(Quis escrever, mais uma vez, sobre os refugiados do estado islâmico, mas vieram-me à lembrança imagens de outros ou do mesmo inferno. Este fundamentalismo não começou hoje, vem de longe e de perto, vem de sempre).
Abrir a janela, sair à rua, eram
coisas impossíveis. A guerra, a contínua e destruidora guerra, levava os homens
para a guerrilha, deixando desamparadas muitas mulheres e crianças. Mulheres e
crianças muitas vezes vítimas e várias vezes fechadas. Restava-lhes sonhar que um dia
seria possível atravessar as altas montanhas, atingir o lado de lá da fronteira
e entrar no Paquistão, onde poderiam, pelo menos, ter a esperança de ver
diminuída a insegurança e o medo. Como se fosse possível, aí, aliviar o
inferno!
Mil vezes, perguntei a mim
própria como era possível ter chegado ali. Viver como se tudo tivesse ruído, a
sociedade recuado cem anos, todos os direitos perdidos, toda a dignidade em
causa e toda a capacidade de seguir vivendo normalmente aniquilada. Viver em subterrâneos, educar as
crianças clandestinamente, correr, a toda a hora, sérios riscos de vida, era o
dia a dia de milhões de pessoas. Fecharam as escolas, reduziram a vida e a
condição das mulheres a uma situação humilhante.
Há trinta anos, setenta por
cento dos professores eram mulheres. Trabalhavam, saíam de casa, havia uma
normalidade de vida, embora muito determinada pela cultura e as tradições. Isso
tinha deixado de existir.
Nada, agora, era normal. A
severidade e a demência dos taliban deitavam por terra qualquer tipo de
lógica, qualquer tipo de sentimento, como se os mais elementares traços de
humanidade que cada um de nós transporta não pudessem existir. Começamos por
nos esquecer de rir, de falar, de amar, de ser solidário, com a nossa sanidade
mental,continuamente posta à prova, numa luta diária, para não deixar de ser gente. Manter alguma dignidade e alguma decência exigiam a capacidade de continuar. Resistir era o mais importante.