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segunda-feira, 15 de abril de 2013

Morre-se, assim


Deixou na mesa um maço de notas e disse à mãe da criança que eram para a levar ao médico, fazendo todos os gestos possíveis para que ela entendesse (talvez fosse surda-muda). Estendido numa esteira, ardendo em febre, olhos fechados, imóvel, com uma fragilidade que dói e assusta, pois pressente-se o pior, o menino ali está.
Se fosse num país desenvolvido, teria sido, a tempo e horas, assistido num hospital e um antibiótico ou outro medicamento ter-lhe-ia salvo a vida. Mas, assim, naquele subúrbio insalubre, daquela imensa cidade asiática, o destino seria outro. Foi tempo de mais até se arranjar o dinheiro necessário para o tratar.  
Se estivesse a escrever ficção, este menino não morreria, haveria tempo para a mãe o levar ao hospital, para comprar medicamentos, e o fim seria o de uma criança feliz, a brincar na rua, mas como estou a escrever sobre a realidade, não posso fugir ao fim trágico, o menino morreu.
O tal senhor que tinha deixado o maço das notas, chega para o funeral, há muita gente, a mãe não está só. Cumprem-se os rituais religiosos e culturais, e o menino parte. Mas, talvez nunca parta enquanto viverem, alguns dos que ali estão, pelo menos a mãe. 

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