Também ela se comoveu, pela primeira vez, fala com
ternura na voz, com um misto de surpresa e dó. Afinal, ele parecia sofrer tanto
ou mais do que ela.
- Eu sou a Cláudia, queres vir passear comigo? Anda,
levo-te para uma casa já fora da cidade onde vive uma amiga minha e onde às
vezes costumo ficar. Anda, vem, vem ...
Arrastado por ela, o velho deixa-se conduzir para fora
da estação, sem perguntas mas observando e pensando sempre.
Pela primeira vez, o velho fala:
- Chamo-me João - fez de novo silêncio - Tu saíste, eu
fui posto fora de casa.
- Mas eu não quero viver na rua - grita ela.
- Eu também não quero viver num lar - diz ele.
Cláudia, ora corria, ora parava, ora dizia coisas
sem sentido, ora ria e chorava ao mesmo tempo. A confusão de alguém que sente
raiva e culpa por uma liberdade que quer, e julga ter conseguido, mas que não
lhe serve para nada, antes, a maltrata e prejudica.
Cláudia parece não ser capaz de cuidar de si, hoje,
como em muitas outras noites, terminará no beco de sempre, prostituindo-se e
consumindo haxixe. O velho pressente a situação mas não é capaz de dizer
nada. Não é capaz. Que coisa é essa que o impede de dizer seja o que for, ao
mesmo tempo que se questiona: "para que quer
Cláudia a liberdade se não é capaz ou não pode ser livre"?
- Eu sei que se pegar no telefone e disser onde estou, voltarei, ainda hoje, para casa - diz a jovem.
Sabe isso, mas sabe também que de novo voltará
a fugir sem saber de quê ou de quem. Ele, ao contrário, sabe que não vai pegar
no telefone, nem voltar para casa. Ninguém o espera.
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