criança, tão pequena e tão linda, contava marcadores de papiro.
A mãe vigiava-a, por perto, mas mesmo assim não evitava que os “maiorzinhos” não achassem piada à freguesia que conseguia atrair e lhe dessem encontrões, a obrigassem a sair da frente e a sentassem a um canto. Por um lado, percebo, ela tirava-lhes todo o negócio, conseguia todas as atenções. Mas continuava. Contava, repetidamente, sem parar, não desistia, e isso foi o mais impressionante, não desistiu nunca, a determinada altura chorava convulsivamente, lágrimas rosto abaixo, mas continuava: one two, three, …e mais um molhinho de marcadores, e outro, e outro e mais outro … .
- Minha menina, não podes brilhar tanto! Tens de deixar os outros também vender. Vá lá, tem de ser assim! Não te dão encontrões e socos por não gostarem de ti, apenas porque não suportam não vender nada aos turistas que param junto a fábrica de transformação do papiro. Vai descansar um pouco, cuidar da tua voz, já rouca de tanto apregoar marcadores de papiro, deixa os outros meninos também venderem um bocadinho. Não quero ver-te chorar mais!

                                                                                     Agosto, 2005, arredores do Cairo 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Crianças e jovens que conheci (7) - Reinserção Social

- Os teus pais estão presos?
- Estão, há “bué” de tempo....
Faz silêncio. Olha-me intensamente, não sei se com raiva se com súplica, como se eu tivesse alguma coisa a ver com tudo o que lhe estava a acontecer e pudesse ajudá-lo.
- O que é que tem estarem presos? – Pergunta-me, zangado.
- Eu não disse nada. Esperavas que tivesse feito algum comentário?
- Andavam a vender (droga), andavam, e depois? O que é que tem? Também já vendi, agora não vendo, não vou vender mais. Não vou vender, está a ouvir-me (altera o tom de voz).
- Sim, estou a ouvir-te. Costumas ir à Associação aqui do bairro?
- Não vou, é tudo mentira, mentem-me, mentiram-me, sempre.
- Não acreditas neles? Porquê?
- Prometeram comida, trabalho e “cenas” dessas e continuo a passar fome, tenho que roubar, percebe, tenho de roubar, de roubar, percebe, veja se percebe....
Repete vezes sem conta a mesma coisa, elevando a voz, agora, quase em fúria.
- E tu o que é que lhes prometeste?
- Nada, não prometo nada, não me chateiem…, vem a “bóbia, bate num gajo e dia vamos presos.
- Achas que vais preso?
- Se vou preso? Todos os meus amigos estão presos, até aos dezasseis anos um gajo anda na boa, depois toma, caem em cima e toca a andar. Qualquer dia vou. É de certezinha…
- Podes não ir, isso só depende de ti.
- Não me importo, não me importo mesmo...
- Eu importo-me que tu vás preso e há outras pessoas que também se importam, tenho a certeza. Tens a noção de que há pessoas que se importam contigo ou não, que querem cuidar de ti. Tens de deixar que te ajudem, seres o primeiro a cuidar de ti.
- Como? Não sou capaz. Não sou capaz, o problema maior é a minha cabeça, a minha cabeça, entende?
- Entendo, mas sei que toda a gente é capaz, é primeiro preciso decidires que queres aceitar a ajuda e depois esforçares-te por consegui-lo. É assim que todos fazem ou julgas que não.
- Não me venha com tretas, dona, estou à rasca, estou à rasca...
- Calma,


(um jovem que encontrei num colégio do instituto da reinserção social, nos finais dos anos noventa)