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segunda-feira, 9 de junho de 2014

O trágico da guerra, do terrorismo, do conflito

O trágico na ação aí está. Está no terrorismo talibã que ontem vimos no ataque a um aeroporto de uma cidade paquistanesa,com mais de duas dezenas de mortos; está no conflito israelo-árabe que o Papa, também ontem, procurou de uma forma não política (ainda assim, política) colocar na ordem do dia e numa perspetiva de urgência; está nos conflitos quotidianos que vivemos sempre que as regras chocam de frente com as convicções. Conhecemos isto desde os gregos. No conflito que opõe Antígona ao tio, na tragédia de Sófocles, a oposição é entre o puro respeito à lei e a convicção íntima de que enterrar os mortos é parte da dignidade humana, e isso é anterior a qualquer legalidade. Como resolver o conflito? Continuar a extremar posições, não leva a nenhuma solução. Isto serve para os conflitos de hoje. Para todos os conflitos.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

A propósito da nova coroação real, em Espanha

Por que é que há reis e rainhas – é a pergunta que faço?
Por que é que se nasce rei, rainha, príncipe, princesa, etc, etc? Nenhuma razão. Nascemos indivíduos livres e iguais – é o primeiro princípio consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 
Ponham os príncipes e os reis a pensar sobre o que são, a ver se se descobrem outra coisa. A monarquia não tem nenhuma justificação racional, pode ter todas as outras: tradição, cultura, estabilidade política, identidade nacional…, o que seja, mas nenhuma que os coloque num patamar à parte. Sou absolutamente republicana.



quinta-feira, 29 de maio de 2014

A mulher apedrejada, no Paquistão

Foi apedrejada até à morte, aliás, foi decididamente apedrejada para morrer e assim limpar a honra da família. Nenhum delito, apenas não aceitou casar com o homem que a família tinha destinado para ela.  É a mais profunda barbárie, dispor de alguém como se fosse uma propriedade, matá-la como se estivessemos na Idade Média. Pode lá haver obscurantismo maior! Maldito traço cultural, maldita ignorância!

domingo, 25 de maio de 2014

O aldrabão, a comédia grega

Fui ver, ao teatro D. Maria II, a peça "O aldrabão", e embora nalguns momentos sentisse algum incómodo nos meus ouvidos, gostei de ver  o desenrolar da acção, ficando com a percepção clara de que somos genuinamente comediantes e trágicos, farsantes e honestos, bons e maus. Na peça, temos uns a enganar, outros a aproveitar, outros a sofrer..., ainda assim é, e será, nada muda na natureza humana.
Salva-se o amor do jovem quem, numa rua de Atenas, faz tudo para comprar a jovem amada explorada naquele prostibulo. (Já agora, a personagem do dono do prostíbulo, interpretada pelo actor Rui Mendes, está muito bem).

terça-feira, 13 de maio de 2014

Tarrafal, o prisioneiro

Há anos que procurava uma paz, uma certeza qualquer, de que o retorno àquele campo não seria um sofrimento a somar às memórias vivas e cruéis do sítio onde passara mais de sete anos da sua juventude, trabalhando, cumprindo ordens, guardando ideias, lendo livros, arquitetando revoluções…, criando uma rotina, a possível, que impunha a si próprio para não endoidecer.
Salvaguardar a saúde mental, que a física essa ressentir-se-ia – mesmo quando, nessa idade, se julga possível passar por tudo sem marcas no corpo - era a primeira das preocupações. Marcas de meses seguidos num total isolamento, numa sela fechada, húmida, onde mal cabia uma pessoa, sem cama, com um balde e uma refeição diária.
Como se consegue sobreviver a isto? Só uma convicção interior fortíssima, só um dever de consciência, uma responsabilidade, uma inabalavel defesa da dignidade humana – em que vergar, ajoelhar, comprometer..., mesmo quando os interrogatórios e a tortura pareciam deixá-lo à beira de uma quase semi consciência, era o impensável. Sabia quiem era e porque estava ali. Sabia o que devia a si e aos outros que como ele lutavam contra o colonialismo português.

sábado, 10 de maio de 2014

As jovens nigerianas raptadas

As jovens raptadas, quase trezentas, de uma escola secundária, só agora, começam, por pressão internacional, a  ser preocupação do país. É a  demência fundamentalista em estado puro, raptam-se inocentes, em nome de Deus, para serem vendidas como escravas sexuais, sabe-se lá para onde a quem, com o argumento, pasme-se, de estudarem numa escola. A educação em vez de um direito é um crime, para estas mentes terroristas.
O que mais perturba é a maldade, é a desumanidade, é o obscurantismo que, por este caminho,  tomará outras regiões do mundo, mesmo quando pensávamos que a modernidade e a tecnologia contemporanea tinham feito um progresso de não retorno. Não é assim, há muitos anos zeros para a humanidade e para civilização. A volta às cavernas é uma indecência humana.


sábado, 3 de maio de 2014

A menina egípcia que vendia marcadores de papiro (8)

Não sei bem, mas eram, seguramente, mais de uma dezena de crianças que vendiam marcadores e outros pequenos objectos, junto a uma fábrica de transformação de papiro, onde os turistas param para observar o processo de produção e fazer compras.
Era uma menina muito bonita! Não tinha mais de seis ou sete anos, no máximo. Muito pequenina, muito esperta, vestidinha à árabe a vender aos turistas marcadores de papiro. Contava, na perfeição, em inglês, francês, espanhol, e repetia, sem parar, os números até doze, número que correspondia ao “molhinho” de marcadores que vendia por um dólar.
Toda a gente, literalmente toda, enquanto eu estive a observar, lhe comprou os marcadores. Ela era o centro de todas as atenções, impossível não a fixar, pela graça, pela desenvoltura, pelo modo como uma criança, tão pequena e tão linda, contava marcadores de papiro.
A mãe vigiava-a, por perto, mas mesmo assim não evitava que os “maiorzinhos” não achassem piada à freguesia que conseguia atrair e lhe dessem encontrões, a obrigassem a sair da frente e a sentassem a um canto. Por um lado, percebo, ela tirava-lhes todo o negócio, conseguia todas as atenções. Mas continuava. Contava, repetidamente, sem parar, não desistia, e isso foi o mais impressionante, não desistiu nunca, a determinada altura chorava convulsivamente, lágrimas rosto abaixo, mas continuava: one two, three, …e mais um molhinho de marcadores, e outro, e outro e mais outro … .
- Minha menina, não podes brilhar tanto! Tens de deixar os outros também vender. Vá lá, tem de ser assim! Não te dão encontrões e socos por não gostarem de ti, apenas porque não suportam não vender nada aos turistas que param junto a fábrica de transformação do papiro. Vai descansar um pouco, cuidar da tua voz, já rouca de tanto apregoar marcadores de papiro, deixa os outros meninos também venderem um bocadinho. Não quero ver-te chorar mais!

                                                                                     Agosto, 2005, arredores do Cairo