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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Lá longe ...num lugar e tempo (9)

Saída da cidade  de Nova Lisboa, hoje Huambo 

Mas é certo que não se fazem revoluções, para que nada mude. Intuem uma tragédia, sobretudo a mãe que repetia, sem parar: -“Temos de sair, temos de sair”!

O pai debatia-se, entre o sair de imediato, deixando tudo atrás, sem organizar o mínimo que fosse ou ficar na cidade, até à próxima saída, também, em coluna militar, empacotando uma vida, em malas e caixotes que chegariam ou não a algum sítio. A aflição da mãe era tal, que decidem partir.

O que fica atrás, é nada, quando se teme pela própria vida. Levam alguma roupa, coisas pessoais, fotografias, livros.... Ficam a casa, os móveis, o jardim, o cão…; os olhos do cão, a corrida desenfreada, os uivos de aflição …, fizeram com que aquela saída fosse ainda mais dolorosa, longe de pensarem no que iriam viver, muito proximamente.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Lá longe... num lugar e tempo (8)

 A exploração branca

Muitos dos que nasceram e viveram, nas colónias portuguesas em África, pelo menos os mais novos, não tinham a perceção do que era a exploração branca e a vida miserável e sub-humana da quase totalidade dos negros.

Não imaginavam o que eram as elites brancas, os chás das senhoras, os bailes nos clubes privados, as festas reservadas, os colégios dos meninos ricos…. Só muito mais tarde, perceberam a hipocrisia daquelas vidas.

 A esses senhores, colonizadores da cabeça aos pés, os revolucionários deviam ter batido à porta, abanado as consciências, feito perguntas, exigido responsabilidades…, mas aos meus pais,  não.

Mas qual responsabilidade, foram os primeiros a sair. Como sempre, até na maior crise, o mal não é igual para todos, quem tem dinheiro, poder e contactos, movimenta-se por veredas que só eles conhecem, inacessíveis ao comum das pessoas.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Lá longe... num lugar e tempo (7)

 Colonialismo

O colonialismo, tenha a capa e o rosto que tiver, é uma desumanidade, pelo que desconsidera e humilha. A humilhação é o pior dos males, às vezes até pior que a morte, porque a pessoa humilhada, fica sem capacidade de reação, de dizer ou fazer seja o que for. Percebe-se como é fácil pisar, em alguém assim, a quem retiramos a autonomia.

Considerar que há pessoas inferiores, de segunda classe, sem direitos, escravos dos seus desejos, vontades e ordens! Conhecemos bem os discursos sobre senhores e servos, colonizadores e oprimidos, pobres e ricos…. Podem ter ficado na história as leis esclavagistas e colonialistas…, mas o que não ficou na história foi a atitude de sobranceria que muitos continuam a ter em relação aos seus semelhantes.

Qualquer discriminação, é uma quebra com a dignidade humana.


domingo, 31 de janeiro de 2021

Lá longe...num tempo e lugar (6)

 Guerra colonial (1961-1974)

A guerra não foi uma coisa pequena, muitos morreram e outros ficaram com sequelas físicas e psicológicas Por todos as cidades de distrito, e até em alguns concelhos, há monumentos aos heróis da guerra do ultramar e organizações de apoio aos antigos combatentes. Conheço um senhor de quase 70 anos que me disse já muitas vezes: 

- Ás vezes, é como se ainda estivesse na Guiné. Ninguém, sabe o que me vai na alma, preso a comprimidos, a vida toda. Já passei por várias fases, o álcool, a decadência mais absoluta …

O stress pós-traumático não é uma invenção. São milhares a sofrê-lo, juntamente com as suas famílias. Ninguém estava preparado para o que se passou a seguir. 

Portugal foi o último país a descolonizar, bem depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), das Nações Unidas e de todos os países europeus (Bélgica, Holanda, França, Grã-Bretanha...) terem dado a independência às suas colónias. O ditador português e seus bajuladores continuavam, com a cegueira habitual, sem olhar a realidade.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Lá longe...num lugar e tempo (5)

 Guerra colonial (1961-1974)

Império português! Que sabiam disto, os jovens das aldeias que, de norte a sul do país, iam combater em África? Nada, não sabiam nada. Sabiam da guerra. duma guerra lá longe, mas que parecia ao pé da porta. Havia famílias, nesse tempo, muito numerosas, com vários filhos na guerra; mães que se vestiam de preto, tal a dor e o temor de perderem os filhos!

Vivia-se, por todo o lado, numa separação e sobressalto constantes. Os rapazes ou fugiam a salto para a França, antes dos dezoito anos, ou iam à tropa. Os do exército que, a seguir à recruta, fossem para o quartel de Santa Margarida, era certo que terminavam a combater numa das colónias em guerra – Guiné, Angola ou Moçambique.

 

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Lá longe...num lugar e tempo (4)

 Guerra colonial (1961-1974)

Não era uma guerra dos bons contra os maus, da ordem colonial contra o terror; era uma guerra injusta e sangrenta, como todas as guerras. 

Do lado dos movimentos de libertação, com a legitimidade moral de quem reivindicava o direito a existir e a decidir do futuro, sem estar sujeito ao domínio branco. 

Do lado das tropas portuguesas, com a legalidade duvidosa, como acontece quando se vive em ditadura e o regime cultiva esse estranho sentido de cumprimento de um «dever», de amor à pátria, na defesa da unidade do império português. 

- Não se questiona Deus, a pátria...- dizia o ditador Salazar.

domingo, 24 de janeiro de 2021

Lá, longe...num lugar e tempo (3)

 Julho de 1975, Nova Lisboa, Angola. 

Já nada é como antes, nem voltará a sê-lo. Ainda, ouve os tiros na rua, os gritos afogados, as lágrimas da mãe, do pai, do irmão e da cunhada, encostados uns aos outros, a um canto da sala, como se quisessem proteger-se e se vissem encurralados. Tinham de sair da cidade, como todos os outros, fossem simples funcionários da administração portuguesa, pequenos comerciantes, como os pais, ou exploradores de negros, em fazendas sem fim, espalhadas pelo país. Diferenças que, na altura, nem sequer suspeitava.

A sua cultura política era nula, apesar de ter quase dezoito anos. Vivia uma realidade que não questionava. A guerra era no mato; ver soldados na rua e quartéis da cidade, era a normalidade dos seus dias. O próprio pai tinha sido soldado e contava histórias de emboscadas, tiros, lutas…, mas sempre na terceira pessoa, como se, dessa forma, fosse menos duro para ele e para quem o ouvia.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Lá, longe...num lugar e tempo (2)

 Passadas horas, dias ou semanas, voltaria ao texto, sabia-o, como se um oculto desejo, um apelo de redenção, mesmo passados quarenta anos, a levassem irremediavelmente a isso, desnudando-se, numa proximidade, com o que era e tinha sido, que muitas vezes a surpreendia.

Às vezes, parecia uma estrangeira para si mesma. E pensava: «Somos, todos, muito mais do que o que aparentamos ser. Habita-nos um infinito, nem sempre dizível ou fácil de dizer. Um desafio que talvez não fosse capaz de levar a cabo. Sabia-o. Eram muitas as amarras, as dúvidas e as nódoas negras.

 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Lá, longe...num lugar e tempo (1)

 Quantas vezes, Ana, imaginou histórias alegres, vidas felizes, risos contagiantes…, mas sempre, eram páginas para deitar fora. Escrever sem paisagens, sem amanheceres luminosos, entardeceres intensos, mares sem fim…, escavando vidas, interiores recônditos, lá, onde a marca é funda e teima em permanecer, não era apenas uma contingência, era uma necessidade.

Escrever sobre a perda, a morte, a exploração, a violência, a guerra…, parecia um destino – o seu destino. Aceitava-o, mesmo que tivesse, muitas vezes, de fugir dos seus abismos, fechar o computador, arrumar papéis e cadernos, sair do quarto e desligar-se de tudo, por não aguentar mais.