No cais há um vai e vem contínuo;
uns partem, despedem-se, desejam saúde e sorte por lá, de rosto fechado, às
vezes em lágrimas; outros reencontram-se, enchem-se de felicidade, há sorrisos
e alegria.
Aquele homem, afastado de todos, sofria.
Fingia uma força que não tinha: “trabalho na Alemanha, por lá a vida corre bem,
mas o pior é deixar a mulher e os filhos”- diz-me.
Muitos dos que entraram vão à
janela acenar aos que ficam, enquanto o comboio se afasta mais e mais. Ele não
deixou ninguém no cais, não tem a quem acenar, sente-se exausto, cai no
assento, abandona-se, procurando não pensar. Até daqui a um ano, se vier, haverá
tempo para milhares de vezes rever na mente todas as pessoas e paisagens que
deixa atrás e que agora se recusa a olhar. Recolhe-se a um lugar, onde há uma
proximidade e uma presença que só ele conhece.
Já não está ali, apesar de estar.
Regressou à sua casa, à mesa com os filhos, às conversas entrecortadas,
inacabadas, aos gestos e aos mimos dos que ama. Parte, sem partir. Quase nunca
estamos onde vivemos, pisamos as ruas, subimos escadas…, estamos onde sentimos
um existir que nos preenche por dentro.
Passará tempo, até voltar a abrir
os olhos e a perguntar ao vizinho do lado: “também vai para a Alemanha?”
- Não, vou para França.
França, Alemanha, tanto dá. Tantos
destinos, tantas paragens, tanto descer e subir. Era assim nos anos setenta do século passado. É assim (ainda hoje é).