Pesquisar neste blogue

sexta-feira, 6 de março de 2015

Emigrante

No cais há um vai e vem contínuo; uns partem, despedem-se, desejam saúde e sorte por lá, de rosto fechado, às vezes em lágrimas; outros reencontram-se, enchem-se de felicidade, há sorrisos e alegria.
Aquele homem, afastado de todos, sofria. Fingia uma força que não tinha: “trabalho na Alemanha, por lá a vida corre bem, mas o pior é deixar a mulher e os filhos”- diz-me.
Muitos dos que entraram vão à janela acenar aos que ficam, enquanto o comboio se afasta mais e mais. Ele não deixou ninguém no cais, não tem a quem acenar, sente-se exausto, cai no assento, abandona-se, procurando não pensar. Até daqui a um ano, se vier, haverá tempo para milhares de vezes rever na mente todas as pessoas e paisagens que deixa atrás e que agora se recusa a olhar. Recolhe-se a um lugar, onde há uma proximidade e uma presença que só ele conhece.
Já não está ali, apesar de estar. Regressou à sua casa, à mesa com os filhos, às conversas entrecortadas, inacabadas, aos gestos e aos mimos dos que ama. Parte, sem partir. Quase nunca estamos onde vivemos, pisamos as ruas, subimos escadas…, estamos onde sentimos um existir que nos preenche por dentro.
Passará tempo, até voltar a abrir os olhos e a perguntar ao vizinho do lado: “também vai para a Alemanha?”
- Não, vou para França.
França, Alemanha, tanto dá. Tantos destinos, tantas paragens, tanto descer e subir. Era assim nos anos setenta do século passado. É assim (ainda hoje é).


Sem comentários: