A
primeira cena é o assassinato de Gandhi (30-1-1948); um jovem hindu
irrompe pela multidão, parecia ser um admirador que lhe quer falar,
mas não, puxa de uma pistola e atira. Depois, o filme prossegue, com
Gandhi, em 1893, advogado, que estudou em Londres, numa carruagem de
1ª classe, na África do Sul, à época, também, parte do império
britânico. Como nenhum negro podia viajar senão em 3ª classe,
mandam-no mudar-se; não obedece, e é posto fora do comboio.
É-lhe
dito que não poderá ser advogado, pois, nenhum advogado negro (os
indianos são considerados negros) pode exercer a sua profissão; a
segregação racial é muito violenta, até os passeios públicos são
destinados unicamente a brancos. Começa ali a luta pelos direitos da
sua comunidade, juntamente com outros indianos, hindus e muçulmanos,
não importa a religião que tenham. O primeiro passo é queimar o
“salvo conduta”, um documento com que todos os negros tinham de
andar. A seguir, constroem uma comunidade – ashram – onde
todos são e vivem como iguais, onde todos fazem de tudo, onde não
há senhores nem servos, onde não há intocáveis. A cena em que a
sua mulher se queixa: “tenho de limpar latrinas”? - é
particularmente reveladora, Gandhi quase se altera, e ela percebe
tudo o que está em causa (será até à morte uma companheira de
todas as horas).
Começa
a discursar, a passar ideias de não-violência, de resistência
pacífica, e, mais do que tudo, a dar o exemplo, a agir. “Não
terão a minha obediência” - é o grande lema da sua luta. Os
tumultos levam a uma lei que endurece a vida da comunidade, os
indianos perdem direitos. Gandhi é preso; algum tempo depois, a lei
é revogada.
Em
1915, regressa à Índia, já não de fato e gravata, mas com o fato
tradicional indiano, como se procurasse uma identidade profunda, que
sabe só ali existir, quer ser como todos os outros. A sua chegada é
um sucesso; é aclamado como um herói nacional (conhecem a sua luta
e o que conseguiu), é recebido pelos poderes indianos que se opõem
aos britânicos.
Percorre
a Índia de comboio, quer conhecer, saber, sentir...; a pobreza é
geral e impactante, está com a mulher e com Charlie, o pastor
evangélico que o segue e se identifica com a luta dos indianos, ao
ponto de se misturar com os hindus. Naquele comboio, a religião não
divide as pessoas, não as coloca numa situação de estranheza.
Alguém lhe pergunta: “é cristão?” “sim, sou cristão”.
Ainda assim, Gandhi faz-lhe ver que: “o que deve ser feito, só
deve ser feito por indianos”; o jovem compreende e afasta-se.
Gandhi
fala com o povo; escuta o homem obrigado a cultivar “indigo”, uma
planta para fazer tinta e tingir os tecidos fabricados em cidades inglesas. Os indianos não podem cultivar o que
querem; cultivam apenas o que os britânicos querem, o que lhes dá
lucro e sustenta uma economia colonial, onde os beneficiados são
sempre os mesmos. Cultivam algodão e outras fibras vegetais que são
transformadas em tecidos e em roupas, vendidas depois aos indianos.
A
cena em que queimam a roupa e tomam a atitude de voltar ao velho tear
é bem significativa do que pode acontecer à economia britânica. É
o primeiro a fazê-lo, a imagem parece irreal, quase do princípio
dos séculos, mas o que importa são as consequências. O mesmo com o
sal, deixar de comprar o sal vendido pelos britânicos e começar a
fabricar o próprio sal.
Mas,
nem todos os que o seguem pensam o mesmo; há os que entendem que é
preciso agir pela força, que a não violência, a não cooperação,
não leva a lado nenhum. Gandhi entende que não se trata de uma
resistência passiva, e tem razão; desgastou de tal modo o poder
britânico que, em agosto de 1947, se organizou, em Londres, uma
conferência sobre a independência da Índia. Gandhi está presente,
defende a ideia de uma Índia unida, entre muçulmanos, hindus,
judeus,siques, cristãos …; uma Índia de todos, a mesma ideia de
comunidade, de ashram, onde todos fossem e se sentissem
iguais. Mas a dimensão da Índia é incomparável à comunidade que
fundou na África do Sul, não param as lutas entre os indianos e,
quando se dá a transferência do poder, a ideia de uma Índia unida,
é já impossível. O Paquistão separa-se. A Índia para os hindus e
o Paquistão para os muçulmanos; afinal, o argumento religioso usado
pelos britânicos estava presente e era determinante.
Mesmo
depois do estado indiano, os tumultos entre as comunidades religiosas
continuam, há lutas, separações, deslocados, miséria
humana...Gandhi vai a Calcutá, hospeda-se na casa de um muçulmano,
jejua até que terminem os tumultos, diz às autoridades indianas: “não
posso assistir à destruição da Índia”, pede que nenhuma espada
hindu se lance contra um muçulmano; está quase a morrer quando lhe
dizem que os tumultos terminaram em todo o lado. Resiste. Toma água
com limão, levanta-se, volta ao caminho. Foi assim ao longo da sua
vida, prisões, jejuns, orações, atitudes...,
Quem
foi Gandhi para os indianos? Quem foi Gandhi para o mundo? Não chega
dizer que foi uma Alma Grande (Mahatma), não chega dizer o que fez e
pelo que lutou. Há um para lá de Gandhi de que não podemos falar
(de que não sabemos falar) e que é, ainda hoje, um sentido.