- Os
teus pais estão presos?
-
Estão, há “bué” de tempo....
Faz
silêncio. Olha-me intensamente, não sei se com raiva se com súplica, como se eu
tivesse alguma coisa a ver com tudo o que lhe estava a acontecer e pudesse
ajudá-lo.
- O
que é que tem estarem presos? – Pergunta-me, zangado.
- Eu
não disse nada. Esperavas que tivesse feito algum comentário?
-
Andavam a vender (droga), andavam, e depois? O que é que tem? Também já vendi,
agora não vendo, não vou vender mais. Não vou vender, está a ouvir-me (altera o
tom de voz).
-
Sim, estou a ouvir-te. Costumas ir à Associação aqui do bairro?
-
Não vou, é tudo mentira, mentem-me, mentiram-me, sempre.
-
Não acreditas neles? Porquê?
-
Prometeram comida, trabalho e “cenas” dessas e continuo a passar fome, tenho
que roubar, percebe, tenho de roubar, de roubar, percebe, veja se percebe....
Repete
vezes sem conta a mesma coisa, elevando a voz, agora, quase em fúria.
- E
tu o que é que lhes prometeste?
-
Nada, não prometo nada, não me chateiem…, vem a “bóbia, bate num gajo e dia vamos
presos.
-
Achas que vais preso?
- Se
vou preso? Todos os meus amigos estão presos, até aos dezasseis anos um gajo
anda na boa, depois toma, caem em cima e toca a andar. Qualquer dia vou. É de
certezinha…
-
Podes não ir, isso só depende de ti.
-
Não me importo, não me importo mesmo...
- Eu
importo-me que tu vás preso e há outras pessoas que também se importam, tenho a
certeza. Tens a noção de que há pessoas que se importam contigo ou não, que
querem cuidar de ti. Tens de deixar que te ajudem, seres o primeiro a cuidar de
ti.
-
Como? Não sou capaz. Não sou capaz, o problema maior é a minha cabeça, a minha
cabeça, entende?
-
Entendo, mas sei que toda a gente é capaz, é primeiro preciso decidires que
queres aceitar a ajuda e depois esforçares-te por consegui-lo. É assim que
todos fazem ou julgas que não.
-
Não me venha com tretas, dona, estou à rasca, estou à rasca...
-
Calma,
(um
jovem que encontrei num colégio do instituto da reinserção social, nos finais
dos anos noventa)
Sem comentários:
Enviar um comentário