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quinta-feira, 9 de junho de 2016

Fundamentalismo islâmico: o inferno era ali (3)

Queria eu ter um ponto mínimo que me permitisse compreender. Não encontrava, e isso era o mais terrível, o mais doloroso. Tudo ruía dentro de mim. Tudo. A minha vida, as minhas crenças, o meu passado, o meu presente e, pior, ainda, o meu futuro. Sairia alguma vez dali? Não sabia. Mas, tal como todos os outros, imaginava essa possibilidade. Precisava, para sobreviver, de acreditar que o pesadelo teria um fim.

- O povo, todo o povo, estará com os Taliban? – interrogava-me, milhares e milhares de vezes. Não estava, mas não havia possibilidades de rebelião, a opressão era tal e assumia tais formas que era impossível, bastava uma fatha e tudo se desmoronava, aumentava a violência, o medo, a desconfiança. Seria possível mudar? Seria possível uma coisa diferente? Voltariam as mulheres a fazer parte da sociedade, a ter direitos, a passear com os filhos? Voltariam a existir jardins, espaços de convívio e de educação públicos, bibliotecas, escolas, torneios de futebol, voltaríamos a ouvir música a sentir a emoção de assistir a um filme?
E os homens? Os homens, muitos deles, são igualmente vítimas.

O uso da Burka é, em primeiro lugar, uma questão religiosa, um preceito religioso, mas é igualmente uma questão social. Mas apesar de tudo o mais violento e inaceitável era a obrigação de usá-la, 

terça-feira, 7 de junho de 2016

Fundamentalismo islâmico: o inferno era aí (2)

Se ficam viúvas ou são mães solteiras, renegadas pelos parentes, ficam completamente desesperadas. O abandono e a fragilidade são completos. Uma tragédia sem limites as devora por dentro, as perturba, as leva ao limite da sua capacidade de sofrimento mental. Psicologicamente afectadas, como podem continuar a pensar, a cuidar-se e a tratar dos filhos? Infinitamente sós vagueiam, pedindo esmola, prostituindo-se, sendo usadas e abusadas por homens que as tratam sem pingo de humanidade e as condenam à valeta.
O pior é que o fazem em nome de uma religião, dum fundamentalismo religioso, que não deixa qualquer espaço para a denúncia, o confronto ou a fuga. Só alguns podem. Muitas vezes me interrogava: 
- Como podemos continuar caladas? Como podemos continuar passivas? Como poderemos contar aos nossos filhos o que nos está a acontecer?
Mas a resposta às minhas perguntas era óbvia. Como podíamos resistir de estômago e mãos vazias? Como podíamos, sem nada, lutar contra homens alucinados, dependentes do cheiro a pólvora, armados e sem outra linguagem que não fosse a da violência. Aqui a vida não tem o mesmo sentido. Não pode ter, senão como explicar isso?


segunda-feira, 6 de junho de 2016

Fundamentalismo islâmico: o inferno era ali (1)

(Quis escrever, mais uma vez, sobre os refugiados do estado islâmico, mas vieram-me à lembrança imagens de outros ou do mesmo inferno. Este fundamentalismo não começou hoje, vem de longe e de perto, vem de sempre).

Abrir a janela, sair à rua, eram coisas impossíveis. A guerra, a contínua e destruidora guerra, levava os homens para a guerrilha, deixando desamparadas muitas mulheres e crianças. Mulheres e crianças muitas vezes vítimas e várias vezes fechadas. Restava-lhes sonhar que um dia seria possível atravessar as altas montanhas, atingir o lado de lá da fronteira e entrar no Paquistão, onde poderiam, pelo menos, ter a esperança de ver diminuída a insegurança e o medo. Como se fosse possível, aí, aliviar o inferno! 
Mil vezes, perguntei a mim própria como era possível ter chegado ali. Viver como se tudo tivesse ruído, a sociedade recuado cem anos, todos os direitos perdidos, toda a dignidade em causa e toda a capacidade de seguir vivendo normalmente aniquilada. Viver em subterrâneos, educar as crianças clandestinamente, correr, a toda a hora, sérios riscos de vida, era o dia a dia de milhões de pessoas. Fecharam as escolas, reduziram a vida e a condição das mulheres a uma situação humilhante.
Há trinta anos, setenta por cento dos professores eram mulheres. Trabalhavam, saíam de casa, havia uma normalidade de vida, embora muito determinada pela cultura e as tradições. Isso tinha deixado de existir.
Nada, agora, era normal. A severidade e a demência dos taliban deitavam por terra qualquer tipo de lógica, qualquer tipo de sentimento, como se os mais elementares traços de humanidade que cada um de nós transporta não pudessem existir. Começamos por nos esquecer de rir, de falar, de amar, de ser solidário, com a nossa sanidade mental,continuamente posta à prova, numa luta diária, para não deixar de ser gente. Manter alguma dignidade e alguma decência exigiam a capacidade de continuar. Resistir era o mais importante.