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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Somos todos responsáveis

Pergunto ao jovem que me ajudou a arrumar o carro e com quem converso, enquanto procuro uma moeda: - Por que não me olha? Fala sem me olhar.
- Nunca olho ninguém, senhora. Ninguém me olha e eu também não olho ninguém. É assim, e não me importo nada. Estamos quites.
Lembro-me de Lévinas (filósofo, 1906-95) e contraponho: - Eu gosto de olhar as pessoas, penso que os rostos falam. Não acha que tenho razão?
Fico sem resposta, porque, entretanto, chegou outro carro para arrumar. E chegará outro e outro, e quantos mais melhor, até à quantia exacta de mais uma dose, num ciclo infernal (julgo eu) em que aquela vida se transformou.
Aqui, como em muitos outros casos, chegámos ao limite, à fronteira, da não relação. O “o olhar no rosto”, a proximidade com aquele que me olha e a quem eu olho, há muito que deixou de existir. O passo, até à quase desumanidade, está a uma curta distância.

Eu sei que tens razão (desculpa, começar-te a tratar por tu, é uma forma de te sentir próximo), muitos não te olham, não querem mesmo olhar-te. Desejariam que não existisses ou que não te cruzasses no caminho. Se calhar, a maioria, até. Eu mesma, para quê ser hipócrita, desejaria que não estivesses aqui, mas estás e isso não me é indiferente. Por quê, então, negares o olhar a quem deseja fixá-lo, a quem quer ver para além do que aparentas ser?
Dirás que não tenho nada a ver com isso. Às vezes também penso assim. Apetece-me ir na onda e acreditar que ninguém falhou, só tu falhaste, que não tenho nada a ver com o que te está a acontecer. É um problema teu, da tua família, mas meu não.
Outras vezes, reivindico direitos para ti, respostas sociais, que deviam existir (e funcionar) para que não tivesses chegado onde chegaste. Revolto-me. Para que pago eu impostos, para viver numa sociedade que não cuida de quem precisa, num país que deixa cair nas margens cada vez mais pessoas?
Vêm-me à cabeça as perguntas que tantas vezes faço: – Quantos direitos ficaram por cumprir? Quantos te foram negados? Quantos tu dispensaste, porque não quiseste assumir deveres? Que instituições falharam (e continuam a falhar)? Falhou a família, os amigos, as associações, a polícia, o patrão? Terá havido de tudo, quem te tenha aberto a porta vezes sem conta e também quem a tenha fechado muitas vezes.

1 comentário:

aisf disse...

Como nós seríamos mais felizes se olhássemos nos olhos de todas as pessoas com quem nos relacionamos no dia a dia!
Vamos pensar nisto a sério.