Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta sobrevivência. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta sobrevivência. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Os vendedores de missangas

 Olho infinitamente os coqueiros, a praia e o mar do Tofo, Inhambane, Moçambique. Olho esse mar do Índico, vasto, enigmático e desconhecido, como todos os mares; a ondulação pouco forte a desfazer-se em espuma; a limpidez inigualável da água de um azul multicolor, ora carregado, ora mais claro, sempre dourada; e o sol intenso que torna tudo muito luminoso.

Extasiada com a paisagem, ainda não tinha dado por gente, até ver uns miúdos a aproximarem-se. Vendem, aos turistas, pulseiras e colares feitos de conchas e missangas. Um deles mostra-me uma pulseira:

- Vinte meticais, senhora.

- Quinze, e compro duas, uma a cada um.

Hesitam e dizem-me:

- Vamos voltar, cá.

Voltarão, estou certa. Mas, enquanto se afastam, fico a pensar na minha atitude de regatear o preço, menos de um euro! Passado pouco tempo, oiço-os:

 - Senhora, aceitamos.

- Muito bem! Já agora, vou comprar dois colares, um a cada um. Quanto custa um colar?

- Quarenta meticais. Duas pulseiras e dois colares são 110 meticais.  

- É isso, 55 a cada um. São muito bonitos! Sabem quem são os artistas que os fazem?

Dizem não saber. Só sabem que as mães os compram a um senhor para eles venderem na praia. Terminei a manhã, a olhar infinitamente os olhos daqueles meninos, a ver sonhos, desejos e vida por viver. Os coqueiros, a praia e o mar do Tofo ganharam outro sentido. Um sentido que guardo para sempre.


quarta-feira, 24 de junho de 2015

A casa tropical, o documentário

São casas construídas, no pós II Guerra Mundial, em cidades africanas, como Brazaville (Congo) ou Niamey (Níger)  que nos colocam uma importante interrogação sobre o tempo. Casas que, passados mais de cinquenta anos, já muito degradadas e desfiguradas, foram compradas, desmontadas, peça a peça, metidas em contentores e levadas para o 1º mundo para serem transformadas em obra de arte. São agora exibidas em Paris, Roma, Nova Yorque. 
Discutia-se: - são ou não património do Congo e do Níger? Devem voltar a estes países? Têm estes países alguma noção de património, de passado histórico? Alguma noção da importância de preservação do passado? Ao limite, têm noção de passado?
São os próprios a responder. A antiga proprietária da casa de Brazaville acha que ainda bem que a sua "casa" (que um francês lhe comprou e pagou bem, tirando-a da miséria) seja agora obra de arte que todos admiram, está certa de que se tivesse ficado teria sido completamente destruída. 
Um artista local diz: - os africanos não preservam o passado, não precisam do passado.
Não compreendo. Compreendo que, se alguém vive na mais extrema pobreza, não se interesse por guardar as pedras ou os ferros do edifício histórico, se precisa delas para fazer um muro; compreendo que utilize a casa/o monumento para viver, guardar o gado ou o que seja; compreendo que, se alguém  vive obcecado com a comida desse dia, não tenha como preocupação preservar marcas da história. Mas estas pessoas hão-de ter alguma noção de passado, porque ninguém escolhe ter ou não memória, temos memória. Temos passado, mesmo que não saibamos que vozes o habitam, que imagens, que antepassados ou deuses eternos o povoam. Não sabemos, mas eles sabem. É o tempo de cada um, subjectivamente vivido e pensado de que não podemos objectivamente falar. Um tempo que existe sem precisar de qualquer marca visível.