(a propósito de um filme ou documentário, já não recordo bem)
Um velho vagueia pela cidade. É noite e um frio intenso invade-lhe o corpo e a alma. Cansado, senta-se num
banco da quase deserta estação de comboios.
Cabeça baixa, segura contra o corpo um embrulho que
guarda como se fosse a última coisa que lhe resta. O velho está só. Sofre num
silêncio que magoa quem o observa, disfarçando a custo as lágrimas que
teimosamente lhe caem no rosto. De olhos semi-cerrados parece passar em revista
toda a sua vida, todo o seu sofrimento.
De repente, de dentro dos arbustos do pequeno jardim
contíguo à estação, sai uma jovem mulher, quase criança, fugindo de uns
polícias.
Grita, abraçando-se ao velho:
- Avô, avô, que bom encontrar-te. Este é o meu avô -
diz, dirigindo-se a um dos polícias.
Ele não entende. Não podia entender, mas sente que
aquela criança precisa ajuda. Entra no jogo e corresponde ao abraço e ao
cumprimento da “neta”. Abraçados permanecem unidos por alguns instantes,
enquanto os polícias, embora desconfiados, se vão afastando na direcção
contrária à estação.
- Tenho treze e é a 4ª vez que fujo de casa. Desta vez
não volto, não volto mais - repetia como que convencendo-se a si própria de
algo que não estava segura viesse a acontecer -mas também não quero ficar na
rua - continuava - leva-me para tua casa, preciso de alguém que goste de mim.
- A rua é perigosa - diz o velho, meio a perguntar,
meio a afirmar, remetendo-se a um silêncio perturbador. Também ele estava na
rua, também ele precisava de casa e de alguém que gostasse dele.
- Fala, diz alguma coisa, vais viajar? Aonde vais?
Sabes porque é que a “bófia” me queria apanhar? Porque não perguntas nada?
O velho aturdido pensava «não vou para parte nenhuma
ou talvez vá até ao fim de mim mesmo». Nada é mais inevitável que o fim e ele
pressentia-o.
- Caraças, não percebo, não dizes nada? Não falas?
Olha, já jantaste? Queres jantar?
Duas razões, dois discursos, provavelmente diferentes
sentimentos, mas duas vidas cruzadas na mesma situação: uma jovem ainda menina
e um adulto já velho vagueando pela cidade, sem casa e, aparentemente, sem
família e sem saída.
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