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terça-feira, 27 de março de 2018

Idosos

Somos o país da Europa onde mais decresceu a natalidade; onde a população idosa é cada vez em maior número. 
 Segundo o relatório da GNR, em 2017, vinte e oito mil idosos viviam sozinhos; destes, três mil e quinhentos estavam  isolados.  É inevitável, nestas circunstâncias, um processo de desintegração social e relacional que tenderá a aumentar.
Em casa, frente à televisão, ou sentados à porta, esperam as carrinhas de apoio domiciliário que felizmente estão por todo o lado, até nos sítios mais recônditos do país, levando refeições, cuidados de higiene e de saúde.
O pior é quando começam a perder a mobilidade ou uma qualquer demência se torna mais pronunciada, para muitos, e mais se não têm apoio familiar, resta o lar. 



sábado, 1 de agosto de 2015

As senhoras que vendiam molhinhos de hortaliça (2)

 - Não preciso, quero só uma molhada de couves e outra de repolhos.
- E cebolo, e pimentos, e alho francês e beterraba vermelha... não quer – pergunta-me a outra senhora.
- Não preciso – digo-lhe – já comprei.
Mas foi tal a insistência que acabei por lhe comprar uma molhada de alhos franceses
- Um e dois, três euros, dois para mim e um para ela – diz-me a primeira senhora.
Mas, o que me impressionou mais, foi o que se passou a seguir. Enquanto uma queria deitar no lixo tudo o que tinha, e ainda era bastante, a outra insistia:
- Deixamos os sacos à beira do passeio, pode ser que passe alguém com precisão de hortaliça para plantar.
- Não, deitamos fora, é melhor, não fica nada a atravancar.
E assim fez, deitou no contentor os dois sacos que tinha na mão com os molhos de hortaliça que não conseguira vender; enquanto a outra senhora, a quem eu tinha comprado o alho francês, deixou à beira do contentor, encostado ao passeio um saco quase cheio de tudo o que não conseguira vender, ajeitando a abertura de modo a ficarem à mostra os molhinhos de legumes. Não sei porquê,  penso que um destino bom aguardava os legumes que a senhora deixou. Não morreram naquele dia. 


sexta-feira, 31 de julho de 2015

As senhoras que vendiam molhinhos de hortaliça (1)

Ambas pareciam frágeis, pela idade, seguramente, mais de oitenta anos, mas também pelas mazelas bem visíveis, uma delas caminhava já muito curvada.
Aparentemente, não têm idade para vender hortaliças; têm idade para estar em casa e já com algum apoio. Mas não, continuam a semear, a mondar, a regar, a arrancar e a fazer molhinhos de diferentes legumes para vender no mercado. Continuam a fazer (até ao limite das forças) o que sempre fizeram. A fazer o que viram as mães fazer, as vizinhas e todas as mulheres da sua terra fazer, desde crianças, há sessenta ou setenta anos, mesmo que depois de tanto trabalho o lucro seja mínimo ou nem sequer seja nenhum.
Encontrei-as já bem ao final da manhã, quando saia da praça e elas se dirigiam carregadas, cada uma com mais de dois sacos para junto do contentor de resíduos.
- Têm couves para plantar – pergunto-lhes?
Começam a tirar do saco molhadas e molhadas de legumes.
- Uma, duas, três, quatro, cinco, seis..., de couves, repolhos, cebolo..., leve tudo que lhe damos cada molhada a um euro, nem chega a metade do preço.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

O velho e a jovem (4)

- Ninguém me entende, sabem apenas criticar-me. 
- Eu, já não sirvo para nada, a minha vontade já não conta. Sinto-me humilhado e nada é pior do que isso.
Enquanto ela rejeita a família, no caso dele foi a família que o rejeitou. Não é  mesma coisa. O abandono dos velhos e a rebeldia dos adolescentes juntam duas criaturas na noite, de uma qualquer cidade, mas não chega a ser um encontro, cada um seguirá o seu caminho.  

quarta-feira, 1 de julho de 2015

O velho e a jovem (3)

Também ela se comoveu, pela primeira vez, fala com ternura na voz, com um misto de surpresa e dó. Afinal, ele parecia sofrer tanto ou mais do que ela.
- Eu sou a Cláudia, queres vir passear comigo? Anda, levo-te para uma casa já fora da cidade onde vive uma amiga minha e onde às vezes costumo ficar. Anda, vem, vem ... 
Arrastado por ela, o velho deixa-se conduzir para fora da estação, sem perguntas mas observando e pensando sempre.
Pela primeira vez, o velho fala:
- Chamo-me João - fez de novo silêncio - Tu saíste, eu fui posto fora de casa.
- Mas eu não quero viver na rua - grita ela.
- Eu também não quero viver num lar - diz  ele.
Cláudia, ora corria, ora parava, ora dizia coisas sem sentido, ora ria e chorava ao mesmo tempo. A confusão de alguém que sente raiva e culpa por uma liberdade que quer, e julga ter conseguido, mas que não lhe serve para nada, antes, a maltrata e prejudica.
Cláudia parece não ser capaz de cuidar de si, hoje, como em muitas outras noites, terminará no beco de sempre, prostituindo-se e consumindo haxixe. O velho pressente a situação mas não é capaz de dizer nada. Não é capaz. Que coisa é essa que o impede de dizer seja o que for, ao mesmo tempo que se questiona: "para que quer Cláudia a liberdade se não é capaz ou não pode ser livre"? 
- Eu sei que se pegar no telefone e disser onde estou, voltarei, ainda hoje, para casa -  diz a jovem.
Sabe isso, mas sabe também que de novo voltará a fugir sem saber de quê ou de quem. Ele, ao contrário, sabe que não vai pegar no telefone, nem voltar para casa. Ninguém o espera.
.

terça-feira, 30 de junho de 2015

O velho e a jovem (2)

Por fim o velho fala:
- Vivia há muito com o meu filho - cala-se, fixa o chão... - e também há muito deixei de sentir a sua ajuda, de sentir o cuidado de alguém. Hoje deixei também de ter espaço, deixei de ter espaço ... - repetia o velho de aspecto cada vez mais ausente.
Tinham-lhe desfeito a cama, feito as malas e ocupado o quarto. Iria viver para um lar de idosos, onde fora inscrito contra a sua própria vontade.
Era demais. Insuportável. Pegou num pequeno embrulho que há muito guardava numa gaveta da cómoda e saiu. Não deixou nada escrito, não se despediu de ninguém, simplesmente saiu de casa, da casa que era dele.
Olhando aquela adolescente, que podia ser sua neta, pensava: "Que sociedade é esta, em que não há lugar para os velhos e em que as crianças fogem de casa?. Que vida familiar é esta que exclui os velhos e não tem tempo para ajudar os filhos a crescer? Que mundo é este em que todos estamos sozinhos, apesar das multidões e do excesso de comunicação"?
O velho não foi capaz de conter as suas emoções e revelar os seus sentimentos. Sem querer começou a chorar.
- Estás a chorar? - diz-lhe a jovem, olhando-o e tocando-lhe no rosto.
Também ela se comoveu, pela primeira vez, fala com ternura na voz, com um misto de surpresa e dó, afinal ele parecia sofrer tanto ou mais do que ela.