Leva a irmã pela mão a caminho da escola e fala-me
como se me conhecesse muito bem. Disfarço, entro na conversa,
intrigadíssima: quem seria aquele jovem que eu não reconheço. Teria sido meu
aluno? Era impossível, com certeza que não. Se tivesse sido, reconhecê-lo-ia.
- Tenho
saudades desta escola, agora, lá em baixo é tudo diferente.
- Estás em que ano?
- No 6º
ano, mas este ano não sei se poderei passar, por causa do meu problema de
saúde, há dois meses que não vou à escola. Mas vou ficar bom e recuperar. É
assim, tenho que ficar bem, já estou quase bem, mas foi difícil, muito difícil
… .
- Sim,
vais ficar bom – digo-lhe, enquanto lhe fixo de novo o rosto. Já sei quem é: é
o Rui. Agora, percebo porque não o reconheci, tem um problema de saúde grave,
a quimioterapia, a medicação….
Aquele
menino, agora com um corpo de adolescente, marcado pela doença, falava-me como
um adulto. Como te ia reconhecer, Rui! Mas, és tu, já não tenho dúvidas.
E a
conversa continuou até à escola. Nas semanas seguintes, encontro-o várias
vezes. O que mais me impressionava era a força de vontade, os projectos, os
sonhos, a vida, o futuro: “vou fazer, tenho de fazer, vou ajudar o meu pai, a
minha mãe, agora, estou em casa, cuido da minha irmã, lavo a loiça à minha mãe,
estou melhor, estou melhor, mas foi difícil, muito difícil, quando estiver bom,
vou ficar bom …”.
Um dia
deixou de aparecer, dizem-me que foi hospitalizado de novo. Piorou. Não tenho
coragem de perguntar mais nada a ninguém. Não demorou muito a chegar a trágica
notícia: - O Rui morreu.
Não suportei. Por que morrem os meninos? Por que se morre aos doze anos,
quando tudo o que se quer é viver? Por que se morre quando se têm tantos
projectos e tantos sonhos?
…………………………………………………(Arredores de Lisboa, 1991)