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segunda-feira, 29 de junho de 2015

O velho e a jovem (1)

(a propósito de um filme ou documentário, já não recordo bem)
Um velho vagueia  pela cidade. É noite e um frio intenso invade-lhe o corpo e a alma. Cansado, senta-se num banco da quase deserta estação de comboios. 
Cabeça baixa, segura contra o corpo um embrulho que guarda como se fosse a última coisa que lhe resta. O velho está só. Sofre num silêncio que magoa quem o observa, disfarçando a custo as lágrimas que teimosamente lhe caem no rosto. De olhos semi-cerrados parece passar em revista toda a sua vida, todo o seu sofrimento.
De repente, de dentro dos arbustos do pequeno jardim contíguo à estação, sai uma jovem mulher, quase criança, fugindo de uns polícias.
Grita, abraçando-se ao velho:
- Avô, avô, que bom encontrar-te. Este é o meu avô - diz, dirigindo-se a um dos polícias.
Ele não entende. Não podia entender, mas sente que aquela criança precisa ajuda. Entra no jogo e corresponde ao abraço e ao cumprimento da “neta”. Abraçados permanecem unidos por alguns instantes, enquanto os polícias, embora desconfiados, se vão afastando na direcção contrária à estação.
- Tenho treze e é a 4ª vez que fujo de casa. Desta vez não volto, não volto mais - repetia como que convencendo-se a si própria de algo que não estava segura viesse a acontecer -mas também não quero ficar na rua - continuava - leva-me para tua casa, preciso de alguém que goste de mim.
- A rua é perigosa - diz o velho, meio a perguntar, meio a afirmar, remetendo-se a um silêncio perturbador. Também ele estava na rua, também ele precisava de casa e de alguém que gostasse dele.
- Fala, diz alguma coisa, vais viajar? Aonde vais? Sabes porque é que a “bófia” me queria apanhar? Porque não perguntas nada?
O velho aturdido pensava «não vou para parte nenhuma ou talvez vá até ao fim de mim mesmo». Nada é mais inevitável que o fim e ele pressentia-o.
- Caraças, não percebo, não dizes nada? Não falas? Olha, já jantaste? Queres jantar?
Duas razões, dois discursos, provavelmente diferentes sentimentos, mas duas vidas cruzadas na mesma situação: uma jovem ainda menina e um adulto já velho vagueando pela cidade, sem casa e, aparentemente, sem família e sem saída.