As jovens raptadas, quase trezentas, de uma escola secundária, só agora, começam, por pressão internacional, a ser preocupação do país. É a demência fundamentalista em estado puro, raptam-se inocentes, em nome de Deus, para serem vendidas como escravas sexuais, sabe-se lá para onde a quem, com o argumento, pasme-se, de estudarem numa escola. A educação em vez de um direito é um crime, para estas mentes terroristas.
O que mais perturba é a maldade, é a desumanidade, é o obscurantismo que, por este caminho, tomará outras regiões do mundo, mesmo quando pensávamos que a modernidade e a tecnologia contemporanea tinham feito um progresso de não retorno. Não é assim, há muitos anos zeros para a humanidade e para civilização. A volta às cavernas é uma indecência humana.
Pesquisar neste blogue
sábado, 10 de maio de 2014
sábado, 3 de maio de 2014
A menina egípcia que vendia marcadores de papiro (8)
Não sei
bem, mas eram, seguramente, mais de uma dezena de crianças que vendiam
marcadores e outros pequenos objectos, junto a uma fábrica de transformação de
papiro, onde os turistas param para observar o processo de produção e fazer
compras.
Era uma
menina muito bonita! Não tinha mais de seis ou sete anos, no máximo. Muito
pequenina, muito esperta, vestidinha à árabe a vender aos turistas marcadores
de papiro. Contava, na perfeição, em inglês, francês, espanhol, e repetia, sem
parar, os números até doze, número que correspondia ao “molhinho” de marcadores
que vendia por um dólar.
Toda a gente, literalmente toda, enquanto eu estive a observar, lhe comprou
os marcadores. Ela era o centro de todas as atenções, impossível não a fixar,
pela graça, pela desenvoltura, pelo modo como uma criança, tão pequena e tão
linda, contava marcadores de papiro.
A mãe vigiava-a, por perto, mas mesmo assim não evitava que os
“maiorzinhos” não achassem piada à freguesia que conseguia atrair e lhe dessem
encontrões, a obrigassem a sair da frente e a sentassem a um canto. Por um
lado, percebo, ela tirava-lhes todo o negócio, conseguia todas as atenções. Mas
continuava. Contava, repetidamente, sem parar, não desistia, e isso foi o mais
impressionante, não desistiu nunca, a determinada altura chorava
convulsivamente, lágrimas rosto abaixo, mas continuava: one two, three, …e mais
um molhinho de marcadores, e outro, e outro e mais outro … .
- Minha
menina, não podes brilhar tanto! Tens de deixar os outros também vender. Vá lá,
tem de ser assim! Não te dão encontrões e socos por não gostarem de ti, apenas
porque não suportam não vender nada aos turistas que param junto a fábrica de
transformação do papiro. Vai descansar um pouco, cuidar da tua voz, já rouca de
tanto apregoar marcadores de papiro, deixa os outros meninos também venderem um
bocadinho. Não quero ver-te chorar mais!
Agosto,
2005, arredores do Cairo
Etiquetas:
cultura,
sobrevivencia,
trabalho infantil,
vidas
quinta-feira, 1 de maio de 2014
Crianças e jovens que conheci (7) - Reinserção Social
- Os
teus pais estão presos?
-
Estão, há “bué” de tempo....
Faz
silêncio. Olha-me intensamente, não sei se com raiva se com súplica, como se eu
tivesse alguma coisa a ver com tudo o que lhe estava a acontecer e pudesse
ajudá-lo.
- O
que é que tem estarem presos? – Pergunta-me, zangado.
- Eu
não disse nada. Esperavas que tivesse feito algum comentário?
-
Andavam a vender (droga), andavam, e depois? O que é que tem? Também já vendi,
agora não vendo, não vou vender mais. Não vou vender, está a ouvir-me (altera o
tom de voz).
-
Sim, estou a ouvir-te. Costumas ir à Associação aqui do bairro?
-
Não vou, é tudo mentira, mentem-me, mentiram-me, sempre.
-
Não acreditas neles? Porquê?
-
Prometeram comida, trabalho e “cenas” dessas e continuo a passar fome, tenho
que roubar, percebe, tenho de roubar, de roubar, percebe, veja se percebe....
Repete
vezes sem conta a mesma coisa, elevando a voz, agora, quase em fúria.
- E
tu o que é que lhes prometeste?
-
Nada, não prometo nada, não me chateiem…, vem a “bóbia, bate num gajo e dia vamos
presos.
-
Achas que vais preso?
- Se
vou preso? Todos os meus amigos estão presos, até aos dezasseis anos um gajo
anda na boa, depois toma, caem em cima e toca a andar. Qualquer dia vou. É de
certezinha…
-
Podes não ir, isso só depende de ti.
-
Não me importo, não me importo mesmo...
- Eu
importo-me que tu vás preso e há outras pessoas que também se importam, tenho a
certeza. Tens a noção de que há pessoas que se importam contigo ou não, que
querem cuidar de ti. Tens de deixar que te ajudem, seres o primeiro a cuidar de
ti.
-
Como? Não sou capaz. Não sou capaz, o problema maior é a minha cabeça, a minha
cabeça, entende?
-
Entendo, mas sei que toda a gente é capaz, é primeiro preciso decidires que
queres aceitar a ajuda e depois esforçares-te por consegui-lo. É assim que
todos fazem ou julgas que não.
-
Não me venha com tretas, dona, estou à rasca, estou à rasca...
-
Calma,
(um
jovem que encontrei num colégio do instituto da reinserção social, nos finais
dos anos noventa)
Etiquetas:
delinquencia juvenil,
reinserção soacial
quinta-feira, 24 de abril de 2014
Crianças e jovens que conheci (6) - A Vera
Naquele
ano, a Vera ia ser minha aluna. Tinha prometido a mim própria que iria fazer
tudo o que fosse possível por ela. Mas, fazer tudo, talvez não fosse
muito. Tentaria, disso tinha a certeza. Comecei a dar-lhe toda a atenção, a
pedir-lhe ajuda para pequenas coisas, e a Vera começou a dizer algumas palavras:
os livros, o quadro, a pasta…, até que, pouco a pouco, começou a dizer frases
completas: - é para ir buscar os livros da professora? É para apagar o quadro?
É para procurar dentro da pasta? ... E assim se foi integrando, mas sempre
muito dependente de mim, como se eu lhe desse uma segurança que não tinha em
mais lado nenhum. Mesmo nos intervalos queria sempre ficar na sala. Muitas
vezes, eu saia por causa dela, mas continuava a segurar-me a mão, vejo isso
ainda agora quando olho fotografias de dias de festa tiradas nesses tempos de
escola.
A Vera estava presa a mim, e eu a ela. Esteve comigo dois anos, por fim falava de
tudo, dos irmãos, do pai, da mãe, da casa, do irmão que ia nascer…, parecia
outra, já não era a menina assustada e triste, mas dependia demasiado de mim,
da minha atenção, mas eu também dependia dela. Estranha relação... A mim
magoou-me ter de lhe dizer adeus. Não sei o que se passou a seguir, gosto de
pensar que se tornou um menina mais autónoma e mais feliz. Ajudaste-me
tanto, Vera! Sabes, continuas a fazer-me falta.
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Crianças e jovens que eu conheci (5) - O Rui morreu
Leva a irmã pela mão a caminho da escola e fala-me
como se me conhecesse muito bem. Disfarço, entro na conversa,
intrigadíssima: quem seria aquele jovem que eu não reconheço. Teria sido meu
aluno? Era impossível, com certeza que não. Se tivesse sido, reconhecê-lo-ia.
- Tenho
saudades desta escola, agora, lá em baixo é tudo diferente.
- Estás em que ano?
- No 6º
ano, mas este ano não sei se poderei passar, por causa do meu problema de
saúde, há dois meses que não vou à escola. Mas vou ficar bom e recuperar. É
assim, tenho que ficar bem, já estou quase bem, mas foi difícil, muito difícil
… .
- Sim,
vais ficar bom – digo-lhe, enquanto lhe fixo de novo o rosto. Já sei quem é: é
o Rui. Agora, percebo porque não o reconheci, tem um problema de saúde grave,
a quimioterapia, a medicação….
Aquele
menino, agora com um corpo de adolescente, marcado pela doença, falava-me como
um adulto. Como te ia reconhecer, Rui! Mas, és tu, já não tenho dúvidas.
E a
conversa continuou até à escola. Nas semanas seguintes, encontro-o várias
vezes. O que mais me impressionava era a força de vontade, os projectos, os
sonhos, a vida, o futuro: “vou fazer, tenho de fazer, vou ajudar o meu pai, a
minha mãe, agora, estou em casa, cuido da minha irmã, lavo a loiça à minha mãe,
estou melhor, estou melhor, mas foi difícil, muito difícil, quando estiver bom,
vou ficar bom …”.
Um dia
deixou de aparecer, dizem-me que foi hospitalizado de novo. Piorou. Não tenho
coragem de perguntar mais nada a ninguém. Não demorou muito a chegar a trágica
notícia: - O Rui morreu.
Não suportei. Por que morrem os meninos? Por que se morre aos doze anos,
quando tudo o que se quer é viver? Por que se morre quando se têm tantos
projectos e tantos sonhos?
…………………………………………………(Arredores de Lisboa, 1991)
segunda-feira, 21 de abril de 2014
Crianças e jovens que conheci (4) - O menino árabe
- Um
dólar, um dólar, um euro, um euro …, madame, madame, señora, señora! - Eram
meninos de sete, oito, nove anos que traziam pequenos objectos que tinham
feito com ramos de palmeira entrelaçados: cestinhas, flores, pássaros, e não
sei que mais.
Dão os
objectos (na realidade, pretendem vender) a uma senhora, a outra e a outra, até
ficarem sem nenhum. Quando eu quero comprar, um dos meninos, muito rapidamente,
começa a tecer alguma coisa, mas, como já não havia tempo, entrega-ma, tal
qual, e diz-me: - É um pájaro, é um pájaro (é um pássaro, é um pássaro)!
- Querido
menino, como é um pássaro!
- Não vê
já a cabeça? Não está terminado, mas é um pássaro. A senhora se quiser vê um
pássaro – diz-me num espanhol imperfeito, mas que entendi perfeitamente.
- É um
pássaro, sim! Como não é um pássaro? Tens razão, já o vejo.
A porta do
autocarro fecha-se e o menino acena-me contente, por ter conseguido a moeda.
Fico emocionada e penso na história do Principezinho, será que alguma vez este
menino ouviu falar do principezinho e da ovelha dentro da caixa com buracos: “a
ovelha que tu queres, está lá dentro”.
Igual. O pássaro que eu quero, está aqui,
neste projecto de pássaro. É só imaginar: grande, pequeno, de poucas ou muitas
cores, depende do que eu desejar. Apetece-me
dizer-te: - Não voltes a fazer pássaros completos, faz pássaros para os outros
imaginarem, para os outros sonharem. Sim, que imaginar também é ver.
(Agosto, 2002, no palmeiral de Marraquexe)
Etiquetas:
ao jogo,
ao tempo livre,
o direito a educação,
trabalho infantil
sábado, 19 de abril de 2014
Crianças e jovens que conheci (3) - a menina adotada
Passou-se, num dia de Janeiro, numa terra africana,
numa casa, onde passava uns dias. Não compreendi, não compreendo, como se pode
dar uma filha. Para mim, foi e é incompreensível, mesmo quando parece ser
inevitável e, naquele caso, não parecia.
Não
esquecerei nunca os olhos e o choro da menina. Um choro contínuo e convulsivo,
como se pressentisse, como se tivesse consciência de tudo, do passado, do presente
e do futuro.
- Não
venha para aqui, não venha para aqui, que a minha filha não a pode voltar a ver
– pede a mãe adotiva, insistentemente, à mãe biológica – juntas, porventura
pela última vez, no dia do baptizado da menina, por coincidência, no dia em que
foi definitivamente entregue aos pais adoptivos, um casal italiano.
- Está bem, não vou – diz, em lágrimas, a mãe verdadeira (desculpem se utilizo
este adjectivo, naquele momento, foi assim que senti)
– Sei que se ela me visse deixava de
chorar – insistia.
Etiquetas:
adoção internacional,
direitos das crianças
Subscrever:
Mensagens (Atom)