Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta filmes. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta filmes. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Abuso de menores na igreja francesa

 São tão assustadores e tão trágicos os dados do relatório independente, feito em França, sobre os abusos sexuais na igreja francesa, nos últimos 70 anos, que não consigo escrever nada sobre o assunto. Republico um texto que escrevi sobre o tema depois de ver o filme: 

Os meninos de São Judas

O filme fala dos meninos do reformatório de São Judas, na Irlanda, em 1939. Revela uma realidade que, apesar da brutalidade de algumas práticas, como o abuso sexual e a tortura física, se prolongou, por muitas décadas, em instituições similares – e é por isso que aquela violência parece quase não nos surpreender.
Mas há sempre um limite. Tínhamos assistido à tortura dos dois jovens, debruçados sobre um banco comprido de madeira, rente ao chão, com o resto dos companheiros a assistirem – tal como se torturavam, há séculos atrás, os escravos, presos ao tronco, em espectáculo público, para que todos vissem o que lhes podia também acontecer se ousassem desobedecer – mas não estávamos preparados para a cena do assassínio de Liam, a quem o padre John mata à chicotada e  pontapé.
O padre mata por motivos impossíveis de compreender. Quer saber por que apareceu no reformatório um professor laico, William Franklin. "Será comunista"?
O professor trata os jovens como pessoas, pelo nome próprio, promete responder às suas perguntas e levá-los a pensar para lá de si próprios e dos muros do colégio. Na noite de Natal, oferece a todos uma prenda, um livro, que contém algo de especial para cada um – poesia, literatura, teatro, vida, sentimentos, comprometimento… Os miúdos decoram frases, versos, fazem coros, récitas, teatros…
Algo de novo aconteceu e o padre John não aguenta. Estes são fantasmas que se prolongam por décadas. De algum modo, todos somos testemunhas, eu própria recordo uma adolescência e um início da idade adulta em que o comunismo era uma palavra maldita, como não seriam as pessoas que tinham essa ideologia e se empenhavam em transmiti-la? Excomungadas, obviamente. Ainda, hoje, não percebo nada. Mas, depois de sabermos o que se passou, nessa Europa de Leste, quando se derruba o muro de Berlim, vemos que nunca há o branco e o preto, mas nada justificava a paranóia e a maldade do padre John.
Franklin luta, com todas as suas forças, até os abusadores saírem de cena. (Sabe -se, no final do filme, que o padre Mac, o dos abusos sexuais, vai para os Estados Unidos, é-lhe dada uma paróquia e ainda vive; o padre John, o torturador implacável, é mandado para África e morre em 1969).  Decide, então, abandonar o colégio, mas não resiste à despedida, particularmente, à atitude de um dos jovens ao recitar-lhe poesias do livro que lhe dera. Franklin quebra. Não pode deixá-los já. Fica por mais cinco anos, alistando-se depois nas tropas aliadas. Morre, na frente de batalha, em 1944.
Para a sua luta é o fim, mas quantos começos não tinha já deixado atrás, junto dos jovens do colégio São Judas! Quantos começos não deixa, ainda, hoje, naqueles que vêem o filme e percebem a força de uma consciência! Nem tudo são entardeceres, mesmo nestes sombrios colégios. Viva o professor Franklin!

(publicado em 28/9/2012) 

sábado, 25 de janeiro de 2020

Treblinka – o filme de Sérgio Tréfaut


(A propósito do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto – 27 de janeiro)

Treblinka é um filme/documentário, realizado a partir do livro: “Sou o último judeu”, de um sobrevivente, deste campo de extermínio nazi, na Polónia, onde foram mortos mais de novecentos mil judeus.
O que mais impressiona, é a rotina deste homem e de todos os que, por terem alguma profissão ou competência que servisse os nazis, eram poupados e passavam a colaborar na morte dos seus «irmãos» judeus.
Chegou ao campo com a irmã que morreu nesse mesmo dia. Quando os SS perguntam: «Há aí cabeleireiros»? Ele responde, por instinto de sobrevivência: «Eu sou cabeleireiro». Dão-lhe uma tesoura e assim começa a sua colaboração naquele extermínio.
A cada chegada de mais um comboio, transportando judeus de toda a Europa, os que tinham a incumbência de cortar o cabelo, corriam a executar esse trabalho. Seguiam-se os que faziam a triagem da roupa, dos objetos de valor (relógios, anéis, fios, brincos…) - tudo, os SS levavam.
A descrição mais pungente é a do rosto dos cadáveres, em pilhas, depois de saírem das câmaras de gás, e de como a fisionomia da morte era variável, conforme tinham sido gaseados. Os das câmaras maiores saem deformados, negros, esverdeados…
Tudo continua, chegada, após chegada, de mais um comboio, como se uma invisibilidade viral atacasse todos (parece que ninguém via nada) e tornasse tudo menos doloroso; como se o ver, todos os dias, o mesmo horror, os deixasse insensíveis. Para alguns, sobreviver é o único pensamento, para outros desistir é o único pensamento; cada manhã, mais um, outro e outro, aparecem estrangulados nos barracões onde dormem.
O horror de Treblinka desumanizou, para lá de todos os limites. Que pensamentos e sentimentos, que realidades e fantasmas, que deuses e homens, povoavam as mentes dos que morriam, dos que matavam, dos que sobreviviam…? O horror paralisa. À impossibilidade de ver, junta-se a impossibilidade de pensar. Todos são autómatos. É tão incompreensível, isto!

quinta-feira, 16 de abril de 2015

O último Samurai, o filme

1876. O filme é muito violento. Nathan Algren, o jovem capitão americano, é encarregado de organizar e de treinar as tropas do imperador Meiji para acabar com o domínio dos samurais. Perde a batalha e é feito prisioneiro pelo Katsumoto (o último samurai). E tudo começa a mudar para ele.
Seria um dos filmes que eu não veria. Vi-o, porventura, porque, para além dos aspectos históricos – a unificação do Japão..., e o jogo de interesses das potências estrangeiras, sempre presente em todas as guerras, esta não é excepção, são os americanos que vendem armas de última tecnologia, treinam e armam as tropas, mas estão também os ingleses, os franceses..., à espera de poder vendê-las – a partir de certa altura, desenha-se uma história de amor entre o jovem capitão e a irmã do samurai que o acolhe em casa, mesmo depois de saber que foi ele quem matou o marido. 
É uma história de amor improvável, subtil, presente, tranquila, pouco explícita, nem no final, como se houvesse sempre leis não escritas e códigos de honra a determinar os comportamentos, e, para perceber isso, fosse preciso pertencer ali, àquele vale, àquela aldeia, àquelas tradições. O americano sabia disso. Foi-se seduzindo pela cultura, pela língua, pelas pessoas, pela jovem e pelos seus filhos . Tornou-se de lá. O seu voltar a casa, seria o voltar aqui: ao seu amor.


quarta-feira, 2 de abril de 2014

O aviador, o filme

O que surpreende no filme, até ao ponto de nos perturbar, é como uma pessoa tão inteligente, capaz dos maiores raciocínios lógicos e matemáticos, carrega uma fobia que lhe transtorna a vida, ao ponto de um desequilíbrio mental.
Ter medo de germes, perscrutá-los em todo o lado, não será algo que um ser inteligente pode racionalizar? Pelos vistos não. Sabemos tão pouco de nós próprios, a mente humana está na infância do conhecimento. Para onde caminhamos? E o futuro, como de resta acaba o filme, haverá um futuro mais capaz de lidar com tantas dualidades? Talvez, não. Para este homem, Howard Hughes, que morre em 1976,  o futuro foi a deteriorização progressiva da sua situação clínica.