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sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Jerusalém, de algum modo todos pertencemos aí

Não quero que Jerusalém seja a capital do estado de Israel. Preferia que fosse uma cidade de todos, crentes e não crentes; preferia uma cidade símbolo, uma cidade aberta, tolerante e não uma cidade onde todas as ortodoxias se degladiam.
Estive em Jerusalém há mais de trinta anos e a imagem que guardo é a da mais profunda divisão entre judeus e muçulmanos. Não pudemos entrar numa das portas que dão acesso à cidade santa, porque havia confrontos; a mesma coisa em Belém, muito perto da igreja que visitámos, na gruta dos pastores havia tiros, não pudemos ir lá. Mas a guerra não vem de hoje nem é de há trinta ou setenta anos. Quando olhamos aquela porta de Damasco, toda esburacada pelas balas, algo se transforma em nós: “O que é isto? Porquê?” 


segunda-feira, 5 de junho de 2017

Viagem à Índia (4)

O hinduísmo é uma religião muito arcaica,  mas talvez todas o sejam.  “Todas as religiões são iguais”, lembro-me de ter pensado, a certa altura, numa visita a um templo sique. Todas têm uma transcendência, povoada de muitas ou poucas divindades, todas têm rituais, mais ou menos incompreensíveis, para quem vê de fora, todas têm grandes ou pequenos templos, igrejas, mesquitas…;todas têm ramificações, hierarquias, poderes…
A religião é quase uma necessidade; uma necessidade humana, não dos deuses, porque há um mundo interior, um espírito, uma alma...,  que nos leva  a esse para lá, ilimitado,  perfeito, absoluto, não contingente..., única forma de pensar o limitado, o imperfeito, o relativo, o contingente... (sempre, o célebre argumento ontológico a fazer-se notar).  

terça-feira, 28 de julho de 2015

Conversa com uma jovem muçulmana (1)

- Olá, falei com a tua professora, sei que és muito boa aluna.
- É verdade, gosto muito de aprender e de estudar. Gosto desta escola, dos meus colegas, de tudo.
- Sei que também sabes ler e escrever em árabe.
-  Sim, já sei há muito tempo. Aprendi, quando era criança, para ler o Corão.
- Lês, só quando vais à mesquita ou também em casa?
- Leio em casa, também.
- Tu rezas sempre em árabe? Deve ser muito difícil, calculo. Rezas de memória? 
- Não, é fácil.Toda a minha família reza assim.
- Sabes, vi na entrada da mesquita desenhos dos meninos que andam na escola corânica e gostei muito, achei que pensam em coisas bonitas…
- Eu não desenho bem, tenho pouco jeito
- Não acredito. E cantar, também sabes cantar em árabe?
- Sei cantar, canto em casa e também canto na escola da mesquita.
- Fala-me da mesquita aonde vais.
- A mesquita é um lugar sagrado, um lugar puro, por isso  é preciso lavar os pés, as mãos, para irmos limpos lá para dentro.
- Vou para a parte de cima da mesquita com a minha mãe, onde estão as senhoras. Os homens ficam  em baixo.
- Sim, sei que há divisões. Pensas que muitas pessoas de outras religiões conhecem a tua religião ou que poucas a conhecem?
- Penso que são poucas e algumas pensam mal de nós; pensam coisas que não são boas.
- É verdade, ficas triste quando ouves na televisão falar dos terroristas islâmicos?
- Fico triste, mas não compreendo bem.
- Quase ninguém compreende, eu também não.


segunda-feira, 9 de junho de 2014

O trágico da guerra, do terrorismo, do conflito

O trágico na ação aí está. Está no terrorismo talibã que ontem vimos no ataque a um aeroporto de uma cidade paquistanesa,com mais de duas dezenas de mortos; está no conflito israelo-árabe que o Papa, também ontem, procurou de uma forma não política (ainda assim, política) colocar na ordem do dia e numa perspetiva de urgência; está nos conflitos quotidianos que vivemos sempre que as regras chocam de frente com as convicções. Conhecemos isto desde os gregos. No conflito que opõe Antígona ao tio, na tragédia de Sófocles, a oposição é entre o puro respeito à lei e a convicção íntima de que enterrar os mortos é parte da dignidade humana, e isso é anterior a qualquer legalidade. Como resolver o conflito? Continuar a extremar posições, não leva a nenhuma solução. Isto serve para os conflitos de hoje. Para todos os conflitos.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Capadócia, Turquia

Estive, há poucas semanas, na Capadócia, região de dois vulcões extintos, há milhares de anos. A primeira percepção é de encantamento, pela novidade, pela surpresa, pela extensão, pela história… Grutas e mais grutas, umas à superfície, como se fossem vestígios de castelos e de mundos mágicos, outras subterrâneas, habitação, durante séculos (do VI ao IX), das populações daí. 
Também impressiona o vale das igrejas bizantinas, escavadas na rocha, como se, a procura de sentido, fosse, nesse tempo, como hoje ainda, o marcar da vida. A relação do homem com o transcendente é tão enigmática e ao mesmo tempo tão avassaladora que nos perturba. Por que haverá, naquele vale e naquela encosta, tantas igrejas, todas seguidas, pequenas, maiores, baixas, altas…?
Nalgumas, há pinturas, cenas bíblicas, representações duma cristandade que nos é familiar. De resto, o que nos invade, quando percorremos o vale, não é uma sensação de estranheza, mas de interrogação: como foi possível? Foi possível porque se conjugaram os ventos, as chuvas, as areias...tudo, até a mão de Deus, dirão alguns. Gostei muito.


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Os meninos de São Judas, o filme


O filme fala dos meninos do reformatório de São Judas, na Irlanda, em 1939. Revela uma realidade que, apesar da brutalidade de algumas práticas, como o abuso sexual e a tortura física, se prolongou, por muitas décadas, em instituições similares – e é por isso que aquela violência parece quase não nos surpreender.
Mas há sempre um limite. Tínhamos assistido à tortura dos dois jovens, debruçados sobre um banco comprido de madeira, rente ao chão, com o resto dos companheiros a assistirem – tal como se torturavam, há séculos atrás, os escravos, presos ao tronco, em espectáculo público, para que todos vissem o que lhes podia também acontecer se ousassem desobedecer – mas não estávamos preparados para a cena do assassínio de Liam, a quem o padre John mata à chicotada e  pontapé.
O padre mata por motivos impossíveis de compreender. Quer saber por que apareceu no reformatório um professor laico, William Franklin. "Será comunista"?
O professor trata os jovens como pessoas, pelo nome próprio, promete responder às suas perguntas e levá-los a pensar para lá de si próprios e dos muros do colégio. Na noite de Natal, oferece a todos uma prenda, um livro, que contém algo de especial para cada um – poesia, literatura, teatro, vida, sentimentos, comprometimento… Os miúdos decoram frases, versos, fazem coros, récitas, teatros…
Algo de novo aconteceu e o padre John não aguenta. Estes são fantasmas que se prolongam por décadas. De algum modo, todos somos testemunhas, eu própria recordo uma adolescência e um início da idade adulta em que o comunismo era uma palavra maldita, como não seriam as pessoas que tinham essa ideologia e se empenhavam em transmiti-la? Excomungadas, obviamente. Ainda, hoje, não percebo nada. Mas, depois de sabermos o que se passou, nessa Europa de Leste, quando se derruba o muro de Berlim, vemos que nunca há o branco e o preto, mas nada justificava a paranoia e a maldade do padre John.
Franklin luta com todas as suas forças até os abusadores saírem de cena. (Sabe -se, no final do filme, que o padre Mac, o dos abusos sexuais, vai para os Estados Unidos, é-lhe dada uma paróquia e ainda vive; o padre John, o torturador implacável, é mandado para África e morre em 1969).  Decide, então, abandonar o colégio, mas não resiste à despedida, particularmente, à atitude de um dos jovens a recitar-lhe poesias do livro que lhe dera. Franklin quebra. Não pode deixá-los já. Fica por mais cinco anos, alistando-se depois nas tropas aliadas. Morre, na frente de batalha, em 1944.
Para a sua luta é o fim, mas quantos começos não tinha já deixado atrás, junto dos jovens do colégio São Judas! Quantos começos não deixa, ainda, hoje, naqueles que vêem o filme e percebem a força de uma consciência! Nem tudo são entardeceres, mesmo nestes sombrios colégios. Viva o professor Franklin!