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quarta-feira, 9 de maio de 2012

A escrava livre, o filme

É um filme antigo, um clássico do cinema, que retrata o final da escravatura nos Estados Unidos, nos finais do século XIX. Quem são os escravos? De algum modo, todos são escravos: uns por desumana imposição, outros porque não se conseguem libertar do seu passado cruel de mercadores e traficantes de seres humanos, outros por incapacidade de aceitar o que lhes calha em sorte ou azar.
O antigo mercador de escravos vive um particular tormento, degladia-se consigo mesmo,  dentro de uma consciência perturbada, incapaz  de uma saída.
Rau-rau, o jovem negro, que ele cria como se fosse filho, estuda, anda bem vestido e é bem tratado, mas é consumido por um quase ódio, pois, esta bondade do senhor é para ele  insuportável. Sente-se escravo, identifica-se com a luta mas como poderá revoltar-se contra o senhor?
A jovem mulata, a protagonista, filha de um senhor branco com uma negra, nunca se sentiu negra, julgava-se branca, livre, viveu sem qualquer problema de identidade, estudou nos melhores colégios e frequentou a melhor sociedade, até ao dia em que o pai morre e é vendida com todos os outros. O mesmo destino: o mercado de escravos, em Nova Orleães, vendidos pelo melhor preço, num humilhante leilão.
É aí que aparece o tal antigo mercador de escravos, agora um rico proprietário de fazendas e palacetes em várias regiões. Oferece uma quantia exorbitante que desafia qualquer outra proposta. Leva-a para casa, manda-a instalar no quarto de hóspedes e pede para que seja tratada como uma senhora. Ela reage, quer viver como os escravos, ser como eles, se é de facto escrava. Mas não está ali para isso, e sabe-o.
No primeiro dia que sai para comprar vestidos, chapéus e outros luxos vindos de Paris, tenta a fuga. É apanhada, à entrada do barco. Está vigiada por Rau-rau, o fiel criado. Volta para casa e a vida segue. Um dia acaba por ceder ao senhor, beijam-se. Enquanto, a bonita escrava, a governanta da casa, sofre por dentro e por fora em silêncio. “Gosta muito dele” - diz-lhe a jovem.
Mas há um dia em que o coração a trai, também ela começa a gostar dele. É por isso que, certa vez, não continua a viagem  e no último momento resolve sair também do barco, e é por isso que reage às investidas do fazendeiro branco, amigo do senhor,  quando este está fora.
Um dia, porque a ama, conta-lhe tudo, o seu passado de traficante, como enriqueceu, o que fez, como tratou os escravos…, conta também a história de Rau, a mae morre com um bébe ao colo, aos poucos dias de chegar ao barco negreiro, recolhe-o e cuida dele até hoje.
Depois disto, deixa a jovem voltar para casa. Mas, não é um regresso a casa, encontra o antigo namorado, mas muitas coisas estavam estilhaçadas e  sem possibilidade de se remediarem.
Volta à fazenda onde deixou o antigo mercador e encontra Rau,agora já soldado da revolução, também ele voltou para ter um duelo com o senhor, mas incapaz de o fazer, deixou-o fugir. “Sei onde está, sei como encontra-lo” – diz-lhe.
E sabia.  Encontram-se e partem num pequeno barco que os espera no rio. Ficamos a pensar que o amor pode tudo, pode até achar que olhos de monstros se tornam em olhos de cordeiros, ou se calhar que os monstros também são cordeiros.
Mas, para o espectador, pelo menos para mim, ele continua sombrio, olho-o e vejo o traficante de escravos que sem piedade comprou, aprisionou e maltratou milhares e milhares de inocentes. Não sou capaz de ver mais nada, é que ser mercador e negociante de escravos, dono e capitão de um barco negreiro, é demais.

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