Um
dos males que Taylor aponta às sociedades modernas é a perda de
significados. Na verdade, temos vindo a perder as referências, antes, estáveis
(família, estado, igreja...), que nos permitiam pensar e viver de forma
coerente e sem grandes ruturas. Cada vez menos procuramos abrigo em
transcendentes, heróis e mitos que antes criavam sentido e davam segurança.
Fomos perdendo valores e construindo ilhas, muitas vezes apenas virtuais, mesmo
que vivamos vinte e quatro horas ligados a computadores e a telemóveis de
última geração. Paradoxalmente, o
acesso a tudo em tempo real cria excessos e ruídos que muitas vezes mais não
são do que incomunicação. Ora nada mais desumano.
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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
sábado, 26 de dezembro de 2015
Olhar à volta, violação de direitos
Queria falar sobre o Natal, contar uma história feliz, mas só me ocorriam episódios tristes. É, assim, um mundo violento e desigual, onde todos os dias os direitos humanos são espezinhados. Por isso temos de repetir à exaustão que: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns com os outros em espírito de fraternidade" - 1º artigo da Declaração Universal.
Nem a dignidade nem os direitos nos são concedidos por uma qualquer vontade política, religiosa, económica ou outra; são da natureza humana, “nascemos livres e iguais em dignidade e direitos, independentemente da família, local, situação ou particularidade em que esse nascimento ocorra.
terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Haverá algum dia paz?
A
guerra, o conflito e a luta são uma constante ao longo da história da
humanidade. Esta é uma constatação não apenas de ontem, mas de hoje mesmo – as
sucessivas mortes, os movimentos incessante de refugiados - não precisamos de
recuar muito na história, basta pensar nas barbáries do século XX (as
devastadoras consequências da bomba de Hiroxima, os Gulags dos totalitarismos
soviéticos, os campos de concentração de Auschwitz) ou mais próximo do nós as
contínuas violações aos direitos humanos que quotidianamente podemos
testemunhar, como o racismo, a xenofobia, a violência, a insegurança e, por estes dias, a multidão de refugiados que atravessa a Europa, procurando um sitio
seguro para viver.
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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
A interação é o fulcro
As vidas, as origens, os percursos..., podem
ser e são muito diferentes, mas quando olhamos alguém, por mais estranho e desconhecido
que seja, em qualquer ponto da cidade ou do mundo, a expectativa que temos é a de
que se trata de alguém com autonomia, significados de vida boa, ou seja, quando sorrio, cumprimento, dirijo a palavra a alguém, espero reciprocidade. Espero que me sorriam, cumprimentem, falem... Espero poder interagir.
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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
A ditadura de Havana
Foram presas, ontem, dia mundial dos direitos humanos, pessoas em Havana para evitar que se manifestassem. As ditaduras são muito cobardes, não aguentam enfrentar-se com quem não lhes faça a vénia, com quem não grite revolução. Mas, pode lá haver maior revolução do que a luta pela liberdade, pelas liberdades! Às mulheres de branco e a todos os que se quiseram manifestar e não puderam a minha solidariedade. Haverá um dia em que se anunciará a morte dos ditadores (desse e de outros), mas às vezes parece tão longínquo!
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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
Dia Mundial dos Direitos Humanos, 10 de Dezembro
Hoje é o dia mundial dos direitos humanos. Depois do que foi o desastre da II Guerra Mundial, pensou-se que se existissem declarações, tratados e organizações mundiais que impusessem o direito internacional, a humanidade não tinha assistido ao que acabara de acontecer. A 10 de Dezembro de 1948, em Paris, é proclamada uma declaração universal para toda a humanidade. Os trinta direitos aí proclamados não perdem vigência, ao contrário, vendo o estado do mundo, mais de trinta conflitos armados, uma crise e refugiados, sírios, afegãos, eritreus, iraquianos..., que tomou umas proporções que envergonham o mundo civilizado, ganham a força de uma urgência, de uma necessidade. Espero que seja possível repensar o papel das Nações Unidas e suas Agências; espero respostas mais eficientes e mais rápidas; espero que acabe a hipocrisia dos Estados (não sei se de todos, mas de alguns certamente).
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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
Reconhecimento um ideal também moral
O reconhecimento não pode ser apenas um conceito politico, reconhecer e implementar através de politicas ativas os direitos dos grupos minoritários. É preciso uma proposta de reconhecimento com fundamentos éticos, ou seja, uma ética do reconhecimento assente no dever moral de reconhecer o outro com base em conceitos de
reciprocidade e de respeito.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2015
Um deles mente
Ouvimos o presidente russo, um tal de Putin, dizer que um avião militar do seu pais foi abatido pelos turcos, enquanto combatia o estado islâmico; ouvimos o presidente turco, um tal de Erdogan, dizer que os russos violaram o espaço aéreo turco, não responderam aos avisos e por isso foram abatidos.
Um deles mente, um deles faz de nós parvos, de nós e de todo o mundo, da Nato, etc. Fazem-se reuniões ao mais alto nível, prometem-se retaliações, mas, então, não se vê que há uma mentira por esclarecer, esclareça-se primeiro: quem diz a verdade?
Será possível que grande parte da política internacional se mova em meias verdades?
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sexta-feira, 27 de novembro de 2015
Fragmentação social
Tudo parece fragmentado, as sociedades, as
famílias, os indivíduos.. Fragmentos que em muitos casos parecem já desintegrações.
Não sabemos bem quem somos, onde pertencemos, pelo que lutamos, que bandeias erguer...
Como lidar com a diversidade e o pluralismo cultural, sem cair ou no mais absoluto
relativismo ou em sentido contrário no mais absoluto fundamentalismo?
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quinta-feira, 26 de novembro de 2015
O uso da burqa
O uso da burqa é proibido em França, na Bélgica e acaba de ser proibido num cantão suíço. Ainda bem, sou absolutamente contra o seu uso. Pode haver muitas razões, e haverá, das religiosas às culturais, mas atenta a uma característica fundamental do humano: a inter-relação com o outro, o olhar o rosto, face a face, na proximidade ética com alguém, onde a liberdade individual e o respeito mútuo ocupam o primeiro plano.
terça-feira, 24 de novembro de 2015
Ainda, o terrorismo em Paris
O problema parece não ter solução à vista, por mais coligações, bombardeamentos, operações policiais, prisões... , não se mudam as convicções e os comportamentos das pessoas, os ditos e não ditos das culturas de uma hora para a outra, não se mudam as mentalidades do pé para a mão, é preciso tempo, reconhecimento, educação, igualdade de oportunidades...É preciso interação.
Há tantos muros invisíveis e reais em S. Denis e de noutros bairros que sem a denominação de guetos mais não são do que isso. Alastra a incomunicação, adivinhamos o futuro.
Há tantos muros invisíveis e reais em S. Denis e de noutros bairros que sem a denominação de guetos mais não são do que isso. Alastra a incomunicação, adivinhamos o futuro.
domingo, 22 de novembro de 2015
Terror em Paris, e em todo o lado
Já
escrevi tantas vezes sobre o terrorismo que quase resisto a fazê-lo de novo. Mas
luto, lutamos todos, para que as cenas que vemos não se tornem banais, não se tornem algo
que nos passa simplesmente ao lado, ou pior, algo que pensamos que só acontece aos
outros. Vivo numa terra onde mais de setenta por cento das suas casas pertencem
a pessoas de cá, que também são de lá, e que vivem na região de Paris, a primeira geração há mais de cinquenta anos. Há
notícias de alguém daqui que meia hora antes tinha passado numa das ruas onde
rebentaram bombas e houve mortes. Pode lá ser mais próximo o problema do
terrorismo! Não pode.
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terça-feira, 10 de novembro de 2015
Novo blogue
Vou passar a escrever com regularidade num novo blogue: vidasquotidianas.blogspot.com, aos que me quiserem seguir o meu agradecimento
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
Ralf Badawi, prémio Sakarov
O Conselho Europeu atribuiu ontem o prémio Sakarov a Ralf Badawi, o cidadão saudita preso e chicoteado, até ao inimaginável, 1000 chicotadas, por ter um blog onde pensou que podia escrever livremente. Pura hipocrisia, pura demência, no reino de seiks que traficam droga, que traficam armas, que apoiam terroristas e o que mais seja e não reconhecem o direito natural que cada ser humano tem de usar o seu pensamento, a sua consciência, a sua liberdade.
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
Hospitalidade e direitos humanos
Quando o acolhimento é uma urgência, quando os refugiados caminham aos milhares, não é tempo de pensar em reciprocidades: o que é que eu vou ganhar das instituições europeias? O que posso exigir...? Não é tempo de jogos de interesses. A hospitalidade ou é desinteressada ou não é verdadeiramente. Se nos batem à porta, só cada um pode responder. Ninguém responde por ninguém. Posso dizer: entre, sente-se, conte-me...; ou dizer: não tenho tempo, não posso, não vou abrir, vá bater à porta do meu vizinho...
Cada
pessoa cumprirá a sua humanidade, na medida em que for capaz de romper com a
reciprocidade eu-tu e de instaurar uma outra ordem: eu para o outro; eu para todos os outros. Percebemos, assim, como
as noções de liberdade e de igualdade, presentes na fundamentação dos direitos
humanos, dão lugar à responsabilidade por outrem e à justiça no sentido do
rosto (em Lévinas).
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segunda-feira, 26 de outubro de 2015
Pela vida de Luaty Beirão (2)
Sei tão pouco sobre psicologia, motivações, sentimentos..., que muitas vezes por ignorância esqueço a enorme importância que tem no comportamento humano. Não é possível reduzir tudo à razão, à justificação racional, ao argumento formal... há muitas veredas e muitas pontes na mente humana. Ainda bem que é assim, espero que a carta de amor que a mulher lhe escreveu, em total desespero, faça o seu caminho.
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sábado, 24 de outubro de 2015
Pela vida de Luaty Beirão
17
ativistas angolanos, estão acusados de atos subversivos com o propósito de
atentarem contra o Estado, o presidente a república... 15 foram presos quando
liam e comentavam um livro escrito por um deles a partir de um original de um filósofo americano. Estão em prisão preventiva, há
mais de quatro meses, quando o limite em Angola são três meses. Por isto, Luaty
Beirão entrou em greve de fome há 34 dias, quer aguardar o julgamento em
liberdade.
Sabe-se
agora que a sua situação é muito crítica, pode a qualquer momento tornar-se
irreversível. E mesmo assim parece que ninguém faz nada? Ninguém pode fazer
nada? Tem
de ser possível fazer alguma coisa.
É
uma questão de direitos humanos, obviamente, o direito à liberdade de consciência,
de pensamento, de expressão, é inalienável; mas é também uma questão política, de
direitos e liberdades cívicas, então, aqueles jovens não podem querer para o seu país outro governo, outra política? Podem e devem.
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terça-feira, 20 de outubro de 2015
Direitos e dignidade
Num tempo de tantas
perplexidades – a maior vaga de refugiados depois da II Guerra mundial, os
critérios universais a mostrarem os seus limites, as instituições supranacionais
em impasses ou respostas insuficientes... –, muitos cidadãos questionam-se que
conceitos é preciso redefinir, que conceitos ganham centralidade para que o fosso
entre os princípios e a realidade não seja tão grande? Impossível passar ao lado
como se nada fosse, como se tudo se jogasse na formalidade dos direitos. Ou as regras
servem, se adequam e respondem ou as regras criam dificuldades, por procedimentos vazios, por
burocracias, por excessos de zelo...
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domingo, 18 de outubro de 2015
A dignidade é um tesouro
A dignidade é como se
fosse um tesouro - tento explicar, ao jovem que me interpela - onde guardas o que mais estimas, aquilo a que dás valor,
coisas que têm a ver com a forma como vês a vida e o modo como desejas e queres
vivê-la. Por exemplo, sei que dás valor à liberdade, nem tu nem ninguém quer viver
aprisionado, queres ser capaz de planear e organizar projectos, de inventar e de transformar a vida, de ter o respeito que julgas merecer e que queres que os
outros te reconheçam.
A dignidade está dentro
de ti, não a podes comprar, herdar do pai ou da mãe, é um bem precioso que não têm um preço e por isso não a podes negociar. És responsável por esse tesouro que guardas no lugar
mais profundo de ti mesmo, não podes tu ou alguém fazer-lhe mal. O tesouro é frágil, se não estiveres atento pode quebrar-se.
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
Face a face com o outro
A vaga de refugiados, vindos sobretudo da Síria, mas também do Afeganistão, Iraque, Eritreia..., mostra à evidência até onde pode ir a maldade humana. E até onde a questão do acolhimento se coloca na ordem das decisões políticas, sociais e éticas.Se, no mundo, apenas, existissem eu e o outro, a minha
responsabilidade era total. Face a face com o outro, ninguém pode responder por mim. Quando o outro me pede ajuda, cabe-me responder aos seus pedidos, sejam de que ordem forem e tenha ou não como satisfazê-los. Mesmo que a resposta não seja a solução, é da minha responsabilidade a disponibilidade; é da minha responsabilidade dizer: estou aqui.
Claro que pouco podemos fazer sem justiça, sem leis e instituições, mas cada um fazer o que lhe cabe, é um dever.
Claro que pouco podemos fazer sem justiça, sem leis e instituições, mas cada um fazer o que lhe cabe, é um dever.
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segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Somos seres humanos situados
Importa analisar a universalidade dos direitos humanos, não para a pôr em causa, mas para
mostrar a sua insuficiência. Não chega dizer: pertencemos todos à Humanidade, temos uma razão e uma liberdade que ninguém pode pôr em causa; não chega dizer: “tu
tens direitos, és um ser de direitos”, importa olhar o individuo na sua
situação. Somos seres situados, na nossa vida concreta, há contextos que se
tornam determinantes do viver; contextos, onde, o que define o humano é muito mais a experiência
religiosa, a pertença a uma cultura, a um povo ou a um grupo, do que a noção universal de Humanidade. Não reconhecer isto, é cair em impasses ou em respostas parciais que não são solução para as questões dos
refugiados, dos migrantes, da diversidade com que a Europa (na verdade, o mundo todo) está
confrontada.
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
De que ordem são as injustiças?
São de natureza social, diriam uns; são de natureza cultural, diriam outros; não é possível distinguir entre estes dois pólos, diriam ainda outros. Ou seja , o debate não é linear. Na verdade, o que mostram as sociedades actuais, democráticas, abertas e diversas, é a necessidade de considerar que qualquer hierarquização cultural é ilegítima, não há culturas superiores umas as outras, o que há é diferenças culturais. Mas, depois, vem a realidade e mostra o absurdo: fundamentalismos religiosos que decapitam, crucificam, chicoteiam...como se estivessem num qualquer delírio que os impede de pensar. Isto é o quê?
(O jovem da Arábia Saudita condenado à morte, por crucificação, por estes dias, é um triste exemplo. Intolerável. Vamos ver o que diz a comunidade internacional!)
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terça-feira, 6 de outubro de 2015
Reconhecimento
Não há justiça
sem reconhecimento social, certamente, mas também não há justiça sem o reconhecimento das diferenças culturais. A redistribuição material de bens responde às injustiças económicas, mas não responde às injustiças sentidas pelos grupos minoritários que se vêem culturalmente desvalorizados (talvez, o caso mais flagrante seja entre nós o dos ciganos, mas também há grupos culturais de origem africana, por exemplo, desvalorizados na sua diversidade cultural).
Há padrões que hierarquizam as culturas, nem que seja de forma tácita, há preconceitos e estereótipos em relação a determinados grupos culturais, portanto, a luta por justiça requer tanto
a redistribuição como o reconhecimento cultural.
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sábado, 3 de outubro de 2015
Cultura, a diversidade cultural
A cultura é uma construção humana, determinada
pelos contextos geográficos, sociais e históricos em que as pessoas nascem e
vivem, pelas condições que influenciam, desde sempre, a vida e a socialização de
todos os grupos humanos. As pessoas das planícies, das montanhas, dos desertos
ou das ilhas, não vivem as mesmas dificuldades, não lutam contra os mesmos
elementos, não criam os mesmos medos, os mesmos interditos, os mesmos
sentimentos de vitória ou de derrota e por isso não se relacionam do mesmo modo
com o desconhecido, o meio ambiente, os vizinhos…
Assim, pode dizer-se que cada povo tem uma identidade
cultural que vem de muito longe, encerrando traços específicos, alguns
visíveis e que podem ser partilhados e outros invisíveis e dificilmente
partilháveis.Na realidade, podemos
aprender sobre a língua, a história, a música, a literatura, as tradições…, de
outros povos, mas dificilmente aprenderemos sobre os seus valores e os seus
sentimentos – pelo que têm de convicção profunda que só os próprios
sentem e se revela na forma como pensam, amam, educam os filhos, tratam os mais
velhos...
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terça-feira, 29 de setembro de 2015
Anne Frank: o diário (3)
“Há-de chegar o dia em que esta guerra medonha acabará,
há-de chegar o dia em que também nós voltaremos a ser gente como os outros e
não apenas judeus” – escreveu Anne no seu diário, em 11 de abril de 1944.
Para ela e para milhões de judeus esse dia não chegou. Ficou
o seu diário, um importante testemunho. Quando Anne fez treze anos e vivia ainda
uma vida normal e feliz com os pais e a irmã numa casa no centro de Amesterdão,
recebeu de presente um diário, que leva consigo para o refúgio no depósito das empresas do pai.
Escrever tornou-se uma tábua de salvação. “Quando escrevo,
sinto um alívio, a minha dor desaparece, a coragem volta”- escreve a 5 de abril de 1944.
Com o diário, de capa axadrezada, em que o vermelho é a
cor dominante, a que chama de Kitty, a amiga, pode desabafar, conversar,
dialogar, interrogar, pensar.... Este e os cadernos que se seguiram foram guardadas por Miep, uma das colaboradoras, e
entregues ao pai, sobrevivente de Auschwitz, que o publicou pela primeira vez em 1947.
No museu está o original, aberto, podemos ver a letra de Anne, certinha, pequena...impressiona um pouco, pois escreve já com o objectivo de publicar, sabe que no fim da guerra haverá interesse por escritos desta natureza. Ela tem planos, quer ser escritora, ironicamennte, o seu livro é um dos mais editados e lidos do mundo.
(O diário de Anne Frank acaba de ser reeditado em Portugal, pela editora Livros do Brasil).
sexta-feira, 25 de setembro de 2015
Anne Frank: o anexo (2)
Em 6 de Julho de 1942, a família FranK, o pai Otto, a mãe
Edith, as filhas Anne e Margot, “mergulha” na clandestinidade, uma semana mais
tarde junta-se a família Van Pels, pai, mãe e filho, e pouco depois o senhor
Fritz, amigo da família Frank. São todos alemães, fugiram para a Holanda, mas
não estão a salvo. A perseguição aos judeus não tem limites, chegou aqui também.
Estas oito pessoas passam a viver naquilo a que Anne, no seu diário, chama o “anexo”, ajudadas por quatro colaboradores. Não
é uma casa pequena separada da casa principal, como estaríamos à espera. O
anexo é a parte de cima da casa onde o pai tinha as suas empresas, com a fachada da frente virada para um dos canais de Amesterdão. O anexo é a parte de trás, ocupando dois andares e o sótão virados para as traseiras da casa, espaço que serviu, até então, para depósito/armazém das especiarias e outros produtos transformados nas empresas, com janelas pintadas de preto, para que a luz não os deteriorasse. O depósito/o anexo estava
separado do resto da casa por uma porta disfarçada de estante (está como na época) para não levantar suspeitas.
Permanecem neste refúgio, muito exíguo, mas onde conseguem ter um quotidiano "quase normal", lêem, escutam a rádio, alegram-se com o avanço dos Aliados nas costas da Normandia, exasperam com as notícias sobre as câmaras de gás e os campos de concentração... Sobrevivem, sobrevivem..., esperam o fim da guerra. Mas, a 4 de Agosto de 1944, dois anos e
um mês depois, são presos e levados para diferentes campos de concentração. Anne e a irmã morrem em Bergen-Belsen, na Alemanha, de tifo, a mãe morre em
Auschwitz; o pai, que também foi levado para aí, foi o único dos oito refugiados que sobreviveu. Depois
da guerra, em 3 de Junho de 1945, regressa a Amesterdão, sabe, então, da morte
da mulher e das filhas. Miep, uma das colaboradoras, entrega-lhe o diário de
Anne.
segunda-feira, 21 de setembro de 2015
Anne FranK (1)
Estive há pouco tempo na casa museu
Anne Frank, em Amesterdão. Havia muitos visitantes, jovens de escola,
adolescentes. Pensei na importância de lugares como este, pelo que significa,
pelo que simboliza, pelo grito ensurdecedor que não deixamos de ouvir, durante toda a visita. Voltamos a mais de setenta anos atrás, recriamos, na mente, o cenário, a vida, os sonhos e os medos, daquelas pessoas que ali viveram durante dois anos. Fechadas, literalmente, como se não existissem, até que um dia são traídas, denunciadas e presas pelos alemães.Voltamos atrás, mas não podemos, infelizmente, achar que tudo é história, que tudo é passado. Não é. Nesse dia, semana e mês, outros perseguidos por guerras, religiões..., atravessam países, procuram refúgio, apelam por solidariedade.
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quinta-feira, 10 de setembro de 2015
É o tempo da escolha justa
As imagens dos refugiados tentando chegar à Europa por
diferentes rotas, mostra à saciedade a violência e a precariedade humana. Há uma
linha ténue entre a liberdade e a repressão, entre a solidariedade e o pontapé, entre
o acolhimento e a xenofobia, entre o abrir e o fechar
as portas...
É neste espaço que o ser humano se realiza, que cumpre
ou nega a sua humanidade, que instaura ou impossibilita a relação com o outro. É o tempo das escolhas,
da ética, da responsabilidade individual e cívica, das leis e dos compromissos.
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sábado, 5 de setembro de 2015
O regresso a Kobani
O menino sírio, Aylan, de três anos
que morreu com a mãe e o irmão, no mar, ao tentarem chegar a uma ilha grega,
foi a enterrar em Kobani. Não viveu o suficiente para saber a força das
convicções, a força das montanhas, a força da terra, a força da identidade... O
pai, sim, sabe o que tudo isto significa. Por isso, regressou para enterrar a
mulher e os filhos na sua terra.
Está exausto, pede, em nome do Corão,
que o deixem descansar. É tão ensurdecedor o seu sofrimento! Mesmo que diga que
a mulher e os filhos são agora mártires, mesmo que evoque uma crença
que o pode ajudar, permanece (e permanecerá, por muito tempo) no
limite das suas forças.
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quarta-feira, 2 de setembro de 2015
Migrantes, uma tragédia diária (2)
As imagens começam a ficar insuportáveis, pela violência, pelo desânimo, pelos contínuos impasses, pelos armes farpados, pelos infindáveis acampamentos, pelos comboios a abarrotar de pessoas...Temo que se tornem banais. Temo que a situação se vá arrastando, apesar das cotas estabelecidas e dos passos que finalmente parecem mais consequentes, sem que as soluções que estas pessoas merecem sejam tomadas. Há muita hipocrisia no ar, há muito discurso vazio...É certo
que se pode dizer que sempre houve margens, guerras, violência social e política, refugiados, populações perseguidas..., mas o que se passa hoje com o tal estado islâmico não é comparável a quase nada, é maldade pura.
terça-feira, 1 de setembro de 2015
Migrantes, a tragédia diária
Mortes, mais mortes e mais e mais..., o número
parece infindável, como infindável parece a situação dos refugiados que continuam
a chegar pelo Mediterrâneo e pelos Balcãs.
Corpos em decomposição, no interior
de um camião abandonado, na Áustria; corpos a chegar às costas da Líbia, de sucessivos naufrágios; corpos a serem resgatados de porões de barcos... Uma tragédia humana que parece não ter limites.
Quem eram estes mortos? Que vidas deixaram para trás? A quem amavam? Por que emigravam? Quem podia ter feito alguma coisa e não fez?
A Europa já percebeu que, o que tem feito, não chega, todos esperam (todos esperamos) que se faça muito mais.
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segunda-feira, 31 de agosto de 2015
A “Declaração de Lisboa sobre Equidade Educativa, Julho de 2015” – algumas notas
Do 8º Congresso de Apoio Educacional
Inclusivo, que teve lugar em Lisboa, de 26 a 29 de Julho de 2015, saiu uma declaração
de princípios sobre a equidade educativa: http://isec2015lisbon-pt.weebly.com/declaraccedilatildeo-de-lisboa-sobre-equidade-educativa.html.
Desta declaração, dois pontos parecem
fundamentais: a educação inclusiva tem de ser equitativa; a inclusão tem de ser
de qualidade, procurando o sucesso de todos os alunos.
Em relação
ao primeiro ponto, a equidade educativa não parece controversa, justifica-se
pelo direito universal à educação, consagrado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948: artº. 26º). Daqui, decorre a obrigação de uma educação para
todos que só será possível se os sistemas educativos forem capazes de criar as condições
necessárias à igualdade de oportunidades no acesso e no sucesso de todos os
alunos.
A Lei de
Bases do Sistema Educativo (1986: art. 2º,2) garante a igualdade de
oportunidades, considerando que ninguém pode ser prejudicado, por ter nascido
nesta ou naquela família, ambiente social ou lugar geográfico e com estas ou
aquelas capacidades. Existem, para tal, apoios diferenciados (económicos,
sociais, educativos...) que devem responder, durante todo o processo educativo,
às necessidades particulares de cada aluno.
São
apontadas três razões para justificar a educação inclusiva: uma educacional,
uma vez que a educação conjunta de todas as crianças, criando soluções
individualizadas conforme as necessidades de cada uma, beneficia a todas; uma
social, uma vez que a educação inclusiva tornará a sociedade menos
discriminatória, mais justa e mais participativa; e uma económica, uma vez que
um sistema inclusivo é menos dispendioso.
Em nosso
entender, esta última razão parece discutível, pois, não temos como certo que
um sistema inclusivo, com base na equidade educativa, seja mais barato. Na
verdade, a necessidade de conhecimentos e de competências específicas, para uma
adequada diferenciação, supõe estruturas de organização, de formação e de
cooperação, entre os diferentes profissionais e as diferentes instituições,
dentro e fora do sistema – parcerias e protocolos com as áreas da saúde, da segurança,
do desporto, do ambiente, das empresas..., - que não pode deixar de envolver
avultadas verbas.
Em relação
à qualidade da educação inclusiva, ao referir-se o apoio à declaração
de Incheon “Rumo a uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e à
educação ao longo da vida para todos” e ao considerar-se a valorização das
diferenças e a abertura à comunidade, “onde a aprendizagem com sucesso seja
possível para todas as nossas crianças e jovens”, coloca-se a tónica na
importância dos contextos sociais e culturais – aspeto que nos parece decisivo
para uma integração educativa efetiva.
Este acento na qualidade é, de algum
modo, o reconhecimento de que são muitas as dificuldades e de que é necessário que
os sistemas inclusivos e equitativos façam tudo o que for possível para elevar
os níveis de exigência e de credibilização das propostas diferenciadas que
oferecem. Investir na qualidade, é seguramente o maior desafio, pela
complexidade de todos os aspetos envolvidos, sendo certo que os objetivos da
inclusão não têm só a ver com a empregabilidade dos jovens integrados, mas
igualmente com a sua autoestima, a sua capacidade de relação e de participação
sociais – aspeto que não parece possível de pôr em causa.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
Armas nucleares, o perigo permanece
Há 70 anos (6 de Agosto de
1945), caiam, em Hiroxima e Nagasáqui, no Japão, duas bombas atómicas. Morreram, nos minutos seguintes, de 40 a 80 mil pessoas e, depois, nos dias, semanas, meses
e anos, continuaram a morrer pessoas, devido ao efeito radioativo.
Os sobreviventes (crianças na
altura) ainda choram os seus mortos e as suas vidas. Vão chorar sempre. E o
mundo? O mundo não chora? Parece que não, está tudo no passado, lá longe, nos
arquivos da II Guerra Mundial. Não aprendemos nada. Muitos países têm capacidade
nuclear e outros que não a têm querem tê-la. O raciocínio parece viciado: ter
armas nucleares (com todos os perigos que as mesmas representam) com a intenção
de nunca as usar. Apenas, para dissuadir, amedrontar. O raciocínio devia ser: se
não quero usar uma coisa, simplesmente, não a construo. Ponto final. O pior é
que as relações internacionais são tudo menos raciocínios lineares.
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II guerra mundial
terça-feira, 4 de agosto de 2015
Recordo a jovem judia assassinada
Temos a perceção de que o radicalismo
está sem controlo em todos os lados e é de todas as ideologias. Não podemos falar
apenas dos islâmicos radicais, temos de falar de todos os outros igualmente extremistas.
O judeu ortodoxo que matou a
jovem israelita, de 16 anos, por participar numa marcha gay pelas liberdades
individuais e os direitos das minorias, é um louco, um alucinado, um doente ou
simplesmente um perigoso fundamentalista religioso?
Não sei. Prefiro pensar na loucura, na
alucinação, por não poder aceitar que se mate alguém, ainda mais invocando uma religião, falando em
nome de um Deus. Há lá maior desplante. Pobre natureza humana, todos os dias descemos às catacumbas, às perseguições, às intolerâncias...
segunda-feira, 3 de agosto de 2015
Os migrantes de Calais
Se alguma coisa mostra o que se está a passar, por estes dias, em Calais, mas em boa verdade, o que se passa, desde há muitos meses e até anos, é a necessidade de repensar e de redefinir o conceito de cidadania. É preciso pensar noutros termos as questões da globalização, da imigração, da diversidade cultural, da segurança mundial, do terrorismo, do ambiente, das
relações transnacionais...
A tarefa é árdua, e mais ainda, quando vêm ao de cima todos os egoísmos nacionais (tão claro nas reuniões de Bruxelas). Saber como é que definimos, organizamos e criamos estruturas sociais que assegurem a todos os mesmos direitos, é desde há muito uma urgência das instituições supra-nacionais.
A tarefa é árdua, e mais ainda, quando vêm ao de cima todos os egoísmos nacionais (tão claro nas reuniões de Bruxelas). Saber como é que definimos, organizamos e criamos estruturas sociais que assegurem a todos os mesmos direitos, é desde há muito uma urgência das instituições supra-nacionais.
sábado, 1 de agosto de 2015
As senhoras que vendiam molhinhos de hortaliça (2)
- Não preciso, quero só uma
molhada de couves e outra de repolhos.
- E cebolo, e pimentos, e alho
francês e beterraba vermelha... não quer – pergunta-me a outra senhora.
- Não preciso – digo-lhe – já
comprei.
Mas foi tal a insistência que acabei
por lhe comprar uma molhada de alhos franceses
- Um e dois, três euros, dois
para mim e um para ela – diz-me a primeira senhora.
Mas, o que me impressionou mais,
foi o que se passou a seguir. Enquanto uma queria deitar no lixo tudo o que
tinha, e ainda era bastante, a outra insistia:
- Deixamos os sacos à beira do passeio, pode ser que passe alguém com precisão de hortaliça para plantar.
- Não, deitamos fora, é melhor,
não fica nada a atravancar.
E assim fez, deitou no contentor
os dois sacos que tinha na mão com os molhos de hortaliça que não conseguira vender; enquanto a outra senhora, a quem eu tinha comprado o alho francês,
deixou à beira do contentor, encostado ao passeio um saco quase cheio de tudo o
que não conseguira vender, ajeitando a abertura de modo a ficarem à mostra os molhinhos de legumes. Não sei porquê, penso que um destino bom aguardava os legumes que a senhora deixou. Não morreram naquele dia.
sexta-feira, 31 de julho de 2015
As senhoras que vendiam molhinhos de hortaliça (1)
Ambas pareciam frágeis, pela
idade, seguramente, mais de oitenta anos, mas também pelas mazelas bem
visíveis, uma delas caminhava já muito curvada.
Aparentemente, não têm idade
para vender hortaliças; têm idade para estar em casa e já com algum apoio. Mas
não, continuam a semear, a mondar, a regar, a arrancar e a fazer molhinhos de diferentes legumes
para vender no mercado. Continuam a fazer (até ao limite das forças) o que
sempre fizeram. A fazer o que viram as mães fazer, as vizinhas e todas as
mulheres da sua terra fazer, desde crianças, há sessenta ou setenta anos, mesmo que
depois de tanto trabalho o lucro seja mínimo ou nem sequer seja nenhum.
Encontrei-as já bem ao final da
manhã, quando saia da praça e elas se dirigiam carregadas, cada uma com mais de
dois sacos para junto do contentor de resíduos.
- Têm couves para plantar –
pergunto-lhes?
Começam a tirar do saco molhadas e molhadas de legumes.
- Uma, duas, três, quatro, cinco, seis..., de couves,
repolhos, cebolo..., leve tudo que lhe damos cada
molhada a um euro, nem chega a metade do preço.
quarta-feira, 29 de julho de 2015
Conversa com uma jovem muçulmana (2)
- Não é justo dizer que são os muçulmanos a origem de toda a violência.
- Claro, não são todos os muçulmanos, sabe-se bem. Aqui, em Portugal, alguma vez foste discriminada, olhada de lado, por seres
muçulmana?
- Acho que
não. Pelo menos, não dei conta.
- O que gostarias que os
outros soubessem dos muçulmanos?
- Que têm uma religião diferente,
uma maneira de viver com costumes e tradições diferentes, mas que a maioria luta todos
os dias para viver em paz, tanto com o vizinho da porta ao lado como com os
desconhecidos.
- É o que eu penso, também.
terça-feira, 28 de julho de 2015
Conversa com uma jovem muçulmana (1)
- Olá, falei com a tua
professora, sei que és muito boa aluna.
- É verdade, gosto muito de
aprender e de estudar. Gosto desta escola, dos meus colegas, de tudo.
- Sei que também sabes ler e escrever em árabe.
- Sim, já sei há muito tempo.
Aprendi, quando era criança, para ler o Corão.
- Lês, só quando vais à mesquita
ou também em casa?
- Leio em casa, também.
- Tu rezas sempre em árabe? Deve
ser muito difícil, calculo. Rezas de memória?
- Não, é fácil.Toda a minha família reza assim.
- Sabes, vi na entrada da mesquita desenhos dos meninos que andam na escola corânica e gostei muito,
achei que pensam em coisas bonitas…
- Eu não desenho bem, tenho pouco
jeito
- Não acredito. E cantar, também
sabes cantar em árabe?
- Sei cantar, canto em casa e também canto na escola da mesquita.
- Fala-me da mesquita aonde vais.
- Sei cantar, canto em casa e também canto na escola da mesquita.
- Fala-me da mesquita aonde vais.
- A mesquita é um lugar sagrado,
um lugar puro, por isso é preciso lavar
os pés, as mãos, para irmos limpos lá para dentro.
- Vou para a parte de cima da mesquita com a minha mãe, onde estão as senhoras. Os homens ficam em baixo.
- Sim, sei que há divisões. Pensas que muitas pessoas de outras religiões conhecem a tua religião ou que poucas a conhecem?
- Penso que são poucas e algumas pensam mal de nós; pensam coisas que não são boas.
- Sim, sei que há divisões. Pensas que muitas pessoas de outras religiões conhecem a tua religião ou que poucas a conhecem?
- Penso que são poucas e algumas pensam mal de nós; pensam coisas que não são boas.
- É verdade, ficas triste quando
ouves na televisão falar dos terroristas islâmicos?
- Fico triste, mas não compreendo bem.
- Quase ninguém compreende, eu também não.
- Fico triste, mas não compreendo bem.
- Quase ninguém compreende, eu também não.
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quinta-feira, 23 de julho de 2015
Campo desminado
Arame farpado,
Perigo de minas, destruição e morte.
(não
entende, não pode entender)
Desapareceu o arame,
Desminaram o campo.
Cresceram as flores,
Podaram as árvores,
Semearam a terra,
Colheram os frutos.
É a paz menino! É a paz!
(agora
entende, agora pode entender)
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Discriminações
Sejam de que natureza for: raça, etnia,
género, orientação sexual, deficiência, idade..., qualquer discriminação é inaceitável. Ninguém pode
ser discriminado, por não ser igual à maioria.
Entre nós, e em todos as
sociedades civilizadas, democráticas, abertas e plurais, a lei condena todas as
formas de discriminação. "Somos todos iguais", declara-se no 1º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Mas não chega a existência de leis é preciso sensibilidade, consciência; dar o devido valor a cada ser humano. A questão é, portanto, de valores, de atitudes, de formação cívica. É uma questão de dignidade humana: cada um ser reconhecido e respeitado na sua individualidade.
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segunda-feira, 20 de julho de 2015
Sabedoria popular, provérbios
- A união do rebanho obriga o leão a ir dormir com
fome.
- Ninguém pode despir um homem nu.
- Se crias uma serpente, serás o primeiro a quem ela
morde.
- Se ouves falar mal do teu amigo, escuta como se
tratara de ti.
- Quem deu à luz um monstro está obrigado a
amamentá-lo.
Provérbios africanos
sábado, 18 de julho de 2015
A flor que veio de longe
A flor nasceu e cresceu num canteiro do jardim da
escola. Ela e as irmãs vivam felizes. Gostavam das brincadeiras dos meninos, do
calor do sol e da sombra da tília nas tardes quentes de Verão. Mas um dia a
escola fechou, os meninos deixaram de aparecer, ninguém mais regou as flores e
elas começaram a ficar tristes e a secar.
- Ai se alguém nos viesse salvar! Precisamos de
ajuda – pediam as flores!
Como há sempre fadas boas a ouvir os pedidos, na
manhã seguinte, apareceu um jardineiro da Câmara que as arrancou com cuidado e
as pôs na parte de trás de uma carrinha. A flor foi levada, juntamente com a mãe
e algumas irmãs (as que ainda não estavam murchas), para outro lugar para aí ser de novo plantada. Está triste e
sem forças, mudou de terra, de jardim, de cidade..., e, quando foi arrancada, as
suas raízes partiram-se bastante e algumas folhas amareleceram e caíram. Já não
é a mesma, tudo lhe dói. Até a estaca que lhe puseram para a ajudar a manter-se
direita a incomoda.
- Estou mal, esta terra não é igual à minha, sinto
tudo tão estranho! Para onde ficará a terra de onde vim? Será para o Sul ou
para o Norte? Terei atravessado o rio ou as montanhas?
Não sabe. Como estava cheia de dores nunca levantou
a cabeça, durante a viagem, para olhar a paisagem. Não sabe, mas imagina que
veio de longe, lembra-se de ter passado muito tempo e de ter sentido fome e
sede, e também porque o tempo, aqui, não é o mesmo, faz muito frio. Quando
estiver melhor vai querer passear e descobrir este novo lugar.
Às vezes, diz à mãe:
- Não me sinto lá muito bem! Tenho saudades de lá!
- Filha, vais ficar outra vez forte, bonita e cheia de saúde. Quando chegar a Primavera, terás folhas e pétalas novas. Os dias difíceis dos primeiros tempos vão passar, vais aprender coisas novas, encontrar amigos, ser convidada para as festas de anos, os bailes de domingo, o coro do jardim e a vida voltará a ser feliz para ti.
- E depois, mãe, sou daqui ou de lá?
- És daqui e de lá – repete-lhe a mãe, enquanto lhe canta baixinho uma canção que fala da terra de onde vieram.
- Não me sinto lá muito bem! Tenho saudades de lá!
- Filha, vais ficar outra vez forte, bonita e cheia de saúde. Quando chegar a Primavera, terás folhas e pétalas novas. Os dias difíceis dos primeiros tempos vão passar, vais aprender coisas novas, encontrar amigos, ser convidada para as festas de anos, os bailes de domingo, o coro do jardim e a vida voltará a ser feliz para ti.
- E depois, mãe, sou daqui ou de lá?
- És daqui e de lá – repete-lhe a mãe, enquanto lhe canta baixinho uma canção que fala da terra de onde vieram.
sexta-feira, 17 de julho de 2015
Vítimas de grupos armados, sequestros
“Fui sequestrada (pelo exército de Resistência do senhor)
quando eu e a minha mãe íamos para o campo…Outra das meninas sequestradas
procurou escapar, mas apanharam-na. Os rebeldes disseram-nos que tinha tentado
fugir e por isso devia morrer. Mandaram os meninos mais novos matá-la. Disseram-nos
que se tentássemos fugir matariam as nossas famílias. Fizeram-nos caminhar uma
semana… Algumas das crianças mais pequenas não puderam acompanhar o passo, caminhávamos
muito sem descansar, e mataram-nos.. Algumas das crianças morreram de fome.
Senti-me impotente a ver tantas crianças a ser assassinadas. Pensei
que me iam a matar.”
(É o caso de uma criança do
Uganda, nos anos oitenta do século passado, mas hoje mesmo, 2015, o sequestro é um acontecimento banal.O Boko Haram, na Nigéria, acaba de o fazer, mas há muitos mais grupos terroristas que o fazem ).
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quarta-feira, 15 de julho de 2015
Génesis, a exposição
Visitei a exposição de Sebastião Salgado, e gostei muito. Não posso dizer que tenha sido surpreendida, de algum modo, conhecendo outros trabalhos do autor, esperava o que vi. Há uma qualidade e uma essência nas fotografias que chega e ultrapassa a mera observação. Salgado mostra, denuncia, propõe, compromete...
Para mim são particularmente tocantes os rostos. O que dizem os rostos de Sebastião Salgado? Ninguém sabe. Dizem tudo.
Para mim são particularmente tocantes os rostos. O que dizem os rostos de Sebastião Salgado? Ninguém sabe. Dizem tudo.
terça-feira, 14 de julho de 2015
Voltando aos ditadores (4)
Mas vem um dia e a justiça aparece, no caminho do ditador. É acusado e detido em Londres, ficando em prisão domiciliária
numa mansão nos arredores da cidade.
Abrem-se noticiários, formam-se movimentos a favor e
contra, o próprio governo chileno empenha-se para que ele não seja extraditado
para Espanha e seja julgado no Chile. A senhora Thatcher visita-o, intercede por ele. Todos
se movimentam; a novela dura mais dum ano, até que,
finalmente, depois de revogações e nova sentença, surge o veredicto: Pinochet
vai de volta ao Chile.
O argumento da sua debilidade física e mental, do seu
precário estado de saúde, parece sortir efeito. Contudo, não convenceu e foi
desmentido, logo que o senhor pisa solo chileno. Levanta-se leve e fresco para
abraçar os companheiros de sempre. Os que acreditaram na sua doença, devem estar roídos de fúria; foram bem enganados.
(a justiça seguiu os seus trâmites)
domingo, 12 de julho de 2015
Voltando aos ditadores (3)
O mesmo telejornal que mostrava estudantes a serem massacrados e mortos nas ruas de Santiago, mostrava também o ditador a assistir à missa. Não parece aceitável, para nenhum católico, ver a igreja bajular e dar a comunhão a criminosos.
Não sei se eles sabem, mas eu sei que Deus está zangado
com todos “Pinochets” deste mundo, só pode estar, mesmo que alguns tenham
financiado a construção de igrejas, templos e catedrais - sim, que estes
senhores usam descaradamente a religião, porque sabem que a instituição nunca diz não aos poderosos - o que se passou e ainda se passa na América Latina
é intolerável. Uns quantos, poucos, com tudo e todos os outros, muitos, sem
nada.
(agora, parecem soprar novos ventos)
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sábado, 4 de julho de 2015
Voltando aos ditadores (2).
Como se podem perdoar os ditadores que, ao longo
da história da humanidade, foram autores e mandantes das chacinas mais brutais e
horrendas? Não se pode, evidentemente. Mesmo, analisando todas as circunstâncias, contextos e situações, não se encontram razões para justificar os seus atos.
Talvez o caso limite seja Hitler e o nazismo, mas há (e houve) outros: Fidel Castro, Mugabe, Hussein, Kadafi,
Miloseviche e muitos, muitos, outros, em todos os continentes.
Todos têm uma ânsia infindável de poder; fazem o que for preciso para o manter. Formam exércitos, constroem castelos, palácios, bunkers...; compram iates, aviões..., colocam rios de dinheiro em paraísos fiscais e, enquanto isso, o povo, o seu povo, vai definhando na pobreza, na ignorância na falta de todos os direitos.
Todos têm uma ânsia infindável de poder; fazem o que for preciso para o manter. Formam exércitos, constroem castelos, palácios, bunkers...; compram iates, aviões..., colocam rios de dinheiro em paraísos fiscais e, enquanto isso, o povo, o seu povo, vai definhando na pobreza, na ignorância na falta de todos os direitos.
sexta-feira, 3 de julho de 2015
Voltando aos ditadores (1)
“Como me podem querer mal, como me podem odiar, como
me podem querer julgar, eu um homem bom que fiz tudo pelo meu país! Amei o
Chile, amei-vos a todos, sempre trabalhei por vós e para vós, meu Deus que
injustiça” - gritava o ditador, julgando o mundo todo contra ele.
Nem todo o mundo estava contra ele, mas
devia estar, acontece que há países, como há homens, que
batem palmas aos sacanas. Qualquer ditador é um sacana, venha de onde vier, da direita, da esquerda, de qualquer que seja a ideologia. Todos, perdida a razão e o
respeito pelos outros, impõem o medo e o terror da lei, da sua lei.
Julgam-se iluminados, mas não há nenhum desígnio divino, apenas vontade humana. Alguém os suporta e mantém no poder. Estão ao serviço de interesses, de fações e de bens particulares. Não venham falar de bem comum, de justiça, de amor ao povo... Não podem.
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quinta-feira, 2 de julho de 2015
O velho e a jovem (4)
- Ninguém me entende, sabem apenas criticar-me.
- Eu, já não sirvo para nada, a minha vontade já não
conta. Sinto-me humilhado e nada é pior do que isso.
Enquanto ela rejeita a família, no caso dele foi a família que o rejeitou. Não é mesma coisa. O abandono dos velhos e a rebeldia dos adolescentes juntam duas criaturas na noite, de uma qualquer cidade, mas não chega a ser um encontro, cada um seguirá o seu caminho.
Enquanto ela rejeita a família, no caso dele foi a família que o rejeitou. Não é mesma coisa. O abandono dos velhos e a rebeldia dos adolescentes juntam duas criaturas na noite, de uma qualquer cidade, mas não chega a ser um encontro, cada um seguirá o seu caminho.
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quarta-feira, 1 de julho de 2015
O velho e a jovem (3)
Também ela se comoveu, pela primeira vez, fala com
ternura na voz, com um misto de surpresa e dó. Afinal, ele parecia sofrer tanto
ou mais do que ela.
- Eu sou a Cláudia, queres vir passear comigo? Anda,
levo-te para uma casa já fora da cidade onde vive uma amiga minha e onde às
vezes costumo ficar. Anda, vem, vem ...
Arrastado por ela, o velho deixa-se conduzir para fora
da estação, sem perguntas mas observando e pensando sempre.
Pela primeira vez, o velho fala:
- Chamo-me João - fez de novo silêncio - Tu saíste, eu
fui posto fora de casa.
- Mas eu não quero viver na rua - grita ela.
- Eu também não quero viver num lar - diz ele.
Cláudia, ora corria, ora parava, ora dizia coisas
sem sentido, ora ria e chorava ao mesmo tempo. A confusão de alguém que sente
raiva e culpa por uma liberdade que quer, e julga ter conseguido, mas que não
lhe serve para nada, antes, a maltrata e prejudica.
Cláudia parece não ser capaz de cuidar de si, hoje,
como em muitas outras noites, terminará no beco de sempre, prostituindo-se e
consumindo haxixe. O velho pressente a situação mas não é capaz de dizer
nada. Não é capaz. Que coisa é essa que o impede de dizer seja o que for, ao
mesmo tempo que se questiona: "para que quer
Cláudia a liberdade se não é capaz ou não pode ser livre"?
- Eu sei que se pegar no telefone e disser onde estou, voltarei, ainda hoje, para casa - diz a jovem.
Sabe isso, mas sabe também que de novo voltará
a fugir sem saber de quê ou de quem. Ele, ao contrário, sabe que não vai pegar
no telefone, nem voltar para casa. Ninguém o espera.
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terça-feira, 30 de junho de 2015
O velho e a jovem (2)
Por fim o velho fala:
- Vivia há muito com o meu filho - cala-se, fixa o
chão... - e também há muito deixei de sentir a sua ajuda, de sentir o cuidado de
alguém. Hoje deixei também de ter espaço, deixei de ter espaço ... - repetia o
velho de aspecto cada vez mais ausente.
Tinham-lhe desfeito a cama, feito as malas e ocupado o
quarto. Iria viver para um lar de idosos, onde fora inscrito contra a sua
própria vontade.
Era demais. Insuportável. Pegou num pequeno embrulho
que há muito guardava numa gaveta da cómoda e saiu. Não deixou nada escrito,
não se despediu de ninguém, simplesmente saiu de casa, da casa que era dele.
Olhando aquela adolescente, que podia ser sua neta,
pensava: "Que sociedade é esta, em que não há lugar para os
velhos e em que as crianças fogem de casa?. Que vida familiar é esta que exclui
os velhos e não tem tempo para ajudar os filhos a crescer? Que mundo é este em
que todos estamos sozinhos, apesar das multidões e do excesso de comunicação"?
O velho não foi capaz de conter as suas emoções e
revelar os seus sentimentos. Sem querer começou a chorar.
- Estás a chorar? - diz-lhe a jovem, olhando-o e
tocando-lhe no rosto.
Também ela se comoveu, pela primeira vez, fala com
ternura na voz, com um misto de surpresa e dó, afinal ele parecia sofrer tanto
ou mais do que ela.
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segunda-feira, 29 de junho de 2015
O velho e a jovem (1)
(a propósito de um filme ou documentário, já não recordo bem)
Um velho vagueia pela cidade. É noite e um frio intenso invade-lhe o corpo e a alma. Cansado, senta-se num
banco da quase deserta estação de comboios.
Cabeça baixa, segura contra o corpo um embrulho que
guarda como se fosse a última coisa que lhe resta. O velho está só. Sofre num
silêncio que magoa quem o observa, disfarçando a custo as lágrimas que
teimosamente lhe caem no rosto. De olhos semi-cerrados parece passar em revista
toda a sua vida, todo o seu sofrimento.
De repente, de dentro dos arbustos do pequeno jardim
contíguo à estação, sai uma jovem mulher, quase criança, fugindo de uns
polícias.
Grita, abraçando-se ao velho:
- Avô, avô, que bom encontrar-te. Este é o meu avô -
diz, dirigindo-se a um dos polícias.
Ele não entende. Não podia entender, mas sente que
aquela criança precisa ajuda. Entra no jogo e corresponde ao abraço e ao
cumprimento da “neta”. Abraçados permanecem unidos por alguns instantes,
enquanto os polícias, embora desconfiados, se vão afastando na direcção
contrária à estação.
- Tenho treze e é a 4ª vez que fujo de casa. Desta vez
não volto, não volto mais - repetia como que convencendo-se a si própria de
algo que não estava segura viesse a acontecer -mas também não quero ficar na
rua - continuava - leva-me para tua casa, preciso de alguém que goste de mim.
- A rua é perigosa - diz o velho, meio a perguntar,
meio a afirmar, remetendo-se a um silêncio perturbador. Também ele estava na
rua, também ele precisava de casa e de alguém que gostasse dele.
- Fala, diz alguma coisa, vais viajar? Aonde vais?
Sabes porque é que a “bófia” me queria apanhar? Porque não perguntas nada?
O velho aturdido pensava «não vou para parte nenhuma
ou talvez vá até ao fim de mim mesmo». Nada é mais inevitável que o fim e ele
pressentia-o.
- Caraças, não percebo, não dizes nada? Não falas?
Olha, já jantaste? Queres jantar?
Duas razões, dois discursos, provavelmente diferentes
sentimentos, mas duas vidas cruzadas na mesma situação: uma jovem ainda menina
e um adulto já velho vagueando pela cidade, sem casa e, aparentemente, sem
família e sem saída.
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sábado, 27 de junho de 2015
A cabana do Pai Tomás, o livro
Pai Tomás era um homem invulgar. Escravo e negro
percebeu desde cedo que a sua luta era, antes de mais, interior. Lutar para
encontrar respostas para uma vida mais justa, sem raiva nem violência. Não
usava armas, não dizia palavrões, não se revoltava de forma violenta, antes,
levava consigo um compromisso de vida: ser amigo de todos, chegar a comover os
mais poderosos apenas com o exemplo do seu trabalho e da sua vida.
Quando o dono da fazenda de algodão, em que trabalhava, era querido e respeitado por todos, o teve de vender, partiu de coração
doído, mas sem chorar, sem se lastimar, sem deixar de pensar que a grandeza dos
homens está naquilo que eles de facto são e não naquilo que os poderosos deste
mundo fazem deles.
O patrão - um homem bom - tentou vendê-lo a alguém que
o merecesse, mas não foi possível. No mercado de escravos, em que os homens são
mercadoria, vale, como em todo o comércio, a lei da concorrência e ganha a partida
quem dá mais. Vendido a um comerciante de escravos sem escrúpulos, foi
embarcado num barco que o levaria a uma plantação distante e desconhecida.
“Voltaria a ver a família, a mulher e os filhos?
Voltaria a sentir os cheiros e as paisagens em que nascera?” - pensava,
retirado a um canto do barco, lendo a Bíblia - aparentemente, o único bem
material que possuía, uma vez que não era dono nem do seu corpo, nem da sua vida.
Mas, era dono do seu pensamento e até dos seus sentimentos
- procurava entender a coisas e amava as pessoas. Entender porque é que há
escravos e senhores? Porque é que a liberdade dos escravos tem de ser comprada
se eles nada têm ? Suprema ironia e desumanidade.
(o livro de Harriet Beecher Stowe, foi publicado em 1852)
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sentimentos
sexta-feira, 26 de junho de 2015
Discurso final de Charles Chaplin no filme "O grande Ditador” - Parte 2
- "Soldados não vos entregueis a esses homens brutos que vos desprezam e vos tratam como escravos; homens que
governam as vossas vidas, decidem os vossos actos e os vossos pensamentos; domesticam-vos, tratam-vos como animais e utilizam-vos como carne para canhão.
Não vos coloqueis nas mãos desses homens anti naturais, desses homens máquinas,
com coração de máquinas.
Vós não sois máquinas! Não sois
animais! Sois homens! Levais o amor e a humanidade nos vossos corações. Não
odieis. Só os que não são amados odeiam. Os que não são amados e os anormais...
soldados não combatais pela escravatura, combatei pela liberdade.
No capítulo 17 do Evangelho
segundo São Lucas lê-se: “O reino de Deus está no próprio homem”, não num único
homem, não num único grupo de homens, mas em todos os homens e vós, vós, sois o
povo, tendes o poder para criar máquinas, o poder para criar a felicidade. Vós,
o povo, tendes o poder para criar a vida livre e esplêndida ... para fazer
dessa vida uma radiante aventura.
Então, em nome da democracia,
utilizemos esse poder... Unamos-nos todos, lutemos por um mundo novo, um mundo
limpo que ofereça a todos a possibilidade de trabalhar, que dê à juventude um
futuro e que proteja os velhos da miséria".
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quinta-feira, 25 de junho de 2015
Discurso final de Charles Chaplin no filme “O grande Ditador” - Parte 1
Para quem não
viu o filme, uma nota sobre a situação: uma imensidão de soldados, todos bem
alinhados e atentos, espera o discurso do grande ditador (Hitler,
evidentemente). Em vez disso aparece Charlot (que devido à semelhança física fora
confundido) que faz este brilhante discurso sobre os direitos humanos, falando de
respeito, de liberdade, de progresso, de justiça e de democracia.
O caminho da vida podia ser livre
e magnífico, mas perdemos esse caminho. A voracidade envenenou a alma dos
homens, rodeou o mundo num círculo de ódio e fez-nos entrar na miséria e no
sangue.
Melhorámos a velocidade, mas somos
escravos dela, a mecanização que traz consigo a abundância afastou-nos do
desejo. A ciência tornou-nos cínicos e a inteligência duros e brutais, pensamos
em excesso e não sentimos o bastante.
Temos mais necessidade de
espírito humanitário que de mecanização. Necessitamos mais de amabilidade e
simpatia do que de inteligência. Sem estas qualidades, a vida só pode ser violenta
e tudo está perdido.
A aviação e a rádio
aproximaram-nos uns dos outros, mas a própria natureza destes inventos requeria
a bondade do homem e reclamava a fraternidade universal para a união de todos.
Neste momento, a minha voz chega a milhares de seres oprimidos espalhados pelo
mundo. Aos que podem compreender-me lhes digo:
- Não desespereis, a desgraça que caiu sobre nós não é mais que o resultado do apetite feroz da amargura de uns homens que temem o caminho do progresso humano. O ódio dos homens passará, os ditadores morrerão e o poder que usurparam ao povo voltará ao povo".
- Não desespereis, a desgraça que caiu sobre nós não é mais que o resultado do apetite feroz da amargura de uns homens que temem o caminho do progresso humano. O ódio dos homens passará, os ditadores morrerão e o poder que usurparam ao povo voltará ao povo".
-
quarta-feira, 24 de junho de 2015
A casa tropical, o documentário
São casas construídas, no pós II Guerra Mundial, em cidades africanas, como Brazaville (Congo) ou Niamey (Níger) que nos colocam uma importante interrogação sobre o tempo. Casas que, passados mais de cinquenta anos, já muito degradadas e desfiguradas, foram compradas, desmontadas, peça a peça, metidas em contentores e levadas para o 1º mundo para serem transformadas em obra de arte. São agora exibidas em Paris, Roma, Nova Yorque.
Discutia-se: - são ou não património do Congo e do Níger? Devem voltar a estes países? Têm estes países alguma noção de património, de passado histórico? Alguma noção da importância de preservação do passado? Ao limite, têm noção de passado?
São os próprios a responder. A antiga proprietária da casa de Brazaville acha que ainda bem que a sua "casa" (que um francês lhe comprou e pagou bem, tirando-a da miséria) seja agora obra de arte que todos admiram, está certa de que se tivesse ficado teria sido completamente destruída.
Um artista local diz: - os africanos não preservam o passado, não precisam do passado.
Não compreendo. Compreendo que, se alguém vive na mais extrema pobreza, não se interesse por guardar as pedras ou os ferros do edifício histórico, se precisa delas para fazer um muro; compreendo que utilize a casa/o monumento para viver, guardar o gado ou o que seja; compreendo que, se alguém vive obcecado com a comida desse dia, não tenha como preocupação preservar marcas da história. Mas estas pessoas hão-de ter alguma noção de passado, porque ninguém escolhe ter ou não memória, temos memória. Temos passado, mesmo que não saibamos que vozes o habitam, que imagens, que antepassados ou deuses eternos o povoam. Não sabemos, mas eles sabem. É o tempo de cada um, subjectivamente vivido e pensado de que não podemos objectivamente falar. Um tempo que existe sem precisar de qualquer marca visível.
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sábado, 20 de junho de 2015
Convites para a festa dos direitos humanos
Há vários meses que trabalhavam afincadamente para que tudo estivesse
pronto e em ordem, no dia da festa. Estão na recta final. Hoje, é preciso
entregar os convites.
A Ana, tal como todos os colegas, tinha vários para entregar. Bateu à
porta do vizinho, um menino indiano, que vivia na casa ao lado, mas com quem
nunca tinha falado, para além do "bom dia" e "boa tarde",
que dizemos por educação e cortesia às pessoas que conhecemos ou com quem nos
cruzamos. Desta vez, não podia deixar de o convidar, estava convencida que ele
iria querer participar nesta grande festa dos direitos humanos.
Bateu também à porta da amiga com quem costuma jogar futebol, aos
fins-de-semana. Tinham decidido, e iriam cumprir, um importante lema: “Ninguém
fica à porta, ninguém fica de fora”. Não importa a cor da pele, se é rico ou
pobre, branco, preto ou amarelo, se tem uma religião ou uma cultura diferentes.
Todos vão poder participar.
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quinta-feira, 18 de junho de 2015
Árvores eternas...
Muitas vezes, ao atravessarmos certas regiões de África, invade-nos um sentimento de contingência, de precariedade, como se as areias, os ventos, as brumas, o calor, o sol e a chuva se combinassem para eternizar o presente e a necessidade de um contínuo recomeço.
Só as árvores parecem eternas, lá, onde estão, cumprindo um destino. São eternos os coqueiros que guardam, de muito alto, a baía de Inhambane, à saída do barco, em Maxixe. São eternos os cajueiros, de enormes copas, quase tocando o chão, que vislumbramos pelos vidros do autocarro, pelas estradas de Gaza; são eternas as altas e frondosas mangueiras, carregadas de mangas, que passam de verdes a amarelas e vão caindo de maduras, no recreio do Instituto São José, em Inhambane ; são eternas as acácias vermelhas que sobem por cima dos telhados no pátio dos salesianos, em Maputo. São eternos os olhares que olham as árvores. Há uma eternidade em cada instante, por mais breve que seja.
Só as árvores parecem eternas, lá, onde estão, cumprindo um destino. São eternos os coqueiros que guardam, de muito alto, a baía de Inhambane, à saída do barco, em Maxixe. São eternos os cajueiros, de enormes copas, quase tocando o chão, que vislumbramos pelos vidros do autocarro, pelas estradas de Gaza; são eternas as altas e frondosas mangueiras, carregadas de mangas, que passam de verdes a amarelas e vão caindo de maduras, no recreio do Instituto São José, em Inhambane ; são eternas as acácias vermelhas que sobem por cima dos telhados no pátio dos salesianos, em Maputo. São eternos os olhares que olham as árvores. Há uma eternidade em cada instante, por mais breve que seja.
terça-feira, 16 de junho de 2015
Redistribuição ou reconhecimento?
A discussão contemporânea sobre a justiça, pelo menos no campo da reflexão filosófica e política, situa-se muito entre os que entendem que a justiça distributiva, na linha da moral kantiana, responde a todas as questões da distribuição justa dos bens sociais, por se tratar de princípios universais; e os que entendem que isso é impossível sem o reconhecimento dos indivíduos concretos, das suas identidades, práticas culturais e objectivos específicos, impossíveis de universalizar.
Tratar estas perspectivas como antagónicas, leva a criar pólos que se opõem em vez de criar possibilidades de alguma conciliação. O ponto é saber como pode isso ser feito. a questão é: como conciliá-las em vez de as colocar em oposição?
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terça-feira, 9 de junho de 2015
Globalização, a difícil realidade
Aparentemente, nunca foi tão fácil conhecer e interagir
com outros povos e outras pessoas e, portanto, estabelecer contactos e relações
interculturais. Seria assim, se todos os saberes estivessem vagueando nas redes
de informação virtual e se todos os que querem e procuram conhecer outras
culturas, tivessem acesso a um computador e dominassem as técnicas
informáticas.
Ora, não é isso que acontece. Há milhões de seres humanos
excluídos deste processo de globalização, sem possibilidade de qualquer
interacção a nível global. E mesmo para aqueles que têm acesso e dominam a
técnica, não é seguro que o excesso de informação se traduza num maior
conhecimento cultural, não, apenas, porque é necessário ter adquirido qualidades
intelectuais que lhes permitam aprender – capacidade de contextualizar a
informação, de interpretá-la, de torná-la sua… – mas, ainda, porque escapa à
voragem informática a complexidade e a riqueza de todos os processos humanos, nas
suas dinâmicas de sobrevivência, de resistência e de desenvolvimento que o
viver local dos diferentes grupos supõe e envolve.
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quinta-feira, 4 de junho de 2015
Desenvolvimento sustentável
Um desenvolvimento que dê prioridade à educação, que aposte na valorização pessoal e social das pessoas através da educação e formação. Um desenvolvimento que ponha o local e suas potencialidades à frente de outros interesses.
Coisas simples, de
bom senso, poderiam ser feitas, por exemplo, se em determinada região do mundo
a base da alimentação é o milho ou o arroz, porque se hão-de plantar apenas café
ou bio-combustíveis, produtos sujeitos a especulações bolsistas que, não raro,
afectam quem produz e quem vende. Melhor, produtos que assegurem a subsistência.
Também, um desenvolvimento científico e técnico equilibrado. Se não há conhecimentos para operar
determinada máquina, porque se investem milhões nela, se sabemos que irá ficar
parada, à mínima avaria. A ideia deve ser, sempre, a de um desenvolvimento capaz de criar sustentabilidade, em vez de acentuar ruturas, com capacidade de lançar novos desafios, ancorados em objectivos já
alcançados, para que o progresso não se transforme numa mera ilusão.
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sábado, 30 de maio de 2015
O pianista, o filme
É o relato de um
sobrevivente, de alguém que perdeu toda a família, passou o inimaginável para sobreviver, mas nunca vendeu a alma. É sobre uma pessoa
real, Szpliman, que, na altura do filme, em 2000, ainda vivia em Varsóvia.
Talvez, o que mais perturbe sejam as
cenas de humilhação, quando se perde completamente a capacidade de autonomia (ainda que, em rigor possamos dizer que tudo era humilhante), como a cena da dança, à saída do gueto, os judeus dançavam para os guardas, que troçavam, riam, voltavam a rir…; ou as cenas de sobrevivência, como quando um grupo de pessoas tenta roubar uma panela de sopa das mãos de uma senhora; ela foge, a sopa entorna-se, e aquelas pessoas lambem do chão, tudo, até ao mínimo
resto de alimentos. Também a cena da criança que grita desesperadamente em casa, a certa altura, sai por um buraco para a rua, mas é tal seu estado que morre, ali, à nossa frente.
Foi o mesmo desespero por comida que levou o pianista, quando estava refugiado numa casa e a pessoa que devia levar-lhe alimentos não pode fazê-lo, tal a dimensão do tiroteio em Varsóvia, a procurar alimentos por todo o lado, a abrir portas de armários, a fechar portas, procurando alguma coisa que pudesse comer. Quando finalmente encontra uma lata, agarra-a com tanta força que a lata cai no chão, espalha-se a farinha e o barulho é tal que os vizinhos chamam a polícia e o pianista é preso.
Também, há no filme encontros humanos muito bonitos: os polacos não judeus que resolvem ajudar os judeus a sobreviver, a organizar a resistência no gueto, etc. Há um encontro particularmente improvável de um soldado alemão que encontra o pianista, fugindo e escondendo-se. Olha-o e pergunta-lhe:
- Quem é você?
- Sou pianista, eu era pianista.
Há um clic qualquer no SS que resolve ajudá-lo. Depois do cerco a Varsóvia, este soldado, tal como todos os outros, é preso e lavado pelos russos para um campo de prisioneiros. Um dia viu, ao longe, um rapaz que gritava:“eu era violinista, tiraram-me tudo".
Lembrou-se do pianista, levantou-se, afastou-se do grupo e disse ao violinista:
- Conhece Szpliman?
Foi o mesmo desespero por comida que levou o pianista, quando estava refugiado numa casa e a pessoa que devia levar-lhe alimentos não pode fazê-lo, tal a dimensão do tiroteio em Varsóvia, a procurar alimentos por todo o lado, a abrir portas de armários, a fechar portas, procurando alguma coisa que pudesse comer. Quando finalmente encontra uma lata, agarra-a com tanta força que a lata cai no chão, espalha-se a farinha e o barulho é tal que os vizinhos chamam a polícia e o pianista é preso.
Também, há no filme encontros humanos muito bonitos: os polacos não judeus que resolvem ajudar os judeus a sobreviver, a organizar a resistência no gueto, etc. Há um encontro particularmente improvável de um soldado alemão que encontra o pianista, fugindo e escondendo-se. Olha-o e pergunta-lhe:
- Quem é você?
- Sou pianista, eu era pianista.
Há um clic qualquer no SS que resolve ajudá-lo. Depois do cerco a Varsóvia, este soldado, tal como todos os outros, é preso e lavado pelos russos para um campo de prisioneiros. Um dia viu, ao longe, um rapaz que gritava:“eu era violinista, tiraram-me tudo".
Lembrou-se do pianista, levantou-se, afastou-se do grupo e disse ao violinista:
- Conhece Szpliman?
- Sim.
- Diga-lhe que estou aqui.
Mas, quando Szpilman o procurou, no campo de prisioneiros, depois de ter tido conhecimento do sucedido, percebeu que o campo tinha sido desmantelado e que esse soldado já não estava vivo.
- Diga-lhe que estou aqui.
Mas, quando Szpilman o procurou, no campo de prisioneiros, depois de ter tido conhecimento do sucedido, percebeu que o campo tinha sido desmantelado e que esse soldado já não estava vivo.
O filme é em sua memória
e em memória dos judeus mortos
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II guerra mundial
sábado, 23 de maio de 2015
Violência, uma vez mais
Pode legitimar-se a violência? Não pode, venha de onde vier e tome a forma que tomar.
Podemos atribuir as causas às desigualdades
sociais, à miséria, às doenças e desequilíbrios mentais, à sucessão de fracassos em que tantas vidas se transformaram, mas não chega. A violência está em nós, precisamos de nos vigiar continuamente.
Sucedem-se assaltos, crimes,
agressões..., a violência tornou-se geral e quase banal, embora ainda não o seja totalmente, ainda se
abrem telejornais com noticias enquadradas na lógica
de uma sociedade livre, democrática, de direito e com a consciência cívica de que é preciso fazer alguma coisa.
É preciso indignação contra a violência, não a aceitar como
inevitável, não fechar os olhos, o que aconteceu em Salvaterra, o que aconteceu em Guimarães e o que acontece todos os dias em tantos lados, diz-nos respeito, também é connosco.
quinta-feira, 7 de maio de 2015
A rigidez das leis, a justiça social
"Não vê a minha situação, não me deixa explicar, diz-me
que não pode fazer nada, que a lei não o permite” - diz a senhora que acaba de sair do gabinete em frente. Referia-se à assistente
social, com quem tinha acabado de falar, depois de ver esgotado o subsídio de
desemprego. Ao ouvir esta
senhora que, no seu sentido comum de justiça, acabara de (d)enunciar toda a
conflitualidade do campo prático: entre a universalidade da lei e a pessoa
concreta, penso na necessidade de encontrar respostas que conciliem a rigidez das normas com a solicitude das pessoas singulares.
Nessa mesma manhã, assisti a uma sucessão de situações da mesma natureza, portanto, é bem visível, no quotidiano social, o impacto da crise económica que estamos a viver.
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