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quinta-feira, 14 de março de 2024

Vivem quase sem direitos

Sei que naquela exploração agrícola, situada numa qualquer terra, de uma qualquer vila ou cidade alentejana, dezenas de trabalhadores imigrantes, indianos, nepaleses, paquistaneses e de outras nacionalidades, trabalham com baixos salários e em condições precárias. No final da tarde, regressarão ao contentor ou à casa lotada, com inúmeras pessoas amontoadas, dormindo em beliches, sem espaço para respirar, sem qualquer privacidade e, ainda pior, sem qualquer capacidade de reação, tal é a situação em que estão! Imigrantes no Alentejo (Foto: O Atual)

domingo, 21 de junho de 2020

A Escravatura (1)

 Narrador: Estamos no século XVIII, no Brasil, uma multidão de negros, debaixo de um sol escaldante, vai a caminho da plantação de café.
Feitor: - Em fila e de cabeça baixa, sem conversar, sem parar...
Escravos: - Sim, senhor, sim, senhor. Está bem, senhor...
Narrador: João é um escravo ainda jovem, sem família, nem documentos, nunca foi à escola. Criado com outros, naquela senzala, sonha todos os dias com a liberdade. Sonha com o dia em que poderá caminhar para lá dos muros daquela fazenda. Às vezes, revolta-se, contra o feitor.
João: - Eu sou gente! Não me pode proibir de pensar, de ter desejos, de querer outra vida!
Feitor: - Você desobedeceu-me. Agora, vai para o tronco, chibata, espectáculo público, para que todos vejam o que acontece a quem enfrenta o senhor ou as ordens do feitor.

sábado, 29 de julho de 2017

O velho escravo deseja a morte

Só tens preço, se tens força, se dás lucro, nas plantações, nos engenhos...; embora não possas pôr um pé fora do carreiro e das ordens do patrão, tens comida; mas se já não aguentas trabalhar, arrastas-te, como podes, com doenças e misérias sempre em maior número.

Tudo é indigno, desmedidamente repugnante; há o cá e o lá, o abismo de dois mundos, onde só um tem direitos, dita as leis, decide da vida de tantos seres humanos; o abismo entre o ser e o não ser, entre a existência e a sobrevivência mais absolutas, acentua-se.

O homem velho entra na cabana, abraça a mulher e chora, chora convulsivamente, chora por tudo e por todos, sente-se gente. O amor de alguém é a única coisa que parece restar-lhe. O amor de alguém, sentimento profundo, às vezes, decisivo, por isso, se vive, se sobrevive, se aguenta.

Mas há sempre um limite, resta o silêncio, um imenso silêncio; o velho escravo deseja a morte.

sábado, 27 de junho de 2015

A cabana do Pai Tomás, o livro

Pai Tomás era um homem invulgar. Escravo e negro percebeu desde cedo que a sua luta era, antes de mais, interior. Lutar para encontrar respostas para uma vida mais justa, sem raiva nem violência. Não usava armas, não dizia palavrões, não se revoltava de forma violenta, antes, levava consigo um compromisso de vida: ser amigo de todos, chegar a comover os mais poderosos apenas com o exemplo do seu trabalho e da sua vida.
Quando o dono da fazenda de algodão, em que trabalhava, era querido e respeitado por todos, o teve de vender, partiu de coração doído, mas sem chorar, sem se lastimar, sem deixar de pensar que a grandeza dos homens está naquilo que eles de facto são e não naquilo que os poderosos deste mundo fazem deles.
O patrão - um homem bom - tentou vendê-lo a alguém que o merecesse, mas não foi possível. No mercado de escravos, em que os homens são mercadoria, vale, como em todo o comércio, a lei da concorrência e ganha a partida quem dá mais. Vendido a um comerciante de escravos sem escrúpulos, foi embarcado num barco que o levaria a uma plantação distante e desconhecida.
“Voltaria a ver a família, a mulher e os filhos? Voltaria a sentir os cheiros e as paisagens em que nascera?” - pensava, retirado a um canto do barco, lendo a Bíblia - aparentemente, o único bem material que possuía, uma vez que não era dono nem do seu corpo, nem da sua vida.
Mas, era dono do seu pensamento e até dos seus sentimentos - procurava entender a coisas e amava as pessoas. Entender porque é que há escravos e senhores? Porque é que a liberdade dos escravos tem de ser comprada se eles nada têm ? Suprema ironia e desumanidade. 
(o livro de Harriet Beecher Stowe, foi publicado em 1852)





quarta-feira, 9 de maio de 2012

A escrava livre, o filme

É um filme antigo, um clássico do cinema, que retrata o final da escravatura nos Estados Unidos, nos finais do século XIX. Quem são os escravos? De algum modo, todos são escravos: uns por desumana imposição, outros porque não se conseguem libertar do seu passado cruel de mercadores e traficantes de seres humanos, outros por incapacidade de aceitar o que lhes calha em sorte ou azar.
O antigo mercador de escravos vive um particular tormento, degladia-se consigo mesmo,  dentro de uma consciência perturbada, incapaz  de uma saída.
Rau-rau, o jovem negro, que ele cria como se fosse filho, estuda, anda bem vestido e é bem tratado, mas é consumido por um quase ódio, pois, esta bondade do senhor é para ele  insuportável. Sente-se escravo, identifica-se com a luta mas como poderá revoltar-se contra o senhor?
A jovem mulata, a protagonista, filha de um senhor branco com uma negra, nunca se sentiu negra, julgava-se branca, livre, viveu sem qualquer problema de identidade, estudou nos melhores colégios e frequentou a melhor sociedade, até ao dia em que o pai morre e é vendida com todos os outros. O mesmo destino: o mercado de escravos, em Nova Orleães, vendidos pelo melhor preço, num humilhante leilão.
É aí que aparece o tal antigo mercador de escravos, agora um rico proprietário de fazendas e palacetes em várias regiões. Oferece uma quantia exorbitante que desafia qualquer outra proposta. Leva-a para casa, manda-a instalar no quarto de hóspedes e pede para que seja tratada como uma senhora. Ela reage, quer viver como os escravos, ser como eles, se é de facto escrava. Mas não está ali para isso, e sabe-o.
No primeiro dia que sai para comprar vestidos, chapéus e outros luxos vindos de Paris, tenta a fuga. É apanhada, à entrada do barco. Está vigiada por Rau-rau, o fiel criado. Volta para casa e a vida segue. Um dia acaba por ceder ao senhor, beijam-se. Enquanto, a bonita escrava, a governanta da casa, sofre por dentro e por fora em silêncio. “Gosta muito dele” - diz-lhe a jovem.
Mas há um dia em que o coração a trai, também ela começa a gostar dele. É por isso que, certa vez, não continua a viagem  e no último momento resolve sair também do barco, e é por isso que reage às investidas do fazendeiro branco, amigo do senhor,  quando este está fora.
Um dia, porque a ama, conta-lhe tudo, o seu passado de traficante, como enriqueceu, o que fez, como tratou os escravos…, conta também a história de Rau, a mae morre com um bébe ao colo, aos poucos dias de chegar ao barco negreiro, recolhe-o e cuida dele até hoje.
Depois disto, deixa a jovem voltar para casa. Mas, não é um regresso a casa, encontra o antigo namorado, mas muitas coisas estavam estilhaçadas e  sem possibilidade de se remediarem.
Volta à fazenda onde deixou o antigo mercador e encontra Rau,agora já soldado da revolução, também ele voltou para ter um duelo com o senhor, mas incapaz de o fazer, deixou-o fugir. “Sei onde está, sei como encontra-lo” – diz-lhe.
E sabia.  Encontram-se e partem num pequeno barco que os espera no rio. Ficamos a pensar que o amor pode tudo, pode até achar que olhos de monstros se tornam em olhos de cordeiros, ou se calhar que os monstros também são cordeiros.
Mas, para o espectador, pelo menos para mim, ele continua sombrio, olho-o e vejo o traficante de escravos que sem piedade comprou, aprisionou e maltratou milhares e milhares de inocentes. Não sou capaz de ver mais nada, é que ser mercador e negociante de escravos, dono e capitão de um barco negreiro, é demais.