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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O arrumador de carros (empatia ou o que seja)

- Que horas são – pergunta-me o jovem (muito menos de vinte anos) que acaba de me ajudar a arrumar o carro?
- São seis horas. Por que será que há tanto movimento, tanta gente, aqui?
- Porque há jogo no Benfica, está tudo cheio, teve muita sorte em arranjar aqui um lugar. Podia dar-me este dinheiro todo – referia-se à nota de cinco euros que lhe tinha dado para retirar um euro e devolver-me o resto.
- Sabe que, quando não tenho moedas, não paro, mas, olhei para si e confiei – digo-lhe. Pensei: ‑ posso dar-lhe a nota que ele vai dar-me o troco.
- E vou mesmo, senhora. Vou mesmo.
- Afinal, não me enganei. Está a ver como ainda funciona olhar para os olhos das pessoas. Você tem uns olhos muito bonitos!
- Ah é! Não sei, não costumo olhar para a minha cara, nem para a minha, nem para a de ninguém.
- Por que é que é tão difícil olharmos-nos uns aos outros face a face? Por que será tão difícil parar para conversar?
- Dona, ninguém quer conversa, dão-me o dinheiro e não me olham e eu faço o mesmo.
- Importa-se com isso?
- Não, até, prefiro assim. Só me interessa o dinheiro. Só o dinheiro me interessa.
- Conversar não?
Afasta-se, repentinamente.
‑ Adeus, dona. Vai sair dali um carro, tenho que guardar o lugar.
– Adeus, jovem, um bom dia para si.
 Hoje, não pudemos conversar mais, mas quando nos voltarmos a encontrar falaremos de novo, tenho a certeza. Vamos ter tempo.



quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Onde estão os meus amigos?

Quando se perde tudo, mesmo tudo, e não há esperança, só resta a raiva. Contida ou expressa, uma raiva presente que tortura os dias, desfaz os sonhos e pior, ainda, desumaniza, embrutece e torna insensível a mais doce das criaturas.
Agredir e ser agredido, é o dia a dia destas crianças que sobrevivem em condições inimagináveis, abaixo de tudo o que seria o mínimo de dignidade possível capaz de lhes assegurar um pouco de estima por si mesmas. Funciona apenas o instinto da sobrevivência.
O João é um destes meninos. Perdeu tudo, lá longe onde vivia. Fugiu da guerra mas nunca encontrou paz. Suporta tudo: anda roto,  sujo, faminto, ferido, doente..., mas não suporta perder amigos, como se os sentimentos fossem para ele o mais fundamental. E são. Repete vezes sem conta: não aguento ver morrer os meus amigos. Está furioso, com raiva no olhar, na voz e nos gestos diz-nos:
- Quando saí do buraco, não vi o Américo, nem o Toné, nem a Micas. Onde estão os meus amigos? Corri todas as ruas, procurei-os todo o dia e por todo o lado. Onde estão?”. Eu não os perdi, ontem foram comigo para o buraco, alguém mos roubou. Mais uma vez me roubaram. Mataram o pai, a mãe e os irmãos, sozinho e assustado fugi.  

(uma criança africana, nos subúrbios de uma qualquer capital, dessas onde não se respeita a vida e se mata por nada)


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Inocentes gaseados na Síria


Ou estamos todos muito atordoados, pelo Verão, pelo calor, pelas férias…, ou o que se está a passar na Síria não é o que eu julgo ser: um crime contra a humanidade, mortes por arma química.  
A comunidade internacional, sem acordar para o problema, continua a tolerar o intolerável. Sei que o Secretário-Geral da ONU já falou, que a Comissão Permanente já reuniu e já deliberou, mas tudo se passa como se caso não tivesse a relevância que tem.
Se se comprovar que o ditador usa armas químicas, proibidas por todos os Tratados, é preciso outras pressões, outros embargos, outra saída.
Não acredito que este senhor saia alguma vez pelo seu pé, nenhum ditador o faz, continuará a ser filmado, pela sua própria propaganda, a rezar na mesquita, como se o mal fosse bem e o mau fosse bom. Desprezível, é o menos que podemos dizer.


 (Nos últimos dias, avançou-se um pouco, os Estados Unidos parecem decididos a intervir, a França apoia, o Reino Unido diz que não, o Papa apela a uma vigília..., se fosse uma coisa fácil, mas não é, talvez seja possível outra saída que não a das bombas a cair sobre o massacrado povo sírio). 

sábado, 17 de agosto de 2013

Egipto, uma quase guerra civil

A situação ganhou uma complexidade tal que, pelo menos para mim, não parece compreensível. Nas ruas enfrentam-se os que apoiam e os que contestam o presidente Morsi, a frágil ordem juridica e constitucional é abalada.
Vemos a fragilidade das democracias quando tem por um lado um poder militar sempre alerta e disposto a intervir e por outro um poder religioso misturado com a política, radicalizando a ponto de se tornar uma ameaça às liberdades e aos direitos.
Tentou-se um governo de transição e, quando o diálogo parecia possível, com moderados de ambos os lados a dar tudo por tudo, extremaram-se posições a um nível inacreditável . As mortes  sucedem-se, 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Somos de onde? Somos quem?

Não lembro o título, era um filme/documentário, de que só vi uma parte, sobre uma jovem norte americana que chega à Palestina, a uma zona ocupada pelos israelitas, onde nasceram os pais e onde viveram todos os seus antepassados. É filha de palestinianos, imigrantes forçados, nos Estados Unidos.
Está aqui, na sua terra, mas é uma estranha. Clandestina nas suas intenções, fingindo-se turista, com um passaporte válido, mas com um visto já caducado, sabe que pode ser apanhada, num desses controlos policiais que estão por todo o lado e a cada passo.

Procura a aldeia dos pais. Mas já nada existe, ou melhor, nada existe como o ouviu descrever, vezes sem conta. Os nomes das cidades, das aldeias, dos vales e das colinas já não são os mesmos. Mudaram, tudo está escrito em hebraico, e ela não sabe hebraico.

Entra numa loja, pergunta pela terra dos pais, pronunciando diversas vezes, espaçadamente, o nome em árabe, mas o comerciante judio não sabe árabe e não pode ajudar.
Como se apaga assim um passado que, de resto, ainda é presente, é de há pouco mais de sessenta anos? Apaga-se, por decisão e persistência politicas, obviamente.

Ainda assim, a jovem continua o caminho e vai ter a um vale onde se depara com uma aldeia abandonada e destruída que julga ser a dos seus antepassados. Olha lenta e demoradamente o vale, o céu, as nuvens, o horizonte, o tudo e o nada, como se tivesse chegado a uma terra de destino que não consegue abarcar. Invadida por um sentimento profundo, abraça emocionada o jovem que a acompanha. Permanecem, nessa noite, na casa em ruínas, a um canto de parede, junto a um portal, talvez de uma antiga janela.

Partem na manhã, seguinte. Continuará a não pode dizer quem é, nem ao que veio, mentirá às autoridades, até ser possível, perdendo-se ou encontrando-se, nos vales da Palestina. Vales que também são seus. Podem lá os decretos, os Estados e as ocupações acabar com os sentimentos!

(releio e texto, e penso que se calhar o documentário não foi bem assim)


terça-feira, 16 de julho de 2013

Ausência (ou não)

Já não é a primeira vez que me cruzo com ela,. Vem do cemitério de visitar a campa do filho, que ali está há mais de vinte anos. Apesar disso, podia-se falar de toda a dor do mundo, olhando os seus olhos. Mas não vou falar disso, guardo, como ela, silêncio. 

Como se pode escrever sobre ausências? Às vezes, não se pode. Mas há ausências diferentes, que não doem tanto, como a tão celebrada saudade portuguesa, uma palavra que tudo encerra, sentimentos de perda, misturados com momentos de nostalgia boa, que alivia, que ajuda a viver, a estar, a continuar…, criando proximidade, mesmo que distante, e dando-nos essa pontinha de identidade de que precisamos esteja na mais recôndita aldeia beirã, algarvia, transmontana ou na rua ou bairro da mais movimentada cidade.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Olhando a gente, Istambul

Talvez, o mais importante das viagens seja aquele aspecto cultural que só podemos tocar se nos misturarmos com as pessoas, passando despercebidas, sentadas numa praça, numa esplanada, percorrendo um mercado, entrando numa igreja, numa mesquita…
Houve um dia, nesta viagem à Turquia, em que isso foi possível. Era um fim de tarde, depois de um agradável passeio no Bósforo – aquele estreito mítico, onde se cruzam povos, civilizações e continentes, com uma paisagem inebriante, palácios, casas luxuosas, jardins, colinas verdejantes…, mas que, por vezes, até se torna desconfortável, quando percebemos os preços, o nível de vida, o que separa esta de outras zonas da cidade.

Voltando àquele final de tarde. Era numa zona movimentada de Istambul, junto ao mercado egípcio. Percorri o mercado, limpo, organizado, sem ser labiríntico, com uma parte central que claramente espera pelos turistas e potencia o negócio dos produtos característicos, mas também o mercado da carne, das flores…, não propriamente para quem vem de fora.  
Entrei, depois, na mesquita, situada mesmo ao lado. As portas estavam abertas, com os indispensáveis sacos de plásticos, à entrada, para podermos colocar os sapatos.
Achei interessante ver como as pessoas ocupavam o espaço. Logo, à entrada, um casal jovem com uma criança, estava sentado no corredor do lado direito. Depois, na parte central da mesquita vários homens (era a parte deles), uns rezavam, outros descansavam, outros meditavam, outros liam, outros deitados ao comprido, pareciam até dormir. Encontrei-os nos sítios mais insuspeitos, atrás de uma coluna, no fundo do corredor junto a um vitral, no canto da sala…

Fiquei a pensar nesta normalidade que, nas nossas igrejas, não seria tão normal; se alguém se deitasse como que a dormir, viria alguém falar-lhe de desrespeito e de falta de boas maneiras, convidando-a a sair. Aqui, não. Parecem coexistir formas de estar muito diferentes, tudo em silêncio, isso sim, sem a música ambiente das mesquitas com visitas organizadas para turistas.

Saio e sento-me quase no cimo da enorme escadaria. Olho a praça: há vendedores ambulantes com os respectivos tabuleiros, vendendo guloseimas, gelados, brinquedos, uma espécie de milho e outras coisas que não identifico. A vida corre…, como em quase todas as praças, há pessoas apressadas e outras sem pressa, conversando, passeando os filhos, apanhando transportes, carregando sacos, ignorando os turistas…, vivendo, como se vive, afinal, em tantos lados.