Pesquisar neste blogue

terça-feira, 7 de junho de 2016

Fundamentalismo islâmico: o inferno era aí (2)

Se ficam viúvas ou são mães solteiras, renegadas pelos parentes, ficam completamente desesperadas. O abandono e a fragilidade são completos. Uma tragédia sem limites as devora por dentro, as perturba, as leva ao limite da sua capacidade de sofrimento mental. Psicologicamente afectadas, como podem continuar a pensar, a cuidar-se e a tratar dos filhos? Infinitamente sós vagueiam, pedindo esmola, prostituindo-se, sendo usadas e abusadas por homens que as tratam sem pingo de humanidade e as condenam à valeta.
O pior é que o fazem em nome de uma religião, dum fundamentalismo religioso, que não deixa qualquer espaço para a denúncia, o confronto ou a fuga. Só alguns podem. Muitas vezes me interrogava: 
- Como podemos continuar caladas? Como podemos continuar passivas? Como poderemos contar aos nossos filhos o que nos está a acontecer?
Mas a resposta às minhas perguntas era óbvia. Como podíamos resistir de estômago e mãos vazias? Como podíamos, sem nada, lutar contra homens alucinados, dependentes do cheiro a pólvora, armados e sem outra linguagem que não fosse a da violência. Aqui a vida não tem o mesmo sentido. Não pode ter, senão como explicar isso?


segunda-feira, 6 de junho de 2016

Fundamentalismo islâmico: o inferno era ali (1)

(Quis escrever, mais uma vez, sobre os refugiados do estado islâmico, mas vieram-me à lembrança imagens de outros ou do mesmo inferno. Este fundamentalismo não começou hoje, vem de longe e de perto, vem de sempre).

Abrir a janela, sair à rua, eram coisas impossíveis. A guerra, a contínua e destruidora guerra, levava os homens para a guerrilha, deixando desamparadas muitas mulheres e crianças. Mulheres e crianças muitas vezes vítimas e várias vezes fechadas. Restava-lhes sonhar que um dia seria possível atravessar as altas montanhas, atingir o lado de lá da fronteira e entrar no Paquistão, onde poderiam, pelo menos, ter a esperança de ver diminuída a insegurança e o medo. Como se fosse possível, aí, aliviar o inferno! 
Mil vezes, perguntei a mim própria como era possível ter chegado ali. Viver como se tudo tivesse ruído, a sociedade recuado cem anos, todos os direitos perdidos, toda a dignidade em causa e toda a capacidade de seguir vivendo normalmente aniquilada. Viver em subterrâneos, educar as crianças clandestinamente, correr, a toda a hora, sérios riscos de vida, era o dia a dia de milhões de pessoas. Fecharam as escolas, reduziram a vida e a condição das mulheres a uma situação humilhante.
Há trinta anos, setenta por cento dos professores eram mulheres. Trabalhavam, saíam de casa, havia uma normalidade de vida, embora muito determinada pela cultura e as tradições. Isso tinha deixado de existir.
Nada, agora, era normal. A severidade e a demência dos taliban deitavam por terra qualquer tipo de lógica, qualquer tipo de sentimento, como se os mais elementares traços de humanidade que cada um de nós transporta não pudessem existir. Começamos por nos esquecer de rir, de falar, de amar, de ser solidário, com a nossa sanidade mental,continuamente posta à prova, numa luta diária, para não deixar de ser gente. Manter alguma dignidade e alguma decência exigiam a capacidade de continuar. Resistir era o mais importante.


sábado, 14 de maio de 2016

Refugiados, continua o desespero

Os  refugiados continuam a fugir, a arriscar a vida e a morrer. Pode lá haver pior coisa que este impasse que leva a que se multipliquem as tragédias, se adiem as soluções e se aumente a desesperança. Pode lá haver pior coisa que esta incapacidade da Europa e do resto do mundo de lidarem eficazmente com os refugiados. 


quarta-feira, 11 de maio de 2016

Identidade cultural

“Brasil é meu chão, minhas raízes, meu respirar…” – diz o músico brasileiro, num encontro intercultural, depois de mais de vinte anos a viver em Lisboa. “Todos os dias vou à minha casa, à minha cidade, à minha rua…”, continuou.
Fico a pensar: que sentimento é este que mesmo separado por oceanos, montanhas e países, permanece intacto? Que sentimento é este que leva o senhor a emocionar-se e a emocionar muitos naquela sala?   

 Se calhar todos sabemos do que se trata! 

segunda-feira, 9 de maio de 2016

O meu filho, diz-me o senhor

O filho ocupa toda a vida deste homem, mais de oitenta anos: “não consegui enviar um email para o meu filho, mas à noite telefono-lhe”. É assim, invariavelmente. Todos os dias vai aquela biblioteca utilizar o computador para se comunicar com o filho. Todos os dias e a todas as horas fala do filho. Às vezes conta histórias e situações que deixam perceber que o filho é ainda um menino, mas isso não pode ser, porque me diz que trabalha em Luanda.
Fico confusa, mas nada pergunto. Até que um dia me mostrou uma fotografia, ele, o filho e um casal amigo, em Nova Iorque, o rapaz com dezasseis anos, na altura em que caíram as Torres, 2001. O filho terá então trinta e um anos, mas para o pai, a idade está lá atrás, quando o levava pela mão e lhe perguntavam se era neto, quando viajava pela América, com ele adolescente, quando a ausência não existia, pelo menos desta forma.



sexta-feira, 6 de maio de 2016

Por que falham as instituições?

Não sei se a mãe que matou as filhas, dezanove meses e quatro anos, atirando-as ao mar, é ou não uma doente psiquiátrica. Não sei se ela queria ou não suicidar-se a seguir, acredito que sim, que é uma doente e que pretendia morrer com as filhas que acabava de matar. Mas não morreu, foi salva.

Não se pode entender de outro modo o que se passou; só admitindo que não tinha consciência do que fazia, podemos lidar com a ideia de que não se trata de um monstro, mas de alguém a quem a má sorte ou o que seja colocou numa situação em que ninguém pôde ajudar, falo das famílias, das instituições de apoio à vítima, dos hospitais, das Comissões de Proteção de Menores, de todos os lados onde bateu à porta e não viram a gravidade da situação.

Obviamente que não sabemos toda a verdade sobre o que se passou. Não sabemos se o pai é ou não agressor, se o pai é ou não também uma vítima do estado mental da senhora. O que sabemos é que a morte das duas meninas não era inevitável, não sofriam de doença terminal, não sofreram um acidente, foram mortas pela mãe, numa escalada de desespero e talvez doença que ninguém avaliou suficientemente. Esperamos que as instituições respondam, mas o que se vê, infelizmente, vezes repetidas,  é a incapacidade de lidar com estes casos, perdidas que estão em relatórios, burocracias e formalismos.





quinta-feira, 3 de março de 2016

O outro


Um ser humano só deve olhar outro ser humano de cima para baixo se for para o ajudar a levantar.
                                                        Gandhi