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terça-feira, 13 de agosto de 2013

Somos de onde? Somos quem?

Não lembro o título, era um filme/documentário, de que só vi uma parte, sobre uma jovem norte americana que chega à Palestina, a uma zona ocupada pelos israelitas, onde nasceram os pais e onde viveram todos os seus antepassados. É filha de palestinianos, imigrantes forçados, nos Estados Unidos.
Está aqui, na sua terra, mas é uma estranha. Clandestina nas suas intenções, fingindo-se turista, com um passaporte válido, mas com um visto já caducado, sabe que pode ser apanhada, num desses controlos policiais que estão por todo o lado e a cada passo.

Procura a aldeia dos pais. Mas já nada existe, ou melhor, nada existe como o ouviu descrever, vezes sem conta. Os nomes das cidades, das aldeias, dos vales e das colinas já não são os mesmos. Mudaram, tudo está escrito em hebraico, e ela não sabe hebraico.

Entra numa loja, pergunta pela terra dos pais, pronunciando diversas vezes, espaçadamente, o nome em árabe, mas o comerciante judio não sabe árabe e não pode ajudar.
Como se apaga assim um passado que, de resto, ainda é presente, é de há pouco mais de sessenta anos? Apaga-se, por decisão e persistência politicas, obviamente.

Ainda assim, a jovem continua o caminho e vai ter a um vale onde se depara com uma aldeia abandonada e destruída que julga ser a dos seus antepassados. Olha lenta e demoradamente o vale, o céu, as nuvens, o horizonte, o tudo e o nada, como se tivesse chegado a uma terra de destino que não consegue abarcar. Invadida por um sentimento profundo, abraça emocionada o jovem que a acompanha. Permanecem, nessa noite, na casa em ruínas, a um canto de parede, junto a um portal, talvez de uma antiga janela.

Partem na manhã, seguinte. Continuará a não pode dizer quem é, nem ao que veio, mentirá às autoridades, até ser possível, perdendo-se ou encontrando-se, nos vales da Palestina. Vales que também são seus. Podem lá os decretos, os Estados e as ocupações acabar com os sentimentos!

(releio e texto, e penso que se calhar o documentário não foi bem assim)


terça-feira, 16 de julho de 2013

Ausência (ou não)

Já não é a primeira vez que me cruzo com ela,. Vem do cemitério de visitar a campa do filho, que ali está há mais de vinte anos. Apesar disso, podia-se falar de toda a dor do mundo, olhando os seus olhos. Mas não vou falar disso, guardo, como ela, silêncio. 

Como se pode escrever sobre ausências? Às vezes, não se pode. Mas há ausências diferentes, que não doem tanto, como a tão celebrada saudade portuguesa, uma palavra que tudo encerra, sentimentos de perda, misturados com momentos de nostalgia boa, que alivia, que ajuda a viver, a estar, a continuar…, criando proximidade, mesmo que distante, e dando-nos essa pontinha de identidade de que precisamos esteja na mais recôndita aldeia beirã, algarvia, transmontana ou na rua ou bairro da mais movimentada cidade.


sábado, 27 de abril de 2013

O albergue

Todos eram sem-abrigo. Viveram, anos a fio, na rua, alguns mais de vinte anos. Todos têm os corpos e as almas marcados pelo álcool, pela droga, pela doença, pela solidão…
“Fui parar à rua – diz-me um senhor com quarenta e poucos anos – porque não consegui gostar de ninguém, nem dos meus pais, nem dos meus irmãos, nem da minha mulher… Quando comecei a namorá-la, houve um clique em mim, pensei que era possível aquele amor. Mas não foi. Nada me preenchia, procurava sem saber o quê, até que um dia sai de casa, mudei de cidade e desci ao inferno das ruas. Só havia álcool, cocaína, abandono, dias inteiros, em grupo, traficando e roubando para consumir. Anestesiado, não me dava conta de que já não era gente. Até que um dia, há quatro anos, fui parar ao hospital, quase morto e, depois, já em recuperação, fui trazido para aqui. Um dia qualquer, hei-de comprar um bilhete de autocarro e voltar a casa. Será que ainda estão lá aqueles a quem não fui capaz de querer?



quarta-feira, 24 de abril de 2013

Terrorismo, em Boston

Podem fazer-se muitas análises, mas a que a mim mais me impacta é a que tem a ver com o extremismo islâmico: matar por Alá. O absurdo é total.
O que aconteceu, na cabeça destes jovens, mais ou menos inseridos na sociedade americana, com perspectivas de futuro, para, dum momento para o outro, se fazerem jihadistas, combatentes por um radicalismo que considera que não é apenas o ocidente que ameaça as suas crenças (de que nem sequer eram grandes praticantes) mas até os moderados do islão?
Alguma coisa de muito perturbador nos escapa, para que não sejamos capazes de uma mínima compreensão sobre isto. Talvez, algo da ordem da identidade mais profunda de cada ser humano: somos quem?


segunda-feira, 2 de abril de 2012

Colaborador de Israel, um árabe

"Finalmente, uma rapariga bonita de Hebron"! Exclamou o irmão mais novo, olhando uma das irmãs pequenas, de 3 e 4 anos, depois de ter ajudado a mãe a dar-lhes banho, a vesti-las e a penteá-las. E continuou, com alguma ironia: “eu nasci em Hebron e não sou bonito”!
“Sim, tu és bonito, és um rapaz bonito” - diz-lhe a mãe.
A Cisjordânia, Hebron… – embora vivessem naquele subúrbio, no sul de Telavive, não pudessem regressar a casa (o pai tinha traído o seu povo e jamais seria aceite de volta, tal como a mulher e os filhos) –, eram todas as referências que davam ânimo, abriam sorrisos, traziam boas recordações.
O resto era desintegração, impossibilidade de obter a cidadania israelita, os filhos mais velhos perdendo-se (dezasseis, catorze e onze anos), insucesso escolar, fugas, acosso policial, tribunal de menores, reformatório, colégio interno …
Forte era a mãe, apesar, do problema físico! Aguentava. Sempre presente, lutando, indo…, mesmo quando o marido ficou oito meses em prisão domiciliária, por lhe ter batido. Só desmorona quando o filho mais novo é levado para um colégio interno, pensa que é igual ao reformatório onde está o filho do meio. O mais velho explica-lhe que não, que vai para estudar. Chora. Olha o marido e diz: “estamos a perder todos os nossos filhos”.
"Por que estás a chorar" - pergunta-lhe a filha de quatro anos?
"Dói-lhe o estômago" – responde o pai.
Como lhe vai dizer que lhe dói a alma! À mãe dói a alma, e muito! Se calhar, ao pai também, mas vinte anos de colaboração com os serviços secretos israelitas ditaram a sentença da sua vida. O pior é que ditaram também a da sua família.



(a propósito de um documentário na RTP 2)

quarta-feira, 14 de março de 2012

Contingência, demasiada

Acabámos de ouvir que, num grave desastre, na Suiça, morreram 28 belgas, entre eles,  22 crianças, que vinham de umas férias na neve.  Perturba. Aflige, a contingencia  humana. Há uma insutentável precariedade.  Morre-se no  primeiro mundo, como se morre nas montanhas do Afeganistão, como se morre nos bairros da Siria e por todo o lado. É o instante da vida ou da morte, não sei bem. Não percebemos nada, confundem-nos com o poder, o dinheiro, a fama...,  e, depois, a  vida é isto.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Regresso a casa

Já o tinha visto várias vezes, a entrar na igreja, aos domingos, a descer o adro, a caminhar pela rua. Hoje, viu-o de perto, de muito perto, estava atrás e mim na fila única da estação dos Ctt. Está irreconhecível, como a vida foi madrasta para este rapaz, ou melhor, para este senhor, não andará longe dos sessenta anos. A vida maltratou-o até ao limite do suportável, perdeu tudo, casa nova que não chegou a terminar, família (tenho esperança de que não tenha perdido os filhos), trabalho, saúde…
Dizem-me: “não foi a vida, foi ele que se maltratou, perdeu-se por causa do vício”. Acredito que sim, acredito que se tenha perdido de todos e até de si mesmo, mas não há dúvida de que parece estar a reencontrar-se, neste regresso a casa, literal e simbolicamente, depois de décadas nessa França longínqua, mas, por aqui, sempre presente.
Para mim é um homem bom, vejo-o assim. Não tive coragem de lhe dizer nada, mas conheço-o, ele conhece-me. Da próxima vez que o vir vou cumprimentá-lo e se calhar ganho coragem e digo-lhe: “Como está? Vejo que está bem, mas se fizesse a barba, ficava mais novo, não acha? Ficava mais parecido com o jovem que conheci há mais de quarenta anos e com quem julgo ter dançado mais de uma vez”!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Todos lhe querem bem

-  Artur está connosco há catorze anos, para mim é como um pai, vejo-o como um pai. Quando  ficou connosco  estava sozinho no mundo, não tinha ninguém, andava sempre "borrachinho", fumava e bebia, fumava e bebia, quase não falava, ainda agora quase não fala... Começou  a ficar magrinho, cansado, quase sem se poder arrastar, disse para a minha irmã: o Artur tem algum mal ruim. Foi ao médico, mandaram-no fazer exames, e o que se temia confirmou-se: cancro nos pulmões. A doença dele está a dar cabo de mim, não aguento, até o meu marido, quando lhe disse do Artur, chorou, estou casada há dezasseis anos e nunca o tinha visto chorar. Sabe, Artur é especial, deixa-se querer, como hei-de explicar isto..., é bom, todos lhe querem bem, já disse aos meus filhos pequenos: não arreliem o Artur que ele está muito doentinho. Trato-o o melhor que posso, vou fazer tudo o que puder por ele.

E fez, mas Artur não sobreviveu. Morreu dois meses depois.  Será que alguma vez soube o quanto era amado por esta família de feirantes, que ganhava  a vida de feira em feira, explorando  o negócio de uma pista de carros eléctricos? 

(Sobre um documentário passado na RTP2)

terça-feira, 5 de abril de 2011

Reinserção (ou talvez não)

- Para a “bófia” todos aqui são drogados e ladrões.
- E não são, pois não?
- Claro que não. Há “bué” de gente que trabalha e putos que andam na escola.
- E tu andas?
- Não. Já andei, mas não gostava, não sabia nada, era perder tempo. Quando os “cotas” foram dentro nunca mais voltei à escola.
- Os teus pais estão presos?
- Estão, há “bué” de tempo....
Faz silêncio e olha-me intensamente, não sei se com raiva se com súplica, como se eu tivesse alguma coisa a ver com tudo o que lhe estava a acontecer e pudesse ajudá-lo.
- O que é que tem, estarem presos? – Pergunta-me, zangado.
- Eu não disse nada. Esperavas que eu tivesse feito algum comentário?
- Andavam a vender (droga), andavam, e depois? O que é que tem? Também já vendi, agora não vendo, não vou vender mais.
- Costumas ir à Associação?
- Não vou, é tudo mentira. Mentem-me, mentiram-me sempre.
- Não acreditas neles?
- Prometeram comida, trabalho e “cenas” dessas e nada,  muitas vezes passo fome, tenho que roubar, percebe, tenho de roubar, roubar percebe, veja se percebe....
- E tu o que é que lhes prometeste?
- Nada, não prometo nada, não me chateiem, falam de tretas e vem a “bóbia” e vamos presos.
- Achas que vais preso?
- Se vou preso? Todos os meus amigos estão presos, até aos dezasseis anos um gajo anda na boa, depois toma, caem em cima e toca a andar. Qualquer dia vou.
- Podes não ir, isso só depende de ti.
- Não me importo, não me importo mesmo...
- Eu importo-me que tu vás preso e há outras pessoas que também se importam, tenho a certeza.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Pessoas que contam

Conheci uma jovem, Irmã Franciscana, que estava em Maputo a acompanhar uma doente. É colombiana e vive há dois anos em Tete, bem no interior de Moçambique, quase na fronteira com o Malawi, a dar apoio escolar a crianças da missão e a trabalhar num projecto de aleitamento de bébes com graves carências alimentares, no geral orfãos. Quando me disse dois anos, comentei: “Há muito tempo”. “Não, dois anos é pouco tempo”, responde-me.
Percebi logo que as nossas noções de tempo, de vida e de ritmo não são as mesmas. Nem podem ser. São vidas e experiências muito diferentes, porventura, com entendimentos, prioridades, desejos e objectivos também muito distintos, ainda assim, nos contactos, passeios e conversas que tivemos foi possível encontrar muitos pontos em comum. Neste mundo de interesses, gritos e balbúrdia, cada um tem de decidir, a cada momento, se abre a porta e dá abrigo ou, ao invés, se a fecha e se instala. Ela abriu-me a porta. E eu entrei. Espero um dia reencontrá-la, em Lisboa ou noutro qualquer lugar. Vai ser possível, tenho a certeza. Sei que está definitivamente na minha vida.

sábado, 23 de outubro de 2010

Vou consigo

Não sei quantos anos tem, mas aparenta menos de setenta. Encontrei-a, e começamos a conversar, porque íamos ambas apanhar um transporte público.
- A senhora vai para o metro? - perguntou-me. E sem que eu tenha tido tempo de responder, acrescentou: - eu vou apanhar o autocarro, não gosto de andar de metro, só se vou com a minha filha.
- Eu prefiro o metro porque é mais rápido, digo-lhe.
- É verdade, mas sabe para mim é muito confuso, eu sei ler, mas não sei ler bem. Só fui um ano à escola, já de adulta.
Fico a pensar: quantas pessoas ainda haverá, neste país, que não sabem ler? Quantas pessoas haverá com dificuldade de orientação no metro e noutros locais e situações por não saberem ler? Damos tudo por adquirido, por facilitado, e há ainda tantas barreiras...
A conversa continuou, muito interessante, até, esqueci-me do metro e também eu fui de autocarro.
- Hoje vou de autocarro, só porque a encontrei a si. Vou consigo.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Há ironias ...

Vi, há poucos dias, “A Gaiola das Loucas”, sem dúvida, um grande espectáculo de música, dança…, mas aqui quero falar da história, muito bem contada por sinal. O desfecho mostra bem a diferença entre a verdade e a fachada, entre o que é e o que parece ser.
O dono do cabaré vive com Zazá, a grande vedeta do transformismo, que sempre criou o seu filho com o maior desvelo. O rapaz está noivo de uma rapariga do norte, de uma família tradicional, cheia de valores e bons costumes, o pai com aspirações políticas, etc. Para não decepcionar, no jantar de apresentação, pede ao pai para alterarem tudo o que possa denunciar a verdadeira situação familiar. Mudam a decoração da casa, procuram a mãe verdadeira (que nunca viveu com ele) e insistem para Zazá não aparecer. Esta não aceita ser posta de lado, e decidem, então, fazê-la passar por um tio. Ensaiam todos os pormenores que possam denunciar as maneiras gay: o andar, o falar, o cumprimentar, o vestir…
Zazá esforça-se, mas não aguenta ver-se dentro daquele fato preto. Sobe as escadas e, quando desce,vestida como sempre, comporta-se como a verdadeira mãe do rapaz. A cena decorre, com inevitáveis equívocos, e eis senão quando o jardim e a casa são invadidos por jornalistas que querem saber o que se passa com o pai da noiva, visto que o seu sócio apareceu morto … O homem assustado (sabe-se lá por quê) tenta fugir, esconder-se, e é a própria Zazá quem o ajuda a sair pelas traseiras do cabaret. Não deixa de ser irónico: afinal, qual das famílias tinha mais a esconder? Será sequer comparável uma opção de vida, por mais estranha que pareça aos outros, a negócios pouco claros ou escuros mesmo?

terça-feira, 18 de maio de 2010

Os olhos das mães...

Toda a tristeza do mundo está nos olhos da mãe de Leandro (o menino que se atirou ao rio Tua e morreu). Fixos, perdidos, ausentes, estão sem poder reagir. Em choque, que é duro perder um filho. Demasiado duro.
Nunca mais se ouviu falar do caso, ainda decorrerão inquéritos, talvez um processo em tribunal, que sei eu! O que pode ela contra inquéritos e mais inquéritos, corporativismos, omissões e silêncios. O seu filho morreu, desnecessariamente (nenhuma morte é necessária, obviamente, mas muitas são inevitáveis). Esta não era. Está triste, dorida, cansada, ninguém sabe quanto. Ninguém nunca saberá quanto, a não ser que tenha vivido tamanho drama.

sábado, 19 de abril de 2008

Confiar, afinal resolve

- Que horas são? – pergunta-me o jovem (muito menos de vinte anos) que acaba de me ajudar a arrumar o carro.
- São seis horas. Por que será que há tanto movimento, tanta gente, aqui?
- Porque há jogo no Benfica. Já está tudo cheio, teve muita sorte em arranjar aqui um lugar. Podia dar-me este dinheiro todo, por lhe ter arranjado um lugar tão bom – referia-se à nota de cinco euros que eu lhe tinha dado para retirar um euro e devolver-me o resto.
- Sabe que, quando não tenho moedas, não paro, mas olhei para si e confiei – digo-lhe. Pensei: ‑ posso dar-lhe a nota que ele vai dar-me o troco.
- E vou mesmo, senhora. Vou mesmo. Não se enganou.
- Está a ver como vale a pena olhar nos olhos das pessoas!

domingo, 6 de abril de 2008

Uma dor que não acaba

Há muito tempo que a via sozinha. Deixei de ver o filho, mas não imaginei o pior. Ontem, disse-me: - O meu filho já cá não está. Já não tenho o meu filho.
Quantas vezes esta senhora me falou do filho! De como permaneceu com ele mesmo quando todos o abandonaram e teve de escolher entre ele e o resto da família; de como lutou por sucessivas recuperações; de como acreditou ao mais pequeno sinal: - Viu o meu filho, está tão bonito! Não parece o mesmo, engordou, tratou-se; de como vigiou o consumo com medo de uma overdose; de como continuava a trabalhar a dias, mesmo reformada e com mais de sessenta anos. Agora ele morreu. O inferno acabou, mas o vazio que a consome é-lhe insuportável.