O argumento mais forte que
tem sido: a pessoa, num acto de liberdade, decide ser praxada, podia ter dito
que não queria e não disse; a pessoa num acto de liberdade decide praxar,
integrar uma organização, submeter-se a um código, cumprir ordens de um “ditador”,
andar com sapatos rotos até ao indescritível, remendados com fita adesiva preta
(a cena dos sapatos que uma jovem da Lusófona mostrou na televisão, e a
justificação dada para esta e outras coisas: “são parte de mim, da minha
história…”, mostra, à evidência, não apenas o absurdo, mas também a
perigosidade do que aqui está em causa). Que valores são estes? Em nome de quê?
Também, o reitor dessa
universidade usou o argumento da liberdade: “vamos lá proibir! É lá isso
possível! A liberdade é um valor intocável, no tempo do fascismo e das
ditaduras é que se proibia a expressão da liberdade…”
Então, em nenhum momento,
cai o argumento da liberdade individual? Não cai, quando estes jovens estão
submetidos à mais pura das hierarquias? Não cai, quando se expõem fragilidades,
lavam mentes, exploram sentimentos, humilham pessoas, violam direitos…?
Claro que cai, claro
que se violam direitos. Aliás, a praxe é em si mesma a violação de uma
liberdade. Ao colocar-se o praxado numa situação de absoluta incapacidade de
fazer ou de dizer o quer que seja, a não ser o que o lhe é exigido, quebra-se a
reciprocidade eu-tu, há, desde o início, uma liberdade anulada, por isso, a
humilhação pode estar a uma curta distância, não apenas nas praxes violentas, mas
nas coisas mais inócuas, do ponto de vista dos danos físicos.
Relacionado com isto,
discute-se a dificuldade em saber onde está a fronteira entre o aceitável e o
não aceitável, pois o que para uns é humilhante e susceptível de ferir a sua
dignidade, para outros é uma brincadeira, e portanto ninguém está em condições
de determinar o que é ou não uma prática indigna.
Isto é certo. Ninguém pode
falar sobre a dignidade de ninguém, por ser um valor intrínseco à própria pessoa,
mas cada um sabe onde está o limite que, uma vez ultrapassado, deixa marcas, no
mais profundo de si; portanto, ninguém pode pôr em causa a sua dignidade ou
deixar que outros a ponham.
Acabamos de assistir a
isto: pensaram (podiam) os jovens que morreram no Meco recusar-se a ir à praia
nessa noite de temporal no mar? O que os impossibilitava de tomar uma atitude?
Por que perderam a autonomia, por que perderam a vontade própria? É por isso
que as praxes são uma indignidade e não apenas nas situações limite, como esta;
são-no sempre, porque se trata de algo que é da sua própria natureza.