- Que horas são – pergunta-me o jovem
(muito menos de vinte anos) que acaba de me ajudar a arrumar o carro?
- São seis horas. Por que será que há
tanto movimento, tanta gente, aqui?
- Porque há jogo no Benfica, está tudo
cheio, teve muita sorte em arranjar aqui um lugar. Podia dar-me este dinheiro
todo – referia-se à nota de cinco euros que lhe tinha dado para retirar um euro
e devolver-me o resto.
- Sabe que, quando não tenho moedas,
não paro, mas, olhei para si e confiei – digo-lhe. Pensei: ‑ posso dar-lhe a
nota que ele vai dar-me o troco.
- E vou mesmo, senhora. Vou mesmo.
- Afinal, não me enganei. Está a ver
como ainda funciona olhar para os olhos das pessoas. Você tem uns olhos muito
bonitos!
- Ah é! Não sei, não costumo olhar
para a minha cara, nem para a minha, nem para a de ninguém.
- Por que é que é tão difícil
olharmos-nos uns aos outros face a face? Por que será tão difícil parar para
conversar?
- Dona, ninguém quer conversa, dão-me
o dinheiro e não me olham e eu faço o mesmo.
- Importa-se com isso?
- Não, até, prefiro assim. Só me
interessa o dinheiro. Só o dinheiro me interessa.
- Conversar não?
Afasta-se, repentinamente.
‑ Adeus, dona. Vai sair dali um carro,
tenho que guardar o lugar.
– Adeus, jovem, um bom dia para si.
Hoje, não pudemos conversar mais, mas quando
nos voltarmos a encontrar falaremos de novo, tenho a certeza. Vamos ter tempo.