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terça-feira, 16 de julho de 2013

Ausência (ou não)

Já não é a primeira vez que me cruzo com ela,. Vem do cemitério de visitar a campa do filho, que ali está há mais de vinte anos. Apesar disso, podia-se falar de toda a dor do mundo, olhando os seus olhos. Mas não vou falar disso, guardo, como ela, silêncio. 

Como se pode escrever sobre ausências? Às vezes, não se pode. Mas há ausências diferentes, que não doem tanto, como a tão celebrada saudade portuguesa, uma palavra que tudo encerra, sentimentos de perda, misturados com momentos de nostalgia boa, que alivia, que ajuda a viver, a estar, a continuar…, criando proximidade, mesmo que distante, e dando-nos essa pontinha de identidade de que precisamos esteja na mais recôndita aldeia beirã, algarvia, transmontana ou na rua ou bairro da mais movimentada cidade.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Olhando a gente, Istambul

Talvez, o mais importante das viagens seja aquele aspecto cultural que só podemos tocar se nos misturarmos com as pessoas, passando despercebidas, sentadas numa praça, numa esplanada, percorrendo um mercado, entrando numa igreja, numa mesquita…
Houve um dia, nesta viagem à Turquia, em que isso foi possível. Era um fim de tarde, depois de um agradável passeio no Bósforo – aquele estreito mítico, onde se cruzam povos, civilizações e continentes, com uma paisagem inebriante, palácios, casas luxuosas, jardins, colinas verdejantes…, mas que, por vezes, até se torna desconfortável, quando percebemos os preços, o nível de vida, o que separa esta de outras zonas da cidade.

Voltando àquele final de tarde. Era numa zona movimentada de Istambul, junto ao mercado egípcio. Percorri o mercado, limpo, organizado, sem ser labiríntico, com uma parte central que claramente espera pelos turistas e potencia o negócio dos produtos característicos, mas também o mercado da carne, das flores…, não propriamente para quem vem de fora.  
Entrei, depois, na mesquita, situada mesmo ao lado. As portas estavam abertas, com os indispensáveis sacos de plásticos, à entrada, para podermos colocar os sapatos.
Achei interessante ver como as pessoas ocupavam o espaço. Logo, à entrada, um casal jovem com uma criança, estava sentado no corredor do lado direito. Depois, na parte central da mesquita vários homens (era a parte deles), uns rezavam, outros descansavam, outros meditavam, outros liam, outros deitados ao comprido, pareciam até dormir. Encontrei-os nos sítios mais insuspeitos, atrás de uma coluna, no fundo do corredor junto a um vitral, no canto da sala…

Fiquei a pensar nesta normalidade que, nas nossas igrejas, não seria tão normal; se alguém se deitasse como que a dormir, viria alguém falar-lhe de desrespeito e de falta de boas maneiras, convidando-a a sair. Aqui, não. Parecem coexistir formas de estar muito diferentes, tudo em silêncio, isso sim, sem a música ambiente das mesquitas com visitas organizadas para turistas.

Saio e sento-me quase no cimo da enorme escadaria. Olho a praça: há vendedores ambulantes com os respectivos tabuleiros, vendendo guloseimas, gelados, brinquedos, uma espécie de milho e outras coisas que não identifico. A vida corre…, como em quase todas as praças, há pessoas apressadas e outras sem pressa, conversando, passeando os filhos, apanhando transportes, carregando sacos, ignorando os turistas…, vivendo, como se vive, afinal, em tantos lados.




terça-feira, 9 de julho de 2013

Imigrantes ilegais, Lampedusa

Esta ilha italiana, a pouco mais de cem quilómetros da costa africana, recebe grandes levas de imigrantes clandestinos que, aqui, chegam impelidos pelas circunstâncias em que vivem nos seus países de origem. São quase todos jovens, trazem sonhos, vidas por viver, força e vontade de chegar à Europa rica, para eles, o maná do deserto, o que necessitam para melhorar a sua vida e a das suas famílias. Mas, acontece que em vez de maná encontram, muitas vezes, desconsideração e dias amargos.
O Papa foi, ontem, a Lampedusa, rezar missa e falar da imigração clandestina. Falou da urgência da não indiferença, do acolhimento, da atenção ao outro, a quem devemos tratar, antes de tudo, como irmão, fraternalmente. Podem não ter a cidadania europeia, podem não ter documentos válidos, mas são pessoas a quem devemos acolher em vez de explorar.
Vítimas da pobreza e do subdesenvolvimento, das mafias que os trouxeram até aqui e dos que agora se aprontam a empregá-los clandestinamente, sem direitos e por baixos salários – é bem uma face da escravatura do século XXI – são pessoas em estado de grande fragilidade.
Contam com o trabalho dedicado de ONG’S e de organizações da igreja, que fazem o que podem, mas, decerto, menos do que desejariam. A resposta à imigração ilegal é fundamentalmente política e global, todos sabem isso; se a política internacional não fosse um jogo de interesses, muitos dos problemas que enfrentam estes imigrantes já teriam sido resolvidos.


domingo, 30 de junho de 2013

Mandela

Nelson Mandela é um herói dos direitos humanos. Nasceu em 18 de Julho, de 1918, na África do Sul, onde lutou pelos direitos e pela dignidade de todos os seres humanos. Esteve vinte e sete anos preso, dezoito dos quais em Robben Island, por defender os direitos dos negros contra o apartheid.

Excerto do discurso de N. Mandela, em Oslo, 1993, quando recebeu o Prémio Nobel da Paz.

“Estou aqui em representação de milhões de pessoas do nosso povo que ousaram levantar-se contra um sistema social injusto, cuja verdadeira essência são a guerra, a violência, o racismo, a repressão e o empobrecimento.

Também, estou aqui representando milhares de pessoas do movimento anti-apartheid, governos e organizações, que, por todo o mundo, se juntaram a nós, não para lutar contra a África do Sul como país ou contra algum dos seus povos, mas para se oporem a um sistema inumano e contribuírem para o rápido fim do apartheid, um crime contra a humanidade.

Esse incontável número de seres humanos, dentro e fora do nosso país, tiveram a nobreza de espírito de se colocarem no caminho da tirania e da injustiça, sem procurar ganhos próprios. Consideraram que a injúria de um era a injúria de todos e, sobretudo, agiram em defesa da justiça e da comum decência humana.
Devido à sua coragem e persistência, de muitos anos, podemos hoje esperar que, em breve, a humanidade se juntará para celebrar uma das vitórias mais proeminentes do nosso século. Quando esse momento chegar, poderemos, regozijarmo-nos duma vitória comum contra o racismo, o apartheid e a lei da minoria branca.

O triunfo finalmente encerrará cinco séculos de colonização africana, que começou com o estabelecimento do império português. Esse acontecimento constituirá um grande passo na história e servirá como caução, como garantia, para os povos do mundo que lutam contra racismo, onde quer que ocorra e seja qual for a forma que assuma.
No extremo sul do continente africano, está em preparação uma recompensa, um incalculável presente, para aqueles que, em nome da humanidade, sacrificaram tudo pela liberdade e pela dignidade humana.

(No ano seguinte, tornou-se presidente da África do Sul, foi o fim do apartheid e a construção de uma pátria unida e multicolor)
                                                               


quinta-feira, 27 de junho de 2013

A luz de Mandela

Mandela está agonizando num hospital de Pretória. Na sua terra natal, o clã familiar prepara as exéquias fúnebres, conciliando a tradição ancestral africana, a que Mandela pertence e da qual sempre esteve próximo, e o funeral de um homem universal, grande e bom. Não há maior elogio do que dizer-se: era (é) um homem bom. 
Obviamente que Mandela não morre; não morrem os heróis que têm o tamanho do céu e da terra, do presente e do futuro. Precisamos da luz de Mandela.


terça-feira, 25 de junho de 2013

Capadócia, Turquia

Estive, há poucas semanas, na Capadócia, região de dois vulcões extintos, há milhares de anos. A primeira percepção é de encantamento, pela novidade, pela surpresa, pela extensão, pela história… Grutas e mais grutas, umas à superfície, como se fossem vestígios de castelos e de mundos mágicos, outras subterrâneas, habitação, durante séculos (do VI ao IX), das populações daí. 
Também impressiona o vale das igrejas bizantinas, escavadas na rocha, como se, a procura de sentido, fosse, nesse tempo, como hoje ainda, o marcar da vida. A relação do homem com o transcendente é tão enigmática e ao mesmo tempo tão avassaladora que nos perturba. Por que haverá, naquele vale e naquela encosta, tantas igrejas, todas seguidas, pequenas, maiores, baixas, altas…?
Nalgumas, há pinturas, cenas bíblicas, representações duma cristandade que nos é familiar. De resto, o que nos invade, quando percorremos o vale, não é uma sensação de estranheza, mas de interrogação: como foi possível? Foi possível porque se conjugaram os ventos, as chuvas, as areias...tudo, até a mão de Deus, dirão alguns. Gostei muito.


quarta-feira, 12 de junho de 2013

A Praça Taksim, Istambul

Esta é já a praça símbolo de todos os protestos, dos que reivindicam a possibilidade e o direito de viver livremente de acordo com a sua consciência, sem os ditames da religião que não professam. O laicismo é generalizado, por que tem, então, a constituição de por em causa direitos individuais. As crenças dão chão, sustentam, equilibram…, de algum modo, somos aquilo em que acreditamos, mas em rigor têm de ser crenças que aceitamos ou escolhemos livremente.
A liberdade de agir, a liberdade de escolha, é de cada um, da sua autonomia, do seu ser eu, em definitivo. É por isso que todos estamos naquela praça, todos estamos pela decência e pela dignidade humana. Todos estamos em Istambul, Atenas, Lisboa, Paris…, onde faça falta. Nós e os outros, livres e iguais, seja onde for.