As raízes
são ramos debaixo da terra;
os ramos, raízes no ar.
Os montes são gritos de meninos,
que levantam os braços
porque querem as estrelas.
( aforismos, in O coração da Primavera, Tagore)
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domingo, 25 de junho de 2017
sexta-feira, 9 de junho de 2017
Os falsificadores, o filme
É um filme sobre a
falsificação da libra esterlina pelos nazis que se preparavam, também, para
falsificar o dólar americano, já, no final da II Guerra Mundial.
Um grupo de judeus é
deportado para um campo alemão, onde se dedicam à falsificação de moeda. O
falsificador foi preso em Berlim pelas SS e levado para esse campo para se
aproveitarem das suas habilidades; o mesmo aconteceu com todos os outros,
uns percebiam de tipografia, outros de grafismo, outros de dinheiro e de bancos….
Era assim, sempre que os prisioneiros tinham capacidades de trabalho que
interessavam à estratégia nazi, eram poupados à morte.
Este falsificador é
tratado com alguma deferência, os alemães sabem bem que precisam dele e por
isso dão-lhe condições de trabalho, materiais, ajudantes… para que se torne num
falsificador perfeito. No grupo, há diferentes
sentimentos: uns querem conspirar contra os alemães e negarem-se a colaborar;
outros fazem tudo para sobreviver, quando pensam no fuzilamento imediato, se
ousassem fugir e fossem apanhados. Uns deixam a sua parte psicológica
arruinar-lhes os dias, outros continuam cerebrais e manipuladores, fazendo o
jogo do inimigo, não deixando que lhes aprisionem o pensamento – é o caso do
falsificador. Tem consciência do seu valor para os alemães e permite-se esticar
a corda, até um dia.
Durante muito tempo, vai
enredando, para evitar colaborar na falsificação do dólar, dá desculpas: é a
gelatina, é o papel, é a máquina tal...; enfim, o comandante do campo percebe,
mas não pode fazer muito mais, pressiona-o, porque também é pressionado.
Ameaça-o: “há quem o substitua, não é o único a falsificar notas”!
O falsificador resiste.
Tem um olhar de dureza que, às vezes, perturba; mas, mesmo sem quebrar,
pressente-se que vive um tormento interior, por exemplo, quando um dos jovens
do grupo adoece, gravemente. É visto pelo médico do campo, pensa-se que é
tuberculose, mas não há medicamentos; o falsificador vai fazer tudo para os
conseguir. Vai a casa do SS, o comandante do campo, com a receita, e pede-lhe:
“arranje-me estes remédios e em troca falsificarei o dólar. Se encontrar os
medicamentos, arranjarei maneira de falsificar o dólar”. E o comandante arranjou-os.
Entretanto, os russos
tomam Berlim, os nazis destroem o campo e as máquinas de falsificar moeda, para
que não se soubesse o que ali se fazia.
Na realidade, os judeus
desse campo fogem, no fim da guerra, numa carruagem, são intercetados e presos,
mas libertos, algum tempo, depois; alguns ainda vivem.
O filme começa com o
falsificador numa praia, no Mónaco, depois de perder uma grande quantia de
dinheiro no casino e termina, no mesmo sítio, agora, já com uma jovem bailarina
que lhe diz: “foi muito o dinheiro que perdeu”! “O dinheiro não é problema –
responde-lhe”.
Talvez, o mais forte do
filme tenha sido ver o falsificador disposto a tudo, para salvar o jovem russo;
a força duma amizade e o sentido profundo de uma identidade (cultural,
religiosa…) são inexplicáveis.
Etiquetas:
campos de concentração,
II guerra mundial,
nazismo,
vidas
quarta-feira, 7 de junho de 2017
Quem tem medo de Virgínia Woolf?
Fui ver a peça, ao teatro da Trindade, Lisboa,
e confesso que não me senti completamente confortável. Tudo se passa na sala de
estar do casal, George e Martha, depois de uma festa na universidade do pai de
Martha, onde o marido é professor de História, primeiro, esperando o jovem
casal, ele é o novo professor de Biologia, que dormirá essa noite em casa deles,
depois, os quatro em cena.
O ambiente é excessivo, doentio, quase esquizofrénico;
expõem-se, de forma crua, raivas, não ditos, aparências, futilidades..., para
humilhar, simplesmente, numa escalada, que parece sem retorno. A humilhação é o
pior dos males; humilhar alguém, é anular a sua autonomia, a sua estima, a sua
liberdade; é dizer: "não és nada, não vales nada; posso pisar-te, vou pisar-te"; melhor ainda, se houver assistência, no caso, a do jovem casal - durante uma parte da peça, Martha faz isto com mestria.
Mas, George, apesar da humilhação da
mulher, também não é santo, é ele que serve: “mais uma bebida, mais uma bebida”…;
é ele que antevê e incita à traição da mulher com o jovem professor, é ele que
cria jogos de linguagem e de poder (na verdade, só ele não está perdido de
bêbado), para os levar a confessarem o que na realidade são. E ele, nesse jogo,
quem é na realidade? E o filho, morreu ou nunca existiu?
Certo é que, depois, dessa noite de
bebedeira, é muito álcool, o casal voltará à mesma violência emocional, às
mesmas realidades ou ilusões, nunca se percebe muito bem,
em que aprendeu a viver, como se estivesse preso numa teia.
Etiquetas:
humilhação,
sentimentos,
teatro,
vidas
segunda-feira, 5 de junho de 2017
Viagem à Índia (4)
O hinduísmo é uma religião muito arcaica, mas talvez todas o sejam. “Todas as religiões são iguais”, lembro-me de ter pensado, a certa
altura, numa visita a um templo sique. Todas têm uma transcendência, povoada de
muitas ou poucas divindades, todas têm rituais, mais ou menos incompreensíveis, para
quem vê de fora, todas têm grandes ou pequenos templos, igrejas, mesquitas…;todas têm ramificações, hierarquias, poderes…
A religião é quase uma necessidade; uma necessidade humana, não dos deuses, porque há um mundo interior, um
espírito, uma alma..., que nos leva a esse para lá, ilimitado, perfeito, absoluto, não contingente..., única forma de pensar o limitado, o imperfeito, o relativo, o contingente... (sempre, o célebre argumento
ontológico a fazer-se notar).
terça-feira, 23 de maio de 2017
Viagem à Índia (3)
As pessoas,
quase, não nos olham; falo daquelas que andam pelas ruas, permanecem junto às
estradas, em pequenos negócios ou noutras ocupações, fazem colares de flores,
junto aos templos, pedem esmola aos turistas…, parecem ausentes.
A mulher do
semáforo. Era quase noite, já se via muito mal, num cruzamento de Nova Deli,
uma senhora, com um filho ao colo, magra, muito magra, quase esquelética,
aproxima-se dos vidros e pede esmola. Uma pessoa dá-lhe algum dinheiro
(bastante até); ela agarra-o, amarrota-o dentro da mão e em momento algum olha
a senhora que tenta comunicar com ela. Quase desvia o olhar, como se muros
invisíveis a separassem dos outros.
Ficará ali,
à espera de outros turistas e de outros autocarros, para mais uma vez se
dirigir aos vidros, de olhar perdido, pedindo esmola; ou deixará aquele
cruzamento e aquele semáforo, quando perceber que a quantia é suficiente para
comprar comida e alimentar os filhos.
O rapaz aprendiz de motorista. Dizem que tem dezoito anos, mas aparenta menos. Fala pouco ou nada, mas está sempre atento e disponível para tudo. Está ali, porque tem de fazer um estágio de três anos,
andar à beira de uma motorista já profissional, para poder vir a ser, no
futuro, um motorista daquela empresa.
Quando nos
deixam no aeroporto e nos despedimos, do guia, do motorista e deste jovem aprendiz
de motorista, com um aperto de mão, faço-lhe uma festa na cabeça e digo-lhe
algo, em inglês, para lhe mostrar como tinha sido importante o trabalho
dele durante todo o circuito e desejar-lhe boa sorte na vida. Fica muito
surpreso, não estava à espera, mas, sorriu e não baixou a cabeça: olhou para
mim. Depois, fiquei a pensar: talvez, culturalmente, não tivesse sido muito
propositado aquele gesto, mas quero lá saber de cultura, quero saber de gestos
humanos.
O menino órfão. Cinco ou seis crianças rodeiam o grupo de turistas que visitam as
ruínas duma cidade abandonada, há séculos, por falta de água, para venderem
bugigangas ou pedir esmola. Quando subimos, pergunto a um deles: - por que
pedes esmola, não vais à escola?
- Não tenho
pai, não tenho mãe, vivo com uma avó.
Quando
desço, o mesmo menino, continua: - não tenho irmãos, tinha uma irmã, mas morreu
há pouco.
Comecei a
achar que era demais, não precisava de tantos dramas, para conseguir uma nota
dos turistas.
Pergunto ao
mais crescido do grupo: - isto é verdade?
- É verdade,
dos meninos daqui, é o que mais precisa.
Acredito. Dou-lhe
uma nota. Afasta-se todo contente e eu fico a pensar: pode ser estratégia para
convencer turistas, mas temo que esteja a falar verdade.
sábado, 29 de abril de 2017
Viagem à Índia (2)
Em viagens turísticas, como a que
fiz, só vemos uma parte (pequena) da realidade. Temos a sensação de viajar dentro de uma bolha. Preservados de tudo, em hotéis bons,
autocarros novos, com ar condicionado, motorista, guia e ajudante, cumprindo um
roteiro que não deixa muita margem a iniciativas individuais.
Devem
existir ruas, mercados, praças..., onde a multidão seja visível, mas, nesta viagem,
nunca pude observá-la. Onde estão os milhões de indianos? Onde estão “presos”?
Quem os "prende"?
Há
coisas que impressionam pela grandiosidade: as fortificações mongóis, com
vários palácios dentro, as cidades abandonadas, os monumentos como o Taj Mahal, marcas de uma Índia estratificada de há duzentos ou trezentos anos: os reis e a plebe, os marajás e o povo.
Mas,
para mim, foi particularmente intrigante a visita panorâmica a Nova Deli, depois
de uma manhã a visitar os monumentos da antiga cidade. Quase tudo é herança
britânica, uma cidade administrativa, monumental, com grandes avenidas, um arco
de triunfo, praças..., muitos parques verdes, zonas residenciais, palacetes
individuais, em zonas fechadas, onde, antes, viviam os funcionários da coroa, hoje, destinados a serviços do Estado.
Quando passamos
junto aos edifícios do Estado, palácios do presidente e do 1º ministro,
ministérios, parlamento..., o guia avisa: “aqui não se pode parar, nem descer, aqui,
nenhum carro particular pode circular, nós passamos, porque é turismo. Só duas
vezes por ano (em dias nacionais) as pessoas comuns podem visitar esta parte da
cidade".
Afinal,
Nova Deli (ou parte) é uma cidade proibida, para o comum dos indianos; aberta,
sem muralhas, mas vigiada, destinada a governantes, políticos, funcionários e afins... Não se compreende.
sábado, 22 de abril de 2017
Viagem à Índia (1)
Estive
na Índia, em setembro de 2016; passei a limpo algumas notas, que tinha em
folhas soltas, mas não fui capaz de escrever mais nada. Estava cansada, mas não
era só isso, sentia como que uma impossibilidade interior.
A
Índia baralhou-me um bocadinho; não estava à espera de uma marca
cultural tão presente (como o sistema de castas e subcastas, que eu julgava
ultrapassada e afinal só não existe na lei) e tão impeditiva de um
desenvolvimento que chegue a todos.
A
realidade ultrapassou as minhas piores previsões, desde logo, a pobreza, que
toda a gente refere, a sujidade, inimaginável, o lixo por tratar, as entradas,
as avenidas e as ruas das cidades caóticas, as vacas sagradas, vagueando pelas
autoestradas, nas cidades, no trânsito..., em completo desleixo, não parecerem
ser de ninguém, sujas, maltratadas, magras...Um enigma, para não dizer uma irracionalidade, como tantas outras.
Decididamente, a cultura é para mim a questão mais premente, sem a qual o país não sairá deste impasse, onde tão depressa estamos no primeiro dos primeiros mundos como mergulhamos na mais profunda Idade Média, como se tudo fosse normal. Não é normal.
Decididamente, a cultura é para mim a questão mais premente, sem a qual o país não sairá deste impasse, onde tão depressa estamos no primeiro dos primeiros mundos como mergulhamos na mais profunda Idade Média, como se tudo fosse normal. Não é normal.
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